.Capítulo 1.
"Gente demais/com tempo demais/falando demais/alto demais
Vamos lá atrás/de um pouco de paz"
Tiago Iorc - Alexandria
Remus passara a maior parte de sua vida sabendo qual era a sensação de guardar um segredo. Melhor seria dizer – e essas eram as palavras que ele preferia – qual era a sensação de carregar um peso. Melhor ainda, de ser um peso. Quando ele era muito jovem, um lobisomem lhe mordera e, desde então, uma vez por mês, ele se transformava em um monstro. Sim, um monstro, ele repetiu para aquela voz fraca e esperançosa em sua cabeça. Em algum ponto de sua vida – e ele não parecia ser capaz de dizer quando ou como -, mas, em algum ponto, ele prometera a si mesmo que o seu segredo nunca seria um peso na vida de outra pessoa. Ele prometera que nunca ficaria tão próximo de alguém, que ele pudesse machucar a pessoa com a verdade sobre ele. Ele tinha tido sorte o suficiente quando conheceu Sirius e James e eles não o abandonaram. Mais uma vez, ele teve sorte quando conheceu Lily, que não media esforços para lembra-lo a pessoa incrível que ele era. Mas ele também já tinha tido falta de sorte suficiente para uma vida, enfrentando toda a rejeição que vinha com a parte de ser um lobisomem. E eles estão certos. Quem iria querer ficar perto de alguém como eu? Ele disse em voz alta, seus olhos encarando a lua lá fora.
Entretanto, há, de fato, mais mistérios entre o céu e a terra do que pode supor nossa vã filosofia, especialmente a filosofia de Remus. Porque existia uma pessoa que iria amar ficar tão perto quanto ela pudesse. Alguém que, com certeza, amaria cada palavra que saísse de sua boca, cada pensamento que cruzasse sua mente. Aproveitaria cada risada, cada segundo. Alguém que – nas palavras dele, não nas minhas – era louca o suficiente para se apaixonar por um monstro estúpido e incontrolável como ele. Bom, talvez ela fosse um pouco doida. Definitivamente atrapalhada. Com toda certa, impossível – mas num bom sentido, entende? Ela era muito determinada, seu único propósito na vida parecia ser aproveitar cada segundo. Carpe os diems de sua vida ou algo assim. Cada lugar que ela entrava se iluminava e aliviava com sua presença, como se o peso do mundo e seus complicados problemas simplesmente desaparecessem quando ela entrava na vida de alguém. Não existem muitas pessoas assim nesse universo e, talvez, quando você conhece uma pessoa dessas, devesse agradecer aos deuses, aos grandes e poderosos bruxos e bruxas que vieram antes.
Remus devia agradecer aos poderosos bruxos, porque ela entrou em sua vida. Talvez tenha sido Sorte ou Destino, como eles me chamam. O que importa, de qualquer forma, é que ela entrou em sua vida, prestes a muda-la, prestes a fazer cair por terra todas as crenças já arraigadas que Lupin tinha sobre si – ainda que nenhum dos dois soubesse disso naquele momento. Foi no dia trinta de julho. Um dia quente e luminoso. Atarefado e cansativo. O cabelo dela era de um roxo bem claro, seus olhos de um cinza doce. Os olhos dele estavam esgotados; sua barba – que não vira uma gilete ou feitiço na última semana – carregava o peso dos últimos sete dias.
Seus pensamentos estavam muito longe. Ele sentia como se cada músculo e pedacinho de sua mente estivessem sofrendo, com dor. Claro, transformar-se em um lobo doía. A pior parte, no entanto, eram os pensamentos e sentimentos que tomavam conta dele, os pesadelos que ele tinha que enfrentar... todos vindo de uma única vez, como uma enchente, assombrando e perseguindo ele durante aqueles sete dias. Nem todas as pessoas sabem como é ser assombrado por sua própria mente, por si mesmo; mas Remus sabia, ele sabia as piores versões disso.
Sirius passara o dia inteiro, tentando alegrá-lo. Sucesso, no entanto, não é uma palavra que pode ser usada para descrever sua iniciativa. Lupin continuava a repetir para si mesmo que tudo o que ele queria era passar o resto de sua vida no quarto mais escuro e solitário que ele pudesse encontrar, sozinho, enfrentando seus demônios e medos sozinho. Uma jovem mulher, entrando na sala e tropeçando em seu caminho, interrompeu seus pensamentos. Ela sorriu para ele, quando seus olhares se cruzaram e decidiu sentar-se ao seu lado. Entretanto, ela não o cumprimentou, seus olhos indo diretamente para Sirius.
