Title: Full Moon

Autor: Mery Mirie

Disclaimer: Ideias pertencem a J.K.Rowling


A brisa marinha levava o leve odor da maresia para dentro do velho casarão que já se erguia naquela falésia há mais de um século. Outras pessoas já se teriam mudado daquela velha casa carcomida pela humidade e pela brisa, mas as que viviam lá naquele momento (e desde a construcção da casa) estavam habituadas à suave rebentação das ondas nas rochas escarpadas, ao pequeno múrmurio da brisa matinal passando por entre as fendas da casa e aos longos passeios pela costa, com os pés descalços, pisando a areia e entraçando-a por entre os dedos.
A família Bole era conhecida pela sua importância no Ministério da Magia, na ala da justiça. Eion Bole era um importante e aclamado juiz que raramente estava tranquilo em casa, sempre fechado no seu escritório, pois tinha processos para adiar ou para ponderar. Já era velho e cansado; desde o suícidio da mulher há 13 anos atrás que os seus vastos cabelos ruivos se tornaram grisalhos e quebradiços. Na realidade, toda a gente naquela casa tinha entristecido com o suicídio de Selena Bole, ela era o espírito da casa, alegre, divertida, e com um sentido de humor fantástico. Além disso era uma mulher muito bela, com uma vasta cabeleira ruiva e encaracolada, e tinha uma pele pálida e uniforme como o leite. Selena relacionava tudo com o mar, sempre que o seu marido queria fazer uma viagem durante o verão ou queria ir à Copa Mundial de Quidditch, ela respondia-lhe que o mar tinha correntes invísiveis que a prendiam aquela casa e que nunca saíria de lá até à sua morte. Na verdade, na aldeia perto do casarão Bole dizia-se que ela era uma encarnação de uma sereia e que se a afastassemos do mar ela morreria seca e dolorosamente. E foi assim que ela morreu, atirou-se de uma falésia escarpada, entoando um canto antes de cair ruidosamente no mar; talvez ainda esteja viva, talvez se tenha transformado realmente numa sereia.
Niamh tinha dois anos quando ela morreu, e Jonathan tinha cinco. Os dois eram confundidos como gémeos, tinham o mesmo cabelo ruivo encaracolado e os grandes olhos cinzentos escuros e sem expressão. No entanto tinham idades diferentes, e Niamh era a filha preferida da mãe, porque ela também adorava dar longos passeios matinais aventurando-se pelas rochas, subindo-as e descendo-as agilmente. Os seus primeiros passos foram na Duna Secreta, onde Selena e Niamh guardavam o objecto que mais gostavam dentro duma caixa de madeira e depois a enterravam junto à duna, marcando o local com um lindo seixo preto brilhante.
Jonathan era o filho preferido do pai, talvez por ser mais velho e mais forte, ou talvez por Eion ver nele a sua figura mais jovem, um rapaz alto e delgado com um volumoso cabelo ruivo pelos ombros. Ele foi ensinado a trabalhar desde muito cedo, quando Selena morreu Eion obrigou Jonathan a aprender a ler e a escrever e a estudar os manuscritos dos antigos processos. Talvez fosse por isso que Jonathan tivesse desenvolvido uma personalidade fria e calculista. Quando Niamh era pequena, convidava Jonathan para dar passeios na praia, ao que ele respondia que aquilo era uma estupidez e fechava-lhe a porta da biblioteca na cara. Niamh chorava muitas vezes por isso, limpando as suas lágrimas no avental de Aurora, a cozinheira da casa que para Niamh era a única pessoa com quem podia brincar e com quem podia aprender mais algumas palavras para dizer.
Damian tinha chegado ao casarão quando Niamh tinha três anos de idade. Aurora disse-lhe que dali em diante ele era hóspede na casa, porque ele não tinha nenhum lugar para ficar e porque Eion teve compaixão dele. Na verdade, Niamh viu que ele tinha a personalidade que o pai gostava numa pessoa, lutador, sensato e egocêntrico. Foi dado a Damian o quarto de Selena, com uma cama de dossel em tons de azul, as paredes pintadas com animais marinhos e ondas, um grande armário em pinho com um espelho ferrujento num dos lados e o chão em madeira. O ar ainda exalava o odor da pele de Selena, e quando Niamh tinha insónias ia muitas vezes dormir aquele quarto, fechando os olhos e pensando que a mãe estava ali perto.
Pela primeira vez na vida Niamh teve ciúmes de alguém, agora ela não podia entrar naquele quarto quando quisesse ou pegar nas roupas da mãe. Damian instalou-se rapidamente no quarto e toda a gente da casa se dirigiu a ele para lhe explicar as regras básicas e para lhe dizer a forma de pagamento do quarto. Uma das regras básicas para crianças como Niamh e Darian era de estar dentro do quarto antes do décimo toque do relógio de cuco que estava na sala de bailes. Uma outra regra era a de não sair da propriedade sem pedir autorização de Eion e a última era a de não arranjar confusões com os habitantes da aldeia, da casa, ou com qualquer pessoa. Niamh ficou curiosa quanto à forma de pagamento, mesmo com três anos ela já era muito inteligente para a idade e sinceramente não saberia onde um rapaz de quatro anos sem lugar para ficar iria arranjar o dinheiro. As suas dúvidas desvaneceram-se quando o seu pai entrou imponente no quarto, olhando para a cama de dossel e sentindo os olhos molhados. Damian teria de pagar o quarto fazendo o que lhe Eion e o mordomo Boris lhe diziam, por exemplo, limpar algumas alas da casa, estudar os processos de Eion ou até fazer a jardinagem e ajudar a preparar a comida. Damian concordou com o proposto, afinal, ele não tinha nenhum lugar para ficar e qualquer coisa era tolerável em troca de uma cama fofa e de um prato de sopa.
