Essa história começa no meio.

Ou no fim do sonho do qual ele não se lembraria, mas que tentara agarrar uma ou duas vezes. Há sutilezas que escapam. Ele deixaria escapar ainda algumas.

Mas despertar é sempre a pior parte.

Essa história começa no meio de um despertar nauseabundo e delirante, que ocorreu sem incidentes. Dos bons sinais que a vida oferece, ele sentiu os dedos porque doíam, e doíam porque estavam lá. O resto das dores deslizou com simplicidade.

Ele acordou porque sonhara tempo demais, e isso com certeza não fazia bem. De olhos fechados, sentia cheiro de chuva e de biscoitos de manteiga que vinham em lata. De olhos abertos, leite, mel, uvas e uma claridade violenta.

E então havia lá a moça, uma enfermeira agitada como uma formiga, com belas pernas e meio velha, e ela lhe deu água para a garganta seca e lascas de pão fresco e café para o estômago vazio. Aquilo cheirava bem, e foi uma pena quando ele vomitou nos lençóis. A enfermeira tremelicou pelos cantos e entrou e saiu do quarto algumas vezes antes de trazer alguém para limpar aquela merda.

Tentaram de novo um pouco mais tarde, com uma água suja que tinha gosto de galinha no lugar do pão e café. Aquilo pareceu assentar. Ela era uma boa enfermeira velha que não dava um puto por ele, e ele gostou dela. Quando ela foi embora sem palavra, ele pensou que gostaria de chamá-la para fumar e elogiar suas pernas.

Àquela altura, ele sabia que tinha ali um problema, e precisaria resolvê-lo, mas não havia como resolver problemas sem um cigarro e um par de calças, então ele ficou por lá mesmo.

Foi já pela hora do almoço que chegou sua primeira visita. O velho lhe trouxe purê de alguma coisa e algumas aspirinas, mas ele não estava interessado. Havia uma árvore que rangia e se curvava lá fora, e ele pediu ao velho um gole d'água.

"Como se sente?"

O que quer que fosse aquilo que ele estava mastigando, tinha gosto de galinha também.

"Por quanto tempo eu dormi?"

O velho sorriu e, de longe, parecia farelento e amarelo.

"Duas semanas."

Realmente, o suficiente para evitar café por algum tempo.

O velho o levou para perto da janela fechada e lhe deu de fumar, o que não fez sentido, mas acalmou a consciência de todos.

"Como isso aconteceu, Sinbad? Todos ficaram preocupados."

Ah.

"Bom."

Ele começou a resolver aquele problema, já que não parecia que alguém lhe arranjaria um par de calças tão cedo. Não sabia quem teria que subornar ali para conseguir de volta as uvas e os biscoitos de manteiga que vira pela manhã. Ou qualquer coisa que não tivesse gosto de bicho que voa.

"Na verdade, eu estava imaginando se eu teria mesmo que te perguntar meu nome."

Ele sorriu, certo de que não sentiria sono por bastante tempo.

Essa história começa no meio da história.