"Olá, terrível primo!" Ela brincou, seus lábios se transformando num lindo sorriso.
"Ah, olá, filha da desgraça dessa família." Sirius riu sua risada de cachorro. "É muito bom te ver, querida. Toda crescida e adulta. Sua mãe me mandou uma foto quando você era bem pequena. Ainda desajeitada, huh?"
"Sempre e para sempre, eu acho." Com um sorriso, sua atenção se voltou para os outros presentes na sala.
"Você tem uma prima?" Remus sussurrou para o amigo.
"Ah, eu tenho vários primos em diversos graus. A mui antiga casa e toda essa baboseira."
"É claro que eu sei que você tem vários primos. Eu estava me referindo a uma prima do nosso lado." Sua voz ainda era baixa, mas Sirius, que parecia não se importar com bons modos, continuou em alto e bom som, certificando-se de que a prima ouviria:
"Ah! Eu tenho uma prima do nosso lado. Mas é claro que eu tenho. Você achou que eu era o único com cérebro na família? Não, não. Andromeda tinha bom senso. Tonks também, graças a Merlin."
"Ah, essa sou eu! Mamãe sempre disse 'Sirius tem o coração no lugar certo, Dora'. Nunca acreditou em toda aquela história de assassino em massa." Ela sorriu novamente, doce e confiante. Os lábios de Remus seguiram a deixa, sorrindo de volta.
A reunião começou exatamente às 19:14. E, aqui, timing é importante, porque as 19:26 foi a primeira vez, em Merlin sabe quanto, que Remus se sentiu leve, em que seus medos não o perseguiram. Foi a primeira vez em muito tempo em que ele se sentiu humano. Se você, meu caro leitor, for gentil e me seguir, eu te mostrarei.
Dumbledore estava falando sobre essa nova missão, muito importante e muito secreta. À esquerda de Remus, um Sirius muito insatisfeito, que adoraria a chance de participar, mas que sabia que ninguém permitiria; à sua direita, uma Tonks inquieta, que também adoraria a missão, que poderia participar, mas que tinha medo de ninguém lhe querer como parceira.
"Você deveria ir." Sirius sussurrou. "Isso vai tirar sua cabeça daquele probleminha peludo. Manter os pensamentos ocupados e tal."
"Ou eu deveria porque você queria poder ir?"
"Na verdade, eu acho que você deveria ir porque eu não aguento mais a sua presença, meu amigo." Os dois contiveram uma risada.
Remus observou Tonks levantar sua mão quando Dumbledore perguntou se alguém gostaria de participar da missão. Ninguém a seguiu. Na verdade, Podmore – que tinha sua mão estendida – mudou de idéia e disse que tinha esquecido que estaria ocupado naquele dia em particular. Kingsley pediu desculpa, porque estaria de fato ocupado. Ao canto, os lábios de Snape se crisparam num sorriso, ao mesmo tempo em que o de Tonks desapareceu. Sua mão, ainda no ar, agora era incerta e tremia um pouco.
"Eu adoraria ir com você, Tonks." Sua voz era tranquilizante e calma. O sorriso de Snape se desfez, seus braços se cruzando em seu peito, uma de suas sobrancelhas arqueando em desgosto.
"Obrigada." Ela sussurrou. Sua voz agradecida e insegura.
"Não precisa me agradecer. Eu tenho certeza que você é uma ótima bruxa. Essas pessoas, elas são boas pessoas, lutam pelas causas certas, mas ainda têm que aprender que há mais num bruxo do que sua idade ou..." Sua voz falhou, lembrando alguns dos olhares que ele recebera quando todos descobriram que ele era um lobisomem. "...ou algo em que você se transforma." Ela não pareceu entender a referência e, por um momento, ele se sentiu grato.
"Bom, então, obrigada por acreditar em mim." Ela apertou seu braço e, naquele momento, 19:26, a mente de Remus vagou por um lugar em que nunca tinha estado. Era calmo, leve e brilhante. Nenhuma preocupação parecia chegar até lá. Nenhum pensamento obscuro, nenhum medo. Era algo como o céu. Um céu roxo, com os mais doces tons de cinza e um sorriso lindo, muito lindo.
N/A: Cada capítulo é inspirado por uma música do álbum Troco Likes do Tiago Iorc (com a possibilidade de um epílogo no final, inspirado por outra música dele). Acho que a ligação bem sempre fica explícita nos capítulos, mas, na minha cabeça, eu juro que ela está ali. A ideia de escrever essa fic, na realidade, veio ouvindo esse CD (Caso alguém queira ouvir também: goo. gl/ gYjAT0).
Espero que gostem! Sugestões/comentários/críticas são sempre bem vindas!