Niamh e Damian não olhavam um para o outro durante os primeiros meses, limitavam-se a dizer bom-dia ou boa-tarde quando se cruzavam. Às vezes, Niamh esgueirava-se à noite até ao quarto de Damian e punha-lhe na cama baratas que encontrava na praia e no jardim da casa. Depois escondia-se debaixo da cama esperando que ele acordasse com cócegas. Na verdade, o plano só foi bem-sucedido uma vez, das outras vezes só restava uma barata na cama e Damian esmagava-a com a mão e voltava a adormecer. Na única vez que ele gritou, e também a última, saltou rapidamente da cama, pegando num livro grosso que tinha sob a mesa de cabeceira e matando-as aos magotes. Claro que no fim Damian descobriu Niamh a rir debaixo da cama, e os dois lutaram ferozmente no quarto até chegar Aurora e os separar. A cozinheira obrigou-os a pedirem desculpas um ao outro e a darem um beijo na cara. Niamh, orgulhosa como era, recusou-se a pedir desculpas, dizendo que foi ele que tinha começado tudo por ter vindo viver para aquela casa. Damian virou as costas a Niamh e praguejou que não pediria desculpas a uma aberração. Aurora revirou os olhos e obrigou-os a darem um beijo na cara à força. E desde aí que Damian e Niamh ficaram amigos inseparáveis, escapando-se da casa para ir brincar na praia enquanto Aurora se desculpava que eles estavam a estudar na cave. E Niamh mudou completamente a opinião sobre Damian, ele era bastante parecido com ela. Os dois faziam grandes corridas pela praia (claro que Damian ganhava sempre), mas chegavam ao fim exaustos e a rirem-se um do outro. Uma vez, Niamh mostrou a Damian a Duna Secreta, com a condição de não a mostrar a ninguém e de pegar num objecto dele e pô-lo dentro da caixa. Damian tirou desajeitadamente a tampa da caixa e pegou numa pequena pulseira feita de conchas do mar que estava lá dentro. "Isso foi a minha mãe que fez para mim" respondeu Niamh enquanto Daiman a poisava outra vez na caixa. Depois ele pegou numa fotografia velha e amarrotada onde estava uma mulher de cabelos ruivos muito bela e um homem magro e de vastos cabelos ruivos também. "Quem são" perguntou ele. Niamh sussurrou baixinho que era a sua mãe e o seu pai no dia do casamento. Damian poisou a foto e fechou a caixa. "Ainda não puseste nada dentro da caixa" lamentou-se Niamh, abrindo-a de novo e pegando-a com as suas mãozitas pequenas. Damian tirou um colar do pescoço em ouro com uma medalha também desse metal. "O que está escrito na medalha" indagou Niamh pegando nela e lendo-a lentamente, pois ainda não conseguia ler muito bem. "Gritarei teu nome para que as colinas ressoem e transformem o balbuciar do vento em um grito: 'Damian'..." respondeu Damian, pondo a medalha dentro da caixa e fechando-a abruptamente. Niamh enterrou a caixa sobre a duna sem dizer uma única palavra.
Então, quando Niamh fez os sete anos, Eion arranjou uma mulher, Morgaine Le Fay. Ela era bastante nova e tinha longos cabelos lisos e castanhos. Morgaine era também muito severa e agia por trás das costas. Niamh e Damian sabiam que Morgaine os odiava e que ela só iria casar com Eion para ganhar prestígio e dinheiro. Mas eles não se atreveriam a falar disso a Eion, eram de certeza castigados severamente e Damian podia ter o risco de ser expulso de casa.
Passados uns meses, Morgaine Le Fay passou a ser Morgaine Bole, e partilhava o seu quarto com o de Eion. Niamh e Damian teriam de ter mais cuidado quando quisessem sair da propriedade para dar um passeio pela praia, agora seriam mais dois olhos a vigiá-los.
Jonathan, por outro lado, quando chegava a casa de Hogwarts, passava os dias inteiros enfiado na biblioteca atrás de um monte de livros sobre a história da magia e sobre processos jurídicos. Niamh não se importava que ele estivesse longe da família, afinal não tinha criado nenhuns laços de amizade com ele, limitavam-se a dizer bom-dia ou boa-tarde. Jonathan tinha entrado cedo demais para Hogwarts, ele era um rapaz irrequieto em casa e passava os dias perguntando coisas que nem Eion sabia responder. Todas as férias ele chegava com várias nódoas negras espalhadas por todo o corpo, desculpando-se que as tinha feito na aula de vôo. Damian, que tinha sete anos, já não acreditava nas palavras dele, pois um dia tinha visto claramente no braço de Jonathan uma marca de uma mão. Os alunos mais velhos do primeiro ano ou até de outros anos deviam-lhe bater por ele ser o mais novo aluno da escola e também por saber mais coisas que alguns alunos do 7º ano. Lia-se claramente no olhar de Morgaine que ela tinha uma perdição por Jonathan, sempre que este lhe pedia alguma coisa ou se queixava de alguém era sempre Morgaine que lá estava para o defender. Uma vez Jonathan queixou-se que Niamh e Damian estavam a fazer demasiado barulho no corredor, Morgaine pegou nos dois pelas orelhas e deixou-os na rua a dormir ao relento, fazendo com que Jonathan olhasse satisfatoriamente pela janela da biblioteca. Eion só os descobriu na manhã seguinte, culpando Boris pelo ocorrido e diminuindo o seu salário.
Damian completou os 11 anos num ápice, parecia que tinha sido há uma semana que ele tinha chegado aquele casarão, com um físico escarninho, fraco e sujo. Ele tinha-se tornado num belo rapazinho de cabelo loiro cortado curto e de pequenos olhos mