CAPITULO I
Rin Hirugashi tremeu ao sair do cinema e deparar-se com a noite de fevereiro, terrivelmente fria. Ergueu a gola do casaco surrado. Havia planejado comprar um novo durante as vendas de janeiro, mas Kagome, sua irmã mais nova, quis comprar uma roupa sofisticada para as festas de fim de ano e Rin concordou em protelar a compra do seu novo casaco até o próximo outono.
Rin era professora, trabalhava no Departamento da Infância da Escola Primária Alderman Evans, num subúrbio de Londres, onde passara a maior parte de sua vida.
Lecionava numa classe de quase quarenta alunos, de seis anos de idade. As mães das crianças diziam que não sabia como ela conseguia dominar aquela garotada barulhenta.
Mas Rin não achava difícil trabalhar com as crianças. Era a teimosia de sua irmã de vinte anos que enchia a sua paciência e lhe tirava o sono.
Caminhando para casa — a grande e feia vila Montrose de estilo gótico vitoriano, construída pelo seu bisavô Hirugashi — pensou no problema de Kagome.
Se pelo menos Kagome se apaixonasse por um bom rapaz, de situação definida.. . Mas no momento, tudo o que ela fazia era deixar de lado excelentes rapazes de situações definidas e procurar exatamente o oposto. O pesadelo de Rin era que, se a irmã continuasse a levar essa vida, terminaria se estragando. Mas como convencê-la a uma mudança de rumo? Qualquer tentativa de mudá-la a tornava mais radical.
Ao chegar ao portão de Montrose, ficou alarmada ao ver um luxuoso carro estacionado na entrada. De dois anos para cá, a casa Montrose estava dividida em dois apartamentos.
Os inquilinos do apartamento superior eram um casal, Miroku e Sango Sanders. Rin sempre os visitava. Tinham um filhinho de três anos e Sango esperava uma segunda criança. Ela sabia que aquele carro não tinha nada a ver com os vizinhos e imaginou que o seu dono poderia ser um dos cortejadores de Kagome.
Entrou em casa pela porta dos fundos, tirou o casaco e pendurouo. Em seguida, tremendo de frio, foi até a cozinha e colocou a chaleira no fogo, para fazer um café.
Dirigiu-se para a sala na expectativa de encontrar sua irmã e o visitante dono do carro. Mas tudo era silêncio. Pasmada, caminhou até o pé da escada que conduzia à parte superior da casa. Um sobretudo de homem estava jogado descuidadamente sobre o corrimão. Foi para a sala de visitas e viu sobre a mesa um par de luvas. Não ouvia nenhum som de conversa ou de música. Geralmente a primeira coisa que sua irmã fazia ao chegar em casa era ligar o rádio ou colocar um disco na vitrola. Entretanto, mesmo achando estranho que Kagome e o companheiro desconhecido não estivessem conversando, Rin não estava preparada para a cena que viu quando abriu a porta da sala de visitas.
A única luz do ambiente era a do aquecedor elétrico. Kagome estava sentada no canapé, mas tudo o que se podia ver dela era um par de longas pernas delgadas e um pedaço da saia. O resto do seu corpo estava bloqueado pelo corpo do homem curvado sobre ela, beijando-a.
A reação imediata de Rin foi a de uma pessoa que involuntariamente se intromete na intimidade de duas outras fechadas num abraço ardente. Por instinto, quis se retirar sem ser notada. Mas esse reflexo foi imediatamente substituído por um impulso de fúria contra a loucura de Kagome em entregar-se às carícias daquele desconhecido.
Rin tinha certeza de que se tratava de alguém que a irmã havia acabado de conhecer, porque há quinze dias atrás ela estava envolvida com Kouga. Antes que pudesse pensar em algo a dizer, o homem se recompôs e Kagome pôde vê-la.
— Rin! — com um grito que era uma mistura de choque e medo, Kagome libertou-se do abraço e pôs-se de pé. — Oh! Você me assustou! Por que voltou tão cedo? Pensei que não voltasse antes das onze.
Rin não respondeu e esticou a mão para acender a luz. Deu uma olhada rápida pelos cabelos desalinhados da irmã e pelos lábios borrados de batom. Em seguida, esperando que ele percebesse a hostilidade nos seus olhos, dirigiu-se ao homem.
Ele também já havia se erguido, mas parecia não mostrar o mesmo descontrole de Kagome. Ajeitando displicentemente a gravata, retribuiu o olhar gélido de Rin, com muita calma.
Essa atitude aumentou o antagonismo de Rin. Qualquer homem decente deveria sentir-se embaraçado naquela situação, mas ele não só não se sentiu embaraçado, como teve a audácia de caminhar na sua direção, estendendo-lhe a mão e dizendo prazerosamente:
— Sou Sesshomaru Taisho. Como vai você?
— Boa noite — respondeu ela friamente, ignorando a mão estendida. Depois, dirigiu-se a Kagome: — Acabei de pôr a chaleira no fogo. Vá preparar um café, por favor.
Em circunstâncias normais Kagome teria se recusado a obedecer, mandando que a própria Rin o fizesse. Pela primeira vez, ela obedeceu meigamente. Rin e Sesshomaru Taisho ficaram sozinhos na sala.
— Você parece congelada — disse ele sorrindo. — Aproxime-se do aquecedor e esquente-se. Está um frio intenso esta noite, não acha?
Por mais que desejasse aquecer as mãos e os pés gelados, ela não se aproximou e não ia permitir que ele a desarmasse com palavras afáveis.
— Sim — disse rispidamente, sentando-se numa cadeira de espaldar alto.
Ele aproximou o aquecedor dela, depois aprumou-se e olhou ao redor da sala. Evidentemente, era a primeira vez que notava o ambiente em que se achava.
— Vocês têm uma bela peça ali — disse Sesshomaru, cruzando a sala para examinar a estante francesa contra a parede.
Era a única peça de mobília na casa que tinha algum valor e Rin tinha um cuidado particular com o objeto. Ficou um tanto surpresa por ele ter o discernimento de reconhecer prontamente o valor da peça e passou a observá-lo melhor. Não era um homem alto, nem de bela aparência. Surpreendeu-se que Kagome se permitisse ser beijada por ele. A despeito do sobrenome, ele sem dúvida devia ter uma forte mistura de sangue estrangeiro nas veias. Jamais um cidadão inglês teria aqueles cabelos grossos, aquele nariz volumoso, as maçãs do rosto salientes. No todo, ele tinha um aspecto feio.
Em seguida ele se voltou e caminhou de novo na sua direção, sorrindo um pouco, como se a sua antipatia o divertisse. Ao encontrarlhe os olhos dourados e brilhantes, Rin concluiu, assustada, que havia algo nele muito mais poderoso do que mera simpatia. Ela não sabia defini-lo precisamente, mas sentia-se como o calor do aquecedor elétrico. De repente teve medo, porque sabia que, se quisesse, esse estranho poderia ser o instrumento da infelicidade de Kagome.
— Você e sua irmã não são parecidas, nem um pouco — observou ele depois de alguns instantes de silêncio.
— Somos irmãs apenas, por parte de pai. Minha mãe morreu quando nasci. A mãe de Kagome foi a segunda esposa de meu pai.
Ela nunca pôde entender porque seu pai se casou com uma criatura tão superficial. Era difícil conceber um casal tão mal ajustado e, tanto quanto ela podia se lembrar, eles tornaram a própria vida insuportável. Motivo pelo qual seu pai se ausentava de casa por longos períodos.
— Há quanto tempo conhece minha irmã, sr. Taisho? — perguntou ela.
— Encontramo-nos a semana passada, em Maybury. — Maybury era o hotel em que Kagome trabalhava como florista. — Eu estava esperando alguém na sala de espera e ela estava trocando as flores.
— Em outras palavras, o senhor a apanhou. — Rin disse bruscamente.
As linhas dos olhos dele se enrugaram. Era difícil julgar-lhe a idade mas, sem dúvida, tinha mais de trinta anos.
— Sim, de certo modo você poderia dizer que eu a apanhei concordou ele. — Mas a vida seria muito desagradável se a gente nunca falasse com outra pessoa sem apresentação formal, você não acha? — Antes que ela pudesse responder, perguntou: — Em que você trabalha, senhorita Gresbam?
— Sou professora — disse ela afetadamente. — E você?
— Fabrico recipientes. Principalmente para aerosóis. É possível que você tenha algum aqui em sua casa. Talvez o seu spray para cabelo ou o lustrador de móveis.
— Ah! — Rin tentava imaginar se ele realmente era dono do negócio ou se tinha apenas um cargo de diretoria e passava a maior parte do tempo desperdiçando os lucros em carros imponentes e conquistando garotas como Kagome.
Sua irmã voltou com o café e ela se levantou para pegar a bandeja de sua mão. Kagome tinha arrumado o cabelo, retocado a maquilagem e o vestido.
— Vamos a uma festa depois do teatro — disse ela a Rin, com um olhar que desafiava objeções.
Rin mordeu o lábio. Não podia proibir que Kagome saísse com ele, como um pai ou uma mãe o fariam. Menos Abbe Higurashi — a mãe de Kagome — ela inclusive a encorajaria.
Fora ela quem dera a Kagome aqueles valores distorcidos. Contudo, Rin se sentia agora tão responsável como uma mãe.
Inesperadamente, Sesshomaru Taisho disse:
— Você não gostaria de ir conosco, senhorita Hirugashi?
— Oh! Rin detesta festas e encontro com pessoas — disse Kagome. — Onde está o digníssimo Kohaku esta noite? — perguntou ela à irmã.
— Está com um começo de resfriado, por isso foi mais cedo para casa.
Kagome fez uma pequena careta. Ela não tolerava Kohaku Fisher e não podia compreender a amizade de Rin por ele. No fundo, a própria Rin o achava um tanto estabanado e sem imaginação. Mas tinham algumas coisas em comum. Ele também era professor, e ela achava que era melhor ter uma metade do que nenhum pão! Todas as sexta-feiras iam ao cinema juntos e jantavam num restaurante chinês local.
— Então é por isso que você veio cedo para casa. Estou certa de que você não iria ao Soo Chaw sozinha, com receio de que alguém tentasse agarrá-la — disse Kagome com malícia.
Rin enrubesceu e ignorou a observação. Ela sabia que era um hábito ridículo e fora de moda, mas não gostava de comer fora à noite, sem a companhia de alguém. O que tornava os seus escrúpulos ainda mais absurdos era que ela não era o tipo de moça que os homens tentavam paquerar. Entretanto, ir a um restaurante sozinha teria sido para ela mais um sacrifício do que um prazer.
— Eu nunca poderia imaginar que você fosse uma pessoa tímida, senhorita Hirugashi — disse Sesshomaru Taisho, enquanto ela lhe passava uma xícara de café. Seus olhos emitiam uma chispa de ironia. Você me parece formidável.
— Não sou tímida — disse ela, afastando os olhos. — Sou apenas uma pessoa antiquada. Acredito nos costumes estabelecidos. A maioria deles é simplesmente senso comum.
Onde é essa festa em que vocês vão? São seus amigos, Kagome, ou do senhor Taisho?
— Pelo amor de Deus, Rin, não sou uma criança — disse Kagome, com um lampejo de cólera. Realmente, no seu vestido sofisticado, com o rosto maquilado um tanto pesadamente, ela parecia mais velha do que era e bem capaz de tomar conta de si.
Sesshomaru Taisho riu e esticou a mão à procura da sua.
— Você não me disse que tinha uma irmã guardiã, Kagome. Pensei que você fosse dona de si, — Ele se voltou para Rin. — Os amigos são meus, senhorita Hirugashi, e pode crer que são pessoas bastante respeitáveis. A festa não se transformará numa orgia. Para dissipar quaisquer outras dúvidas, fique certa de que não sou casado e nunca bebo quando dirijo. E pode ficar sossegada, que sua irmã voltará para casa inteirinha. Se com tudo isso, não confiar em mim, insisto em que nos faça companhia.
Por um momento Rin sentiu-se tentada a desafiar-lhe a fanfarronice. Tinha certeza de que tudo não passava realmente de uma exibição. Mas concluiu que, se os acompanhasse à festa, as coisas provavelmente se tornariam piores. Kagome ficaria tão furiosa que talvez concretizasse suas ameaças de deixar Montrose, passando a morar sozinha. Era uma ameaça que jogava contra Rin, toda vez que tinham um desentendimento. Desta vez ela poderia levá-la a sério. Não que fosse capaz de manter sua independência por muito tempo: era uma incurável extravagante e não tinha nenhuma ideia de como controlar o que ganhava. Portanto, se ela deixasse a casa, ainda que por poucas semanas, isso poderia precipitar o último ato de loucura que Rin sempre temera e esperava evitar.
— Não acho que seja necessário que eu os acompanhe, sr. Taisho. Apenas peço que, quando trouxer Kagome de volta, não façam barulho. Tenho inquilinos que moram em cima. A sra. Sanders está esperando bebé e não tem dormido bem. Seria uma pena que o seu carro a incomodasse desnecessariamente.
— Não se preocupe. Não a incomodaremos. — Olhou para o seu relógio. — É melhor a gente ir, Kagome. Boa noite, senhorita Hirugashi. Espero vê-la novamente — disse Sesshomaru reclinando a cabeça e com aquele brilhante humor nos olhos, Taisho pegou Kagome pelo braço e partiram.
Depois que o carro desapareceu, Rin recolheu as xícaras e desligou o aquecedor. Ao atravessar o hall para levar a bandeja para a cozinha Sango Sanders disse-lhe do patamar:
— Você vai se deitar ou está se sentindo desolada?
— Oi! Como vão as coisas? vou apenas colocar estas xícaras na cozinha e já subirei.
— Miroku já foi se deitar, mas eu fiquei para terminar este casaquinho — disse Sango, erguendo uma pequenina peça de roupa, quando Rin entrou em sua sala de estar.
Ela sorriu. — Além disso estou morrendo de curiosidade para saber a respeito do último caso de Kagome. Que carrão! Como é o dono daquele carro? Quando encostou, olhamos pela janela pensando que fosse uma visita para nós. Mas logo vimos Kagome saindo. E não deu nem para ver a cabeça do seu namorado.
Rin sentou-se perto do aquecedor.
— Oh! Sango, o que posso fazer com essa garota? — disse ela, desesperada. — Acaba de sair para uma festa, com um homem que tem a palavra "lobo" escrita pelo corpo todo. Quando entrei em casa, encontrei-os na sala de estar se beijando. Ela o conheceu há apenas uma semana. Ele a conheceu no Maybury. Não sabe nada a respeito dele.
Sango achava que Kagome era um caso perdido e que Rin era muito complacente para com ela. Era o cúmulo do absurdo que Kagome não erguesse um dedo para ajudar na manutenção do apartamento em que moravam. Era Rin quem tinha de fazer tudo, desde a limpeza até o cuidado com o jardim, no fundo. Kagome tratava sua casa como se fosse um hotel e Rin como uma serviçal. Cada centavo que ganhava, gastava consigo. Quando esbanjava todo o seu ordenado, caía como uma esponja sobre o dinheiro da irmã. A pobre Rin mal tinha algumas roupas surradas para vestir. Entretanto, para um bom observador, Rin não era menos atraente do que Kagome. Seu problema era que vivia sempre cansada e preocupada. Mas quando estava descansada, quando seus olhos castanhos se acendiam com prazer, quando mostrava seus lindos dentes naqueles sorrisos raros e radiantes, era linda, pensou Sango.
— Você se preocupa muito com ela, minha querida? — perguntou Sango. — Afinal, ela está com quase vinte anos agora. Se ela quer complicar sua vida, é exclusivamente responsabilidade dela e não sua.
— Sim, também acho! — concordou Rin, com um suspiro. Mas ela é tão confusa, Sango. Ela acha que roupas, festas e bater pernas são as coisas mais importantes na vida.
— Talvez sejam, para ela. As pessoas são diferentes e é uma perda de tempo a gente tentar impor as nossas ideias aos outros. Você não vai conseguir mudar a natureza do Kagome, Rin. Ela nunca vai ser como você. Nem daqui a um milhão de anos.
— Não desejo que ela seja como eu. Quero apenas que seja feliz.
— E a sua própria felicidade? Isso não é também muito importante?
— Mas eu sou feliz — disse Rin rapidamente. Sango olhou cética.
— É?
— É claro que sou! Por que não haveria de ser? Gosto do meu trabalho e acho que sou eficiente nele. Tenho uns poucos amigos. Espero me casar um dia. Que mais poderei desejar?
Sango decidiu falar com franqueza. Havia dois anos que ela e o marido moravam em Montrose. Durante os primeiros seis meses, a sra. Hirugashi ainda era viva. Assim Sango pôde ver o tanto que a sra. Abbe Hirugashi tratava mal a sua enteada. Ela não era deliberadamente má, mas fazia uso de Rin sen dar nada como retribuição.
Todo o seu interesse fora dedicado a Kagome. Rin sempre fora tratada como uma empregada.
Agora Kagome andava importunando o bom temperamento da irmã, muito mais impiedosamente do que havia feito a sra. Hirugashi. E já que Kagome não mostrava nenhuma possibilidade de mudança, parecia a Sango que a única solução seria que Rin mudasse.
— Você pode não se achar infeliz, mas também não está longe disso — disse ela francamente. — Olhe, por que não viaja para o exterior? Sei que sempre quis viajar.
Porque não aproveita o próximo verão e tira algumas semanas de férias? Poderia viajar por muitos lugares sem gastar muito.
— Oh! Sango, como posso viajar? Não posso deixar Kagome aqui sozinha. Você sabe como ela é péssima na cozinha, além de não fazer qualquer tipo de limpeza.
— Bem, sei que o apartamento estaria uma bagunça quando você voltasse, mas que importa? E no que se refere as refeições, ela poderia tomar o café da manhã e as refeições do fim de semana conosco. E faríamos o possível para deixá-la se entregar a essas festas loucas ou fazer qualquer coisa errada — disse Sango persuasivamente.
Mas ela já sabia qual seria a resposta de Rin.
— É muita amabilidade de sua parte, Sango. Mas eu não poderia, de jeito nenhum, me dar ao luxo de girar pela Europa, deixando você com uma criança recém-nascida e Kagome para cuidar. Você teria uma crise nervosa.
— Então, por que não vão as duas? Kagome não fez nenhum plano, fez? Você realmente precisa ter umas férias verdadeiras este ano, minha querida. Isso lhe faria muito bem.
— Kagome só concordaria em viajar comigo, se fôssemos para algum lugar elegante e caro e se tivesse muitas roupas novas para usar disse ela desanimadamente. – Ela nunca aceitaria ficar numa pensão barata.
— Bem, já é tempo de voce começar a pensar em se ajustar aos outros — comentou Sango, já sabendo que uma viagem ao exterior, com Kagome, não seria divertimento para Rin.
O dia seguinte era sábado e Kagome ficou na cama até as onze horas. Quando se levantou, Rin já havia feito as compras do fim de semana, passado as roupas, polido o assoalho e terminado o almoço. Estava tirando uns minutos de descanso, quando Kagome entrou na cozinha.
— Você se divertiu na festa? — perguntou Rin, levantando-se para colocar a chaleira no fogo.
— Não estava má — disse Kagome, erguendo os ombros. — Era uma supercasa e havia muitas roupas lindas. Mas as pessoas eram todas mais ou menos idosas e sem entusiasmo.
— O senhor Taisho não é exatamente um jovem.
Kagome foi à geladeira buscar o suco de limão que tomava todas as manhãs para manter a forma física. Embora fosse descuidada em outros aspectos, nunca se esquecia dos seus regimes de beleza.
— Não me importo se os homens são mais velhos do que eu — disse ela imediatamente, estremecendo com o azedume do suco. O que me irrita são as mulheres idosas. Havia uma mulher, trajando um rico vestido preto. Mas tinha o rosto parecido com um bolo e grandes braços flácidos, uma coisa horrível. Não é de se espantar que os maridos percam o interesse por elas!
— Uma boa aparência não é tudo — disse Rin. — A maioria das pessoas engordam, quando envelhece, inclusive os homens.
— Acho horríveis as pessoas gordas — disse Kagome, com desdém. Acho que deveriam fazer regime e exercícios. Não vou nunca perder minha boa aparência.
Havia momentos em que sua intolerância pelas imperfeições físicas das pessoas exasperava tanto Rin, que ela desejava dar-lhe uns safanões. Mas limitava-se sempre a dizer: "Você tem-sorte em poder comer tudo que gosta, e não engordar".
Kagome sentou-se na beira da mesa da cozinha e acendeu um cigarro.
— Você não vai querer fazer um discurso para mim, a respeito de Sesshy? — perguntou ela com uma olhadela desafiante.
A chaleira começou a assobiar. Rin desligou o gás, e preparou duas xícaras de café.
— Adiantaria?
— Não, não adiantaria. E na próxima vez que você se comportar como fez ontem, deixo esta droga de casa e vou arranjar um lugar decente para morar. Estou cheia de ser tratada como criança!
— Você já disse antes.
— Mas agora falo seriamente. Que direito você tem de me ditar ordens? É apenas três anos mais velha do que eu, e vive pegando no meu pé, como uma velha tia solteirona.
— Oh! Kagome, isso não é verdade! Nunca lhe ditei ordens. E se às vezes tento corriji-la é porque não desejo vê-la infeliz.
— Não se preocupe. Sou capaz de cuidar de mim.
— Isso é o que Yura pensava. Veja o que lhe aconteceu — disse Rin, lembrando-a de uma garota que morou na mesma rua, próximo de sua casa.
— Yura foi uma tola — retrucou Kagome. — Ela se apaixonou. Eu nunca cairei nesse erro.
Rin encarou-a, espantada pelo seu tom de convicção.
— Além do mais, acho que Sesshomaru é exatamente o homem que estou procurando — continuou Kagome, pensativa. Deu uma olhada no relógio da cozinha e pôs-se de pé. – Por falar nisso, não almoçarei em casa. Sesshomaru vem me buscar ao meio-dia e iremos ao Hind s Head, em Bray.
Ela saiu da cozinha e foi se aprontar.
Depois de almoçar sozinha, Rin acendeu a lareira no estúdio. Era ali que sempre passava as tardes de sábado no inverno. Às vezes lia, ou costurava. Ajeitava-se sobre o grande sofá de couro e lembrava outras tardes de sábado de há muito tempo, quando seu pai se sentava ao seu lado, contando-lhe a respeito de todos os lugares que conhecera. Mioga Hirugashi fora jornalista. Tornou-se famoso como correspondente de guerra e depois percorreu o mundo em viagens especiais. Encantou-se com as ilhas gregas. Era seu plano, quando Rin terminasse a escola, deixar de ser jornalista e voltar para as ilhas. Estava cansado da vida agitada da imprensa e desejava escrever livros. Mas quando Rin tinha dezessete anos, Mioga morreu num acidente. Foi uma ironia da sorte que, tendo escapado de todos os perigos de guerra sem um arranhão, ele fosse encontrar a morte num desastre de carro, entre o aeroporto de Londres e sua casa.
Entretanto, naquela tarde não era em seu pai que Rin pensava. O problema de Kagome parecia bem mais urgente.
Será que ela tinha falado a sério? Seria verdade que desejava se casar não com um homem, mas com um modo de vida? De uma coisa Rin estava certa: embora tivesse visto Sesshomaru Taisho apenas uma vez, era capaz de apostar um ano de salário que ele absolutamente não pensava em casamento. Ele estava apenas se divertindo.
As quatro horas ela pôs mais carvão no fogo e fez chá e torradas. Já escurecia, por isso puxou a cortina de veludo e sentou-se de novo, observando a claridade da labareda bruxuleando sobre os volumes encadernados em couro, ao longo de toda a parede. Como não havia dormindo bem na noite anterior, decidiu tirar uma soneca.
Devia ter dormido por um longo tempo pois, quando acordou, o fogo estava morrendo de novo. Espreguiçou e sentou-se, esfregando os olhos.
— Boa noite — disse uma voz no escuro. — Rin tomou um susto.
— Desculpe-me, não tive intenção de assustá-la — disse Sesshomaru, acendendo a lâmpada sobre a mesa, ao lado da cadeira em que estava sentado e atirando a ponta do cigarro no fogo.
Por um instante Rin mal pode acreditar em seus olhos.
— Que está fazendo aqui? — perguntou.
— Kagome veio para casa para trocar de roupa. Pediu-me que a esperasse aqui. A senhorita estava dormindo tão pacificamente que me pareceu uma pena incomodá-la — explicou ele, sorrindo. Em seguida, como se fosse um velho amigo da família, levantou-se para reavivar o fogo.
Rin puxou a saia e alisou os cabelos em desalinho. Olhando o relógio, viu que já eram sete horas. Dormira por mais de duas horas. Por quanto tempo aquele homem a estivera observando, enquanto dormia?
Como se adivinhasse o que ela estava pensando, ele disse:
— Não se preocupe, você não estava de boca aberta, nem roncando. Moveu-se apenas uma ou duas vezes. Estava sonhando?
— Não. . . não me lembro — disse ela bruscamente. — A que horas o senhor e Kagome chegaram?
— Há vinte minutos, mais ou menos. Esta sala é muito agradável. Posso dar uma olhada nos seus livros?
— À vontade.
Dirigindo-se para as estantes de livros, Taisho notou uma aquarela em cima da lareira.
— De onde veio isso?
— Pertencia a meu pai. É um quadro do porto, em Hydra, uma das ilhas da Grécia.
— Sim, reconheço o lugar.
— O senhor já esteve em Hydra? — Um interesse espontâneo iluminou-lhe o rosto.
— Muitas vezes. A senhorita já esteve lá?
— Eu deveria ter ido, se meu pai não tivesse morrido num acidente. Ele gostava tanto das ilhas gregas que estava planejando viver lá.
— Ele gostava também dos gregos? — perguntou ele com perspicácia.
— Sim, muito. Por quê? O senhor não gosta? Seus olhos dourados brilharam com divertimento.
— Eu sou meio grego, senhorita Hirugashi. — Sorriu e tocou o nariz. — Herdei isso do meu avô, Taisho. Não vai me dizer que este meu belo nariz escapou à sua observação.
— Eu achei mesmo que o senhor não era inteiramente inglês.
— Sou quase inteiramente grego — respondeu ele, um tanto secamente. Fui criado como um cidadão inglês mas, no fundo, nos meus instintos, continuo sendo grego. Isso alivia ou aumenta os seus escrúpulos?
— Não sei o que o senhor quer dizer.
— A senhorita não me aprecia, não é verdade?
— Conheço-o tão pouco, senhor Taisho.
— A senhorita não me aprecia. — repetiu ele. Desta vez não era uma pergunta, mas uma afirmação.
Rin começou a ferver de raiva. Geralmente era preciso muita provocação para incomodá-la. Mas a simples presença daquele homem já a aborrecia.
— Há alguma razão por que eu não deva gostar do senhor?
Ele havia tirado um livro da prateleira e ia abri-lo. Sem encará-la, disse displicentemente.
— Não. . . mas eu gostaria de saber por que a senhorita parece ter tomado imediata e poderosa aversão por mim.
Ela enrubesceu.
— O senhor não é nenhum ignorante, sr. Taisho. Deve saber por quê.
— A senhorita não pode trazer sua irmã num cabresto, para sempre. Se ela não aprendeu a usar a cabeça até agora, é improvável que venha a fazê-lo daqui por diante.
Rin ergueu o queixo e fitou-o com olhos fuzilantes.
— Se o senhor tivesse uma irmã de vinte anos, aprovaria... aprovaria o seu relacionamento com um homem da sua idade?
— Dependeria do homem — respondeu ele. — Mas eu não seria tão imprudente a ponto de demonstrar a minha desaprovação, senhorita Hirugashi. Isso agravaria o problema.
— O senhor toYura alguma providência, não?
— Não antes de ter alguma razão para acreditar que o homem fosse um refinado canalha. É essa a sua visão de meu caráter? Eu posso não ser nenhum Adónis. Mas será que tenho cara de lobo?
— O senhor não pode esperar que eu o considere um homem digno de confiança.
— Por que não?
— O senhor mesmo me disse que conheceu Kagome há apenas uma semana. Ontem à noite... — Ela se interrompeu, ruborizada.
— Ontem à noite eu a beijei. A senhorita Hirugashi desaprova o beijo?
— Sim, quando não significa nada.
— Que poderia significar o beijo? — perguntou Sesshomaru com ironia.
— Duvido que o senhor compreendesse, caso eu lhe dissesse, senhor Taisho. Acho que não falamos a mesma linguagem.
— Provavelmente não. Mas acho que Kagome e eu nos entendemos perfeitamente — disse ele indiferentemente.
— Kagome finge ter conhecimento do mundo, mas não tem. Por que não a deixa em paz? — disse ela, exasperada.
— Isso não soaria como um gesto grosseiro, quando já a convidei para jantar comigo? — Tirou o maço de cigarros e fez menção de oferecer-lhe. Mas antes que ela sacudisse a mão, recusando, ele recuou, dizendo: — Oh! esqueci-me. A senhorita não tem vícios.
Rin sentiu então que se ficasse com ele mais tempo a cólera poderia tomar conta dela. Já havia conduzido mal a conversa. Em vez de desestimulá-lo, ela o havia encorajado a prosseguir com Kagome com muito mais ímpeto.
Pegando a chaleira, colocou-a na bandeja. Sesshomaru Taisho adiantouse para abrir-lhe a porta. Segurando a maçaneta de modo que ela não pudesse escapar a não ser quando ele permitisse, ele disse:
— Sabe, senhorita Hirugashi, uma das coisas curiosas na natureza humana é que a maioria das pessoas que gostam de censurar são exatamente as que têm alguma fraqueza oculta. A senhorita parece muito ansiosa por proteger sua irmã contra os perigos que assediam as garotas lindas. Será que não tem inveja das oportunidades que sua irmã tem? Claro, vai negá-lo. Mas continuo imaginando que, no fundo, gostaria de ser beijada por alguém pouco digno de confiança.
Se não estivesse segurando a bandeja, Rin não teria contido o ímpeto de dar-lhe umas bofetadas no rosto. Ficou tremendo de raiva, enquanto ele, com um sorriso sarcástico, abriu-lhe a porta.
Dez minutos depois Kagome entrou na cozinha:
— Não sei a que horas estarei de volta. Por isso não fique esperando por mim, fora da cama. Talvez seja bom subir para assistir tevê com os Sanders.
— É possível — disse Rin secamente.
— Estou bem? — perguntou Kagome.
Rin fitou-a e não pôde deixar de reconhecer que a irmã estava tão encantadora que causava prazer olhar para ela.
— Eu gostaria de ter um agasalho de pele, em vez desta coisa — disse Kagome, vestindo o casaco. — Vamos até o apartamento de Sesshomaru, depois vamos jantar no Hilton.
— Você vai ao seu apartamento? Oh, Kagome! — começou Rin.
— Não comece — cortou Kagome. — Ele tem que trocar de roupa, não tem?
— Mas você não precisa entrar no apartamento dele, precisa? Você não pode esperá-lo no carro?
— Não seja tão antiquada! É claro que vou entrar com ele. Quero saber como é o apartamento. Mas você não precisa se preocupar. Não vou permitir que ele me leve para lá de novo, depois do jantar. Não sou nenhuma tola. Ele encomendou uma mesa no Hilton. Além do mais, ele tem uma empregada. Portanto, posso gritar por socorro, se tentar algo contra mim.
Rin não se convenceu.
— A empregada pode não morar lá. É possível que não esteja lá. à noite.
— Tenha a santa paciência Rin! Como você é antiquada! Mamãe nunca foi exigente assim. Ela tinha a mente muito mais arejada e moderna. De qualquer maneira, não tenho tempo para discussões. Sesshomaru está esperando. Até amanhã.
Tchau! — Saiu correndo, deixando a leve fragância de perfume atrás de si.
Lá pelas oito horas Miroku Sanders desceu e bateu na porta do estúdio. Depois da aquiescência de Rin, postou-se sob a entrada.
— Você vai subir para assistir algum programa, Rin?
— Não estou a fim esta noite, obrigada.
— Não quer subir mesmo? Vai haver um bom show mais tarde. Além disso, compramos salame e cebolinhas em conserva — disse ele sorrindo.
Rin sorriu de volta. Mas, sem entender por que, começou de repente a chorar.
— Não, nem os salgadinhos me tentam esta noite.
— Então nos vemos amanhã. Boa noite, Rin.
— Boa noite.
Depois que Miroku saiu, ela se deitou de novo no sofá e cobriu o rosto com as mãos. Uma vez, quando Sango estava com um pequeno problema, vira Miroku colocar o braço em volta do seu corpo, confortando-a. Vira-o acariciar-lhe os cabelos, dizendo: "Acalme-se, amor. Isso não é o fim do mundo."
Sozinha, lembrando aquele gesto de ternura, Rin desejou ter alguém que a reconfortasse daquela maneira nos seus momentos de solidão. Ela nunca havia se sentido tão solitária em sua vida.
Na manhã seguinte, antes de começar o almoço, Rin foi até o quarto de Kagome perguntar se ela estaria em casa para o almoço.
— Sim, não irei a parte alguma hoje — disse ela, sentando-se na cama. — Sei que você vai ficar contente em saber que não verei Sesshomaru durante algum tempo. Ele vai a Nova Iorque por quinze dias. É um peso a menos em sua cabeça, não é?
Realmente era. Mas Rin limitou-se a dizer:
— E você, vai ficar na cama?
— Não tenho nada a fazer. Por isso, acho que vou ficar um pouco mais aqui. Você poderia trazer-me uma xícara de café, se não estiver muito ocupada?
Durante a semana seguinte, Kagome ficou em casa todas as noites. Rin não sabia o que pensar. Sentia-se satisfeita com a companhia da irmã, mas ao mesmo tempo era invadida por um inquietante sentimento de que aquela era uma calYura antes da tempestade. Kagome não fez mais nenhuma referência a Sesshy, como ela o chamava, mas isso em si era suspeito. Ela se sentava, com um sorriso nos lábios, como alguém que estivesse tramando alguma coisa, pensava Rin desesperada. Na segunda-feira Kagome voltou para casa bastante mal-humorada.
— Por que não podemos ter uma tevê como todo mundo? perguntou depois do jantar.
— Eu, particularmente, não desejo uma. Prefiro ler. Mas você pode comprar um televisor, se estiver em condições de pagá-lo disse Rin, meigamente.
— Por que tenho que ser eu a pagár-lo? Aposto que você também assistiria a programas, se tivéssemos uma — disse Kagome, petulante.
— Não sei por que você sempre age como se mal pudesse se manter. Dou-lhe boa parte do meu ordenado por semana. Há ainda o aluguel dos Sanders e o seu próprio salário.
Não podemos ter dificuldades financeiras. Não temos de pagar nenhum aluguel.
— Você se esquece dos impostos — disse Rin. — E este ano temos de mandar pintar a frente da casa. Só Deus sabe quanto isso vai custar. Há toda uma série de despesas em que você nunca pensa.
— Não sei por que continuamos a viver aqui. Por que não vendemos esta casa e vamos morar num apartamento moderno? Detesto este lugar horrível.
— Eu também gostaria de morar num lugar moderno, mas acho que estaremos melhor financeiramente ficando aqui, até que uma de nós se case.
— Estou surpresa que o digníssimo Kohaku não tenha ainda se manifestado. Possivelmente é isso que ele tem na cabeça — disse Kagome com maldade.
— Não diga bobagem. Não é nada disso. Kohaku e eu somos apenas amigos.
— Bem, nesse caso, você não acha melhor começar a sair mais de casa? Você nunca se casará, se não se encontrar com os homens. Ou você espera que a qualquer momento algum bonitão entre em sua vida e, apenas num trocar de olhos, vocês acabem se ajustando e sendo felizes para o resto da vida?
Rin enrubesceu.
— Posso ter quase vinte e quatro anos, mas não sinto necessidade de me apavorar ainda.
Entretanto, naquela noite, quando se sentou na cama para ler um livro, as palavras da irmã lhe voltaram à lembrança. Embora vinte e quatro anos não fosse uma idade avançada, não era mais tempo de viver acalentando a espécie de sonhos que tinha. No que disse, Kagome chegou bem perto da verdade. Desde que começou a pensar em casamento, Rin sempre acreditou que algum dia, em alguma parte, encontraria um homem que a aYura para sempre. Era somente uma questão de esperar que o destino arranjasse as coisas.
Mas ultimamente, durante esses meses sombrios de inverno, pequenas dúvidas começavam a desgastar-lhe a antiga convicção. Agora, não tinha mais certeza. Como Kagome havia dito, ela nunca encontrara nenhum homem e, a não ser por seus passeios semanais com Kohaku. a última vez que tivera um encontro tinha sido no tempo de colégio.
Naturalmente você vai negá-lo, mas não posso deixar de imaginar que, no fundo, você gostaria de ser beijada por alguém indigno da sua confiança. À medida que as palavras de Sesshomaru Taisho lhe ecoavam na sua mente, Rin afundou o rosto no travesseiro. "Isso não é verdade", pensou furiosa. "Não tenho inveja de Kagome. . .
Não tenho! Se não tenho o meu tipo ideal, prefiro não ter nenhum. Nunca vou aceitar esses beijos vazios".
Terça.. . quarta. . . quinta, a semana ia passando e a apreensão de Rin aumentava. Sesshomaru Taisho regressaria logo de sua viagem dos Estados Unidos ou, durante sua viagem, o seu interesse por Kagome teria se dissipado? — pensou ela, cheia de esperança.
Na sexta-feira ela acordou com uma leve dor na garganta e nos braços. Tomou alguns comprimidos, desejando que fosse sábado, para não ter que ir à escola. Voltou para casa tremendo e espirrando. Acendeu a lareira no estúdio e ligou o fogão para esquentar a comida que havia preparado no dia anterior. Em seguida tomou mais alguns comprimidos e foi para a cama. Às seis e meia, Kagome retornou. Rouca, Rin advertiu-a.
— Não, não entre aqui. Acho que apanhei um resfriado. — Não diga nada a Sango. Ela vai insistir em vir aqui e poderá se contagiar e passar para Miroku e Shipoo. Ficarei boa logo. Preciso apenas ficar uns dias na cama.
Na manhã seguinte sua cabeça latejava tanto que não conseguia movimentá-la. Kagome tomou-lhe a temperatura e em seguida telefonou para o Maybury, dizendo que não podia trabalhar naquele dia.
— Oh! você não precisava ter feito isso — disse Rin francamente, quando ficou sabendo.
Kagome telefonou também para o médico. Ao meio dia ele apareceu e confirmou a suspeita de Rin. Passou uma receita para Kagome levar à farmácia.
— Voltarei na segunda-feira — disse ele. — Até lá provavelmente você já estará melhor. No momento há muitos males como esse por aí, e a pior fase geralmente passa em quarenta e oito horas.
Rin tinha pensado que Kagome ia ficar apavorada, com receio de ser contaminada pela infecção mas, surpreendentemente, ela dedicou todo o seu fim de semana a cuidar da irmã. Durante parte do tempo Rin se sentiu muito fraca para tomar conhecimento do que se passava ao seu redor. Mas, à medida que a febre e a terrível dor de cabeça foram se acalmando, começou a ser tocada pela dedicação e solidariedade de Kagome.
— Você foi supervaliosa neste fim de semana — disse ela agradecida quando, no domingo à noite, Kagome lavava-lhe o rosto e as mãos e penteava-lhe os cabelos.
Kagome sorriu e Rin teve a impressão de que um novo tipo de relacionamento surgia entre elas, um novo sentimento de irmandade que nenhuma delas vinha sentindo há muito tempo.
A gripe tinha afastado de Rin todos os pensamentos sobre Sesshomaru Taisho. Mas Kagome não o havia esquecido. Ela estava no quarto da irmã quando, já tarde naquela noite, o telefone tocou.
A maneira ofegante e excitada como ela correu para atender deixou bem claro que a ausência dele não passara de um simples hiato no relacionamento deles. Na sua pressa,
Kagome deixou a porta do quarto aberta. Por isso Rin ouviu sua conversa.
— Oh! Sesshomaru, você está de volta? Fez boa viagem? — Rin ouviua dizer. Mas de repente ela lhe pediu que esperasse um momento e voltou para fechar a porta do quarto.
E Rin não ouviu mais nada.
A conversa durou mais ou menos quinze minutos e, ao voltar, Kagome não fez nenhuma referência a respeito. Mas havia um brilho nos seus olhos que causou abatimento no espírito de Rin. Estava claro que Sesshomaru não havia perdido o interesse, terminava assim a breve permanência de Kagome ao lado da lareira, às noites.
Como de costume, na segunda-feira pela manhã, Kagome foi trabalhar. Rin permaneceu na cama até às dez horas. Então, visto que sua temperatura voltou ao normal, ela se levantou e foi para o estúdio, que Kagome havia deixado arrumado.
Pouco depois Sango desceu, trazendo leite quente e bolinhos caseiros.
— Oh! você está fora da cama. Não será uma imprudência? Kagome disse que você estava melhor, mas será que você não deveria ficar na cama um pouco mais? — disse ela ansiosamente, ao encontrar Rin na sala de leitura.
— Estou quase boa. Espero voltar ao trabalho na escola amanhã ou quarta-feira.
— Duvido que o médico vá deixá-la trabalhar esta semana. Você parece terrivelmente abatida.
Sango não podia deixar Shipoo lá em cima, sozinho, por mais do que alguns minutos, mas prometeu descer mais tarde. Depois que ela saiu, Rin abriu a bolsa e fitou-se no pequeno espelho da caixinha de pó. Parecia tão pálida e desgastada como se estivesse de cama há várias semanas. Uma onda de depressão tomou conta dela. As lágrimas desceram-lhe e foram molhar a sua camisola de lã desbotada.
Foi nesse instante que alguém bateu à porta. Pensando que fosse Sango, de novo, Rin enxugou as lágrimas, e disse.
— Entre!
Quando Sesshomaru Taisho entrou, ela quis morrer.
— Alo — disse ele sorrindo. — Não toquei a campainha porque quis evitar que você se sacrificasse indo abrir a porta. Posso entrar? Como está se sentindo hoje?
E antes que ela pudesse se compor, ele fechou a porta, colocou alguns pacotes sobre a cadeira mais próxima e começou a tirar o seu sobretudo.
— O que o senhor veio fazer aqui? Kagome está trabalhando gaguejou Rin, ruborizando.
— Sei disso. Vim para vê-la. Soube que você está acamada, com gripe. Na verdade, esperava encontrá-la de cama. — Abriu os pacotes respingados de chuva.
- Frutas... livros e alguns discos. Você tem toca-discos, não tem?
— Kagome tem um — disse ela, confusa.
Ele colocou uma caixa de pêssegos sobre a mesa, ao lado do sofá, em seguida os livros e os discos.
— Eu também apanhei uma gripe antes do Natal. Isso deixa a gente abatido. Há um médico tomando conta de você?
— Sim. . . sim, ele virá aqui hoje — disse ela, ainda confusa. Olhou para as coisas que ele havia trazido.
— Eu... eu realmente não sei o que dizer. Ele sorriu, divertido.
— Posso adivinhar o que você está pensando. Timeo Danaos et dona ferentes.
Ela sabia que era uma expressão latina, mas não entendeu o significado.
— É Eneida, de Virgílio, e quer dizer: "Temo os gregos, mesmo quando oferecem presentes." Tenho razão? Não é isso o que você está pensando?
— Não era, mas agora é — disse ela. Ele riu e sentou-se ao lado dela.
Mão tenho nenhum motivo desonesto, senhorita Hirugashi. Vim porque na última vez que estivemos juntos fui um tanto indelicado com você. Peço-lhe desculpas. Vamos esquecê-lo?
Não era muito fácil manter-se digna numa camisola velha, mas ela disse, o mais calmamente possível:
- Eu já havia esquecido, sr. Taisho.
Então Rin percebeu que, ao trazer-lhe presentes, ele a havia colocado numa posição difícil. Seria rude continuar hostil com ele. Por outro lado, se se mostrasse desarmada pelos presentes, seria igualmente irritante. O lobo a mantinha num beco sem saída. Houve uma pausa. Ela fingiu que não percebia que ele a estava observando dos cabelos aos pés, mostrados através dos seus chinelos.
Era imperdoável que ele a tivesse encontrado naquele estado, pensou furiosamente. É possível que Sesshomaru soubesse que ela estava com aquela aparência e aquele sentimento de confusão, ou talvez as mulheres do seu meio se dessem ao luxo de parecerem elegantes mesmo quando estavam acamadas.
Quando a pausa estava se tornando muito longa, ela olhou para os livros que ele havia trazido. Os de cima pertenciam a uma coleção de gravuras coloridas, que ela havia visto numa livraria algumas semanas atrás. Ao abri-lo ela leu, na primeira página: "Ao querido Sesshomaru, com amor de Francesca".
— O senhor vai com frequência à Grécia, senhor Taisho? perguntou, procurando descobrir quem era Francesca.
— Estou pensando em passar a Páscoa lá. — Ele se inclinou na direção dela e virou as páginas, até encontrar a que procurava. Uma gravura pequena, com caíques pesqueiros ancorados no cais, e um céu azul ensolarado. — Umas férias aqui lhe fariam muito bem
— disse ele, com o rosto quase colado ao seu. — No verão faz muito calor. Mas em abril o clima é perfeito.
— Sim, talvez fosse bom — disse ela, tensamente. Não estava gostando de estar tão próxima dele. Para seu alívio, ele se afastou.
