"Se lembra quando a gente
Chegou um dia a acreditar
Que tudo era pra sempre"

Sempre me senti desbotado.

Talvez não sempre a todo momento da minha vida. No entanto, perto deles era apenas assim que eu me sentia. Principalmente ele, que era tudo o que eu desejava ser: sangue-puro, bem nascido, popular, forte e belo. Eu era a versão desbotada: mãe sangue-puro, pai nascido trouxa, família insignificante, impopular, franzino, e meus cabelos e minha pele pareciam desbotados se comparados àqueles fios lustrosos de negro puro e pele macia. Eu parecia sempre doentio e mal lavado. Até minhas roupas íntimas eram mais desbotadas. Fato que ele fez o favor de não esquecer por anos.

E em algum momento, entre uma azaração e outra, ele pareceu se encantar por toda essa minha falta de cor. Ou talvez tudo não tenha passado de mais uma peça.

"Aposta quanto que eu consigo trazer até o Snivellus para a minha cama?"

Queria poder dizer que ele perdeu a aposta, que não deu certo, que ele falhou miseravelmente e o máximo que conseguiu foi uma passagem só de ida para o St. Mungus. Contudo, ele era Sirius Black, e eu, um rejeitado social mesmo na minha própria casa. Eu era desbotado, um desbotado apaixonado por cores que jamais teria de verdade, nem o vermelho misturado com o verde da primavera e muito menos o negro com o azul do outono.

Minhas únicas lembranças são momentos perdidos pelas salas abandonadas. Como tudo teve início eu não lembro, mas posso imaginar que tenha sido como todo o resto. Toda a tensão e ódio dando, de repente, lugar ao prazer. O prazer de ser penetrado com força, sem dó, aos gritos. O prazer de gritar e ouvi-lo gemer. Ele se sentia o macho, o alfa, mal sabia que quem comandava era eu, quem o tinha na mão era eu, porque era pra mim que ele gemia daquela forma, era tudo por mim. O prazer de subjugá-lo era meu.

Mesmo assim, quando ele se aproximava, sussurrando insultos em meu ouvido, eu não conseguia deixar de pensar, de ver, o quanto eu era sem graça, desbotado. Como ele poderia se interessar? Black tinha tudo o que um dia desejei, e simplesmente ignorava. Era um maldito rebelde sem causa. E por isso eu fodia com ele. Em todos os sentidos.

Tudo ia bem, em público nos odiávamos como deveria ser, trocávamos insultos, azarações e tentávamos pegar o outro pelas costas, e à noite, ou mesmo de dia quando a oportunidade aparecia, éramos dor e sexo. Perdi a virgindade com a segunda pessoa que mais detestei na vida. E jamais me arrependi disso.

Contudo, não estávamos predestinados a durar, não seguimos nem por um ano inteiro. Black descobriu que desbotados também poderiam se atrair. O pequeno Régulos via em mim a mesma falta de cor, ele era como eu, um desbotado. E talvez, pensávamos, dois desbotados juntos conseguissem ser coloridos.

Black não gostou nem um pouco. Tudo bem eu foder com ele, mas quando o assunto era seu irmãozinho, aí a coisa mudava de figura. Para mostrar seu descontentamento, o imbecil me enviou para uma cilada onde eu provavelmente encontraria a morte: com falsas palavras e insinuações ele me levou até o covil de um lobisomem faminto.

E quem diria, quase morrer não foi o pior castigo que recebi, o pior foi ter sido salvo pela pessoa que mais odiei em toda a minha vida: James Potter. O filho da puta que tinha só para si as duas únicas pessoas coloridas pelas quais já me interessei. Ele me roubou duas vezes seguidas as cores. Como eu poderia não odiá-lo?

Com certeza aquela idéia fora de Potter, querendo ganhar a simpatia de Lily, convencera o melhor amigo furioso de que me matar era o plano ideal, então, no momento crucial ele apareceu dizendo que acabara de descobrir a idéia de Black e foi me salvar, porque ele é um cara bacana, um grifinório heróico como deveria ser. Imbecil.

Essa situação só conseguiu provar mais uma vez o quanto sou desbotado, Black tinha a intenção real de me matar, e quase conseguiu. Enquanto eu, mesmo odiando Potter com todas as minhas forças, jamais conseguira chegar perto disto. Não por falta de vontade, apenas por falta de cor.

Depois do incidente, Black entrou para a minha mais pessoal lista negra, nunca mais a tensão deu espaço ao prazer. Porém, o engraçado é que sempre o menosprezei, isso havia antes mesmo de qualquer coisa, mas nunca consegui odiá-lo como a Potter, mesmo quase tendo sido morto por ele. Black era apenas tudo o que eu queria ser, mas Potter roubara tudo o que eu gostaria de ter.

Talvez quem nasça desbotado esteja destinado a ser para sempre assim.

"Mas eu sei
Que alguma coisa aconteceu
Está tudo assim tão diferente..."


N/A: Minha primeira tentativa com o POV do Snape! Espero que tenha ficado digno do mestre de poções! Estava pretendendo fazer um capítulo por fase da vida dele com um diferente ship, o que acham? Comentem e incentivem uma história :)