Um ano se passou desde que o incidente no Cassino Champa afetou a vida de Daphne Ann Blake a qual nunca mais foi a mesma. O pesadelo real havia terminado, aparentemente, mas os traumas ficaram. Nada mais voltou a ser como antes, a própria percepção do mundo ao seu redor também estava diferente, como se a qualquer momento tudo pudesse desabar em cima de sua cabeça. Foi um grande desafio tentar apagar o que houve para seguir em frente, algo que ela nunca conseguiu fazer. Ela havia sobrevivido a um jogo macabro, quase perdeu Fred e a própria vida, e por mais que isso acontecera a um ano e meio, para ela, era como se tudo acontecesse no dia anterior. Chegava a ter pesadelos, acordando várias vezes à noite alegando estar presente naquela ilha encarando tudo de novo. Talvez ela não tivesse se libertado de Michael como pensava.

Após noite, começou-se um alvoroço por parte do FBI, onde prosseguiram-se os dias dos quais Daphne não teria paz. Uma investigação foi iniciada com base em tudo que foi relatado por ela e Fred, onde foram praticamente obrigados a contar o que presenciaram nos últimos meses. A ilha Champa foi revelada, trazendo à tona um dos maiores segredos de Michael para as autoridades; isso gerou um escândalo dentro das próprias diretrizes do bureau, que após meses investigando o esquema de tráfico de drogas, não conseguiu descobrir uma propriedade como aquela embaixo de seu nariz.

Dias após a autópsia do irmão, ele foi enterrado como um mero indigente num cemitério em Nevada; não houve cerimônia ou algo do tipo. Somente Daphne e Fred presenciaram aquele momento, nem mesmo os pais estavam no local. Michael Blake foi uma mancha que sujou o nome da família e deveria ser esquecida. A família Blake conseguiu abafar o caso para a imprensa, e incrivelmente o nome dele e sua ligação não foram sequer revelados graças ao poder que o nome Blake carregava, tal força, que no dia da morte de Michael, a mídia soltou a noticia que o dono do Cassino Champa morreu por legítima defesa do atirador, ou seja, Daphne.

Um ano após os acontecimentos, Daphne e Fred se casaram, vendo que era o melhor momento de deixar a vida seguir seu rumo. O FBI já não os pressionava como antes, na verdade pararam de entrar em contato. A ruiva podia respirar e tentar viver em paz além de esquecer todos aqueles acontecimentos, aparentemente.

Ela estava errada.

A situação não estava sob controle. O caso não havia sido resolvido e tampouco estava perto de ter um fim. O FBI não parou de ligar porque estava prosseguindo em desmantelar o esquema de tráfico, parou por que simplesmente deixaram de fazê-lo. As notícias e os dados apontavam isso, ela mesmo tratou de certificar. Tudo estava desabando, algo que ela mais temia.

"O que está acontecendo?!" Falava diversas vezes para si mesma.

Desesperadamente ela tentou contatar o FBI, principalmente com o agente Morgan, porém todas as suas tentativas falharam. Será que poderia fazer algo a respeito? Deveria? Muitas vezes Daphne ficou parada em um canto, sozinha por vários e vários minutos pensando sobre isso. Se nada fosse feito o legado de Michael continuaria e tudo que ela fizera outrora não teria adiantado coisa ela não conseguiria fazer isso sozinha; talvez teria de fazer propostas... acordos, uma aliança com o diabo?

Já passava de uma hora da manhã. Daphne esperava por alguém em um bar, no centro de Las Vegas. A mulher estava apreensiva, olhando para os lados, observando a pouquíssima movimentação. Pediu um copo de uísque para tentar ficar mais calma, mas o cansaço e o estresse a incomodavam. Estava irritada, pronta a ir embora dali e mudar de planos.

"Você realmente veio..." Disse um homem que chegou e sentou ao seu lado.

Para alcançar seu objetivo, ela teria de fazer coisas que queria e que odiaria fazer.

"Você..." ela olhou o rosto do homem. Já imaginava que fosse ele "Está atrasado. Eu estava quase desistindo." Respondeu ela, resmungando, sem muita surpresa em seu olhar.

"Tive um imprevisto."

Daphne ficou em silêncio após balançar a cabeça. Revirou o copo com o gelo e tomou o último gole da bebida.

"Que tal darmos um passeio?" O homem grisalho lançou-lhe um sorriso.

"Disse que nos encontraríamos aqui para discutir." Ela se virou para ele, franzindo a testa.

"O que vamos falar são sobre assuntos bastante delicados, ninguém por aqui é de confiança."

"Confiança é o que você diz, mas posso confiar em você, se mal sei o seu nome, Banqueiro."

Banqueiro. Seria a última pessoa com que ela gostaria de ter contato novamente. Ela tentou buscar outras alternativas, infelizmente todas falharam. O homem que escapou da polícia no dia da morte de Michael estava ao seu lado. Estava praticamente trabalhando com o inimigo.

"Já está confiando em mim ao concordar em trabalhar comigo."

"Isso é apenas troca de favores."

"Hum." Novamente ele sorriu. Aquele gesto dava a mulher arrepios em sua pele.

"Vamos logo." Daphne deixou o dinheiro da bebida no balcão e saiu do bar junto com o homem.

A brisa fria passava por todos os cantos das ruas. A noite iluminada de Las Vegas dava um clima inigualável, o que legitimava a constância da cidade que nunca dorme. Sempre haveria gente acordada, para jogar sua vida fora em cassinos, para fazer um tour noturno ou simplesmente usufruir de substâncias ilícitas vendidas aos montes. Era quase um disfarce para quem gostaria de se esconder. Ao caminhar, Daphne não conseguia tirar seus olhos do Banqueiro, como se a qualquer momento ele pudesse fazer algo hostil a qual ela deveria estar preparada para reagir. Seu coração batia rapidamente algumas vezes, se não tivesse cuidado poderia por tudo a perder.

"Está apreensiva?" falou o Banqueiro sem olhar para ela.

"Apenas me certificando de que você não fará nada."

O Banqueiro, de repente parou de andar, deixando-a surpresa. Ele apresentava um rosto mais sério.

"Creio que devemos terminar aqui. Se não consegue ao menos andar dois passos sem vigiar os meus, como podemos continuar com nossa parceria?"

"Porque estou ao lado do homem que atirou em meu irmão sem reservas."

"Foi você quem pôs fim a sua vida, Daphne. Ou já se esqueceu?"

"É claro que não!" Retrucou irritada, "Fiz isso para me defender. Não sou um desgraçado que nem você que atira primeiro e pergunta depois."

"Sabemos disso, senhorita Blake," ele falou num implícito tom de zombaria "sabemos disso.

Os dois se encararam. Daphne sabia que não poderia tentar algo contra ele no momento, pois o Banqueiro era valioso demais. O braço direito de Michael, um homem que sabia demais, talvez mais do que deveria precisava ser tratado com, jeito; mas isso não a impedia de planejar o que fazer futuramente. Uma pequena pausa foi feita entre as partes. Logo, a ruiva continuou a caminhar; pôde se perceber que ela continuaria ao seu lado pronta a ouvir o grisalho.

"Ainda não contou o que estava planejando."

"Pelo visto concorda em formar uma parceria comigo." O Banqueiro ergueu os braços, sorrindo novamente.

"Isso são apenas negócios."

"Que seja."

Antes de chegarem numa esquina, o homem fez um gesto com a mão para que eles entrassem em um beco à sua esquerda.

"Pois bem. Esse é o primeiro aviso que lhe dou. Não confie no FBI." Ele disse em voz baixa, mas tão cortante como uma espada e fria como o gelo.

"Por que será que não estou surpresa com isso?" Daphne cruzou seus braços.

"Há muita gente lá dentro com as mãos sujas, senhorita Blake. Mais sujas que pés de porcos. Figurões do alto comando, agentes... são tão culpados quanto-"

"Quanto você?" A ruiva o interrompeu, soltando um riso sarcástico.

O homem de rosto quadrado retirou os óculos de grau que usava para limpá-los.

"Sempre me fazendo rir..." Ele balançou a cabeça "Culpados como eu? Não... mas tão perigosos quanto a minha pessoa."

Suas palavras beiraram no ar frio, entrando pelos ouvidos da ruiva e adentrando o fundo de seu coração. Às vezes ela se esquecia de quem aquele homem era e acabava brincando demais com o fogo.

O banqueiro pôs seu óculos de volta ao rosto.

"Entrarei em contato com você em breve. Fique sempre com aquele aparelho celular que lhe dei por perto. Nossa conversa termina por aqui." Sem demora ele deixou o beco e a ruiva.

Não havia mais volta. Eles firmaram um acordo. Que preço deveria ser pago para atingir seus objetivos? O FBI estava corrompido e alguém deveria fazer algo o quanto antes, mesmo que fosse necessário tomar medidas extremas.