— Tenho que ir-me, agora. Tenho um compromisso para o almoço. Não, não se levante. Já aborreci bastante. Até à vista.
E, antes que ela tivesse tempo de balbuciar uma frase de agradecimento, ele apanhou o sobretudo e partiu. Pouco depois Sango chegou novamente.
— Foi o médico que esteve aqui? Puxa! Que lindos pêssegos! Quem trouxe? Não foi Kohaku Fisher?
Rin explicou.
— Bem — disse Sango, com os olhos arregalados. — O que ele pretende? Você tem alguma ideia? Não vai me dizer que ele está a fim de você agora.
— Oh! Sango. Como você pode imaginar isso? Você não estaria se divertindo se aquele homem desprezível a houvesse encontrado neste estado.
— Não, acho que não, embora o seu estado não seja tão mau assim. Eu tinha a impressão de que ele era realmente um tipo desprezível. Mas, quaisquer que sejam as suas qualidades morais, ele não deixa de ser atraente, não é verdade?
— Atraente? Que quer dizer com isso?
— Bem, se ele não fosse um tipo atraente, você não estaria preocupada com o estado em que ele a encontrou.
Esta observação deixou Rin tão aborrecida que, pela primeira vez desde que se conheceram, ela encarou a amiga com raiva.
— Não tem nada a ver uma coisa com a outra. Eu poderia perfeitamente não dar importância ao julgamento dele sobre a minha aparência. Só que detesto me apresentar mal arrumada diante de estranhos.
Sango notou que Rin estava perturbada pela visita inesperada daquele homem, por isso mudou de assunto.
— Não, é claro que não — disse ela, aliviada. — Bem, vamos pensar no almoço.
Às quatro horas o médico apareceu. Auscultou o peito e as costas de Rin e, fez-lhe perguntas a respeito do seu estado de saúde antes da gripe. Finalmente perguntou-lhe o seu peso. Quando ela o informou, ele disse:
— Hum! Seria bom que tentasse aumentar alguns quilos. Já fez algum plano para um descanso?
Ela negou com a cabeça,
— Quando posso voltar às minhas atividades na escola, doutor?
— Esta semana não — disse ele firmemente. — Se eu fosse você, assim que terminasse o semestre, trataria de sair um pouco. Até lá o tempo já deve estar melhor. Alguns dias na praia lhe farão muito bem. Vocês, professores, são uns felizardos. Podem se desgastar durante os períodos de aulas, mas têm longas férias.
Depois da visita do médico, Rin voltou para a cama. Embora não tivesse feito nada durante todo o dia, sentia-se exausta. Dormiu e só acordou às oito horas da noite.
— Pensei que você estaria fora esta noite — disse, quando notou a presença da irmã.
— Não, não vou sair de casa à noite enquanto você não estiver completamente boa. Quem trouxe esses pêssegos? — indagou Kagome.
Rin os havia deixado no estúdio, sem tocar. Os livros e os discos estavam num armário.
— O sr. Taisho esteve aqui pela manhã. Foi ele quem os trouxe.
— Sesshomaru? — Kagome pareceu surpresa. Depois de um momento ela disse: — Foi uma gentileza da parte dele. Ele demorou aqui?
— Uns dez minutos. Quando você vai vê-lo de novo?
— Não sei ainda. Ele me pediu para telefonar assim que você estiver completamente recuperada.
Rin sentou-se na cama.
— Kagome, aquilo que você me disse, a respeito de casar por dinheiro, não é verdade, é?
— Oh! Rin, não vamos recomeçar toda aquela discussão de novo, tá? Eu estou cansada e você não está bem. Este não é o momento oportuno para esse tipo de coisa.
— Não desejo discutir. Apenas queria saber se você falava sério.
— Falava — respondeu ela, finalmente. — E falo sério a respeito do que disse com relação a Sesshomaru. É pena que ele seja tão exotico, com aqueles cabelos e aquelas marcas no rosto e tenha aquela aparência de estrangeiro.
Mas não é repulsivo e a gente não pode ter tudo. Portanto, se conseguir casar com ele, não deixarei escapar a oportunidade. Não vai ser fácil. Ele não é o tipo casador.
Mas, se eu conseguir segurá-lo pelo ponto fraco, as coisas sairão como eu quero.
Rin não disse nada, mas deitou-se novamente, com os olhos fechados.
— Sinto muito queridinha, mas afinal de contas trata-se da minha vida, e tenho o direito de vivê-la à minha moda, não à sua. Não acredito nessa coisa que chamam amor!
Terminou fevereiro e março começou, fascinante. Mas logo as chuvas e os ventos frios retornaram e o céu voltou a ficar cinzento. Pela primeira vez na sua carreira de professora, Rin ansiava pelo fim do período de aulas. Não podia vencer facilmente o cansaço depois da doença. Ia mais cedo para a cama e mesmo assim acordava cansada no dia seguinte. Passou a tomar mais leite e comer mais ovos e queijo, mas não adiantava. Ela parecia não ter esperança de nada. Mesmo quando chegasse o verão, talvez tudo estivesse ainda úmido e cinzento, pensava com pessimismo.
Kagome estava se encontrando com Sesshomaru Taisho uma ou duas vezes por semana. Rin não sabia se era a irmã ou o grego quem estava controlando o relacionamento. Mas tudo que ela podia fazer era deixar de se preocupar com aquela situação.
Finalmente, numa manhã, Kagome soltou uma espécie de bomba que a despertou de sua letargia. Ela poderia ter imaginado que havia alguma coisa no ar, quando chegou na cozinha e já encontrou a irmã ali.
— Você por aqui tão cedo! — disse Rin surpresa, pois, após um encontro com Sesshomaru, Kagome geralmente se levantava tarde no dia seguinte.
— Sim. Não consegui dormir. Estava muito excitada.
— Excitada? — Rin sentiu um impulso de alarma. — Certamente ele não lhe pediu. . .
— Em casamento? Não, ainda não — cortou a irmã. — Mas ele fez outra sugestão. — Diante da expressão no rosto de Rin, ela explodiu numa gargalhada. — Não foi uma sugestão imprópria, minha querida. Acho que nessas alturas ele sabe que isso não adiantaria.
— Que foi, então? — indagou Rin admirada.
— Quer que eu vá à Grécia, na Páscoa.
Por alguns segundos Rin não disse nada. Depois. . .
— Kagome, não vá. Pelo amor de Deus, não vá. A irmã mais jovem riu de novo.
— Foi isso mesmo que Sesshomaru disse que você iria falar. Por isso você também está convidada, minha queridinha. Está convidada para ser nossa dama de companhia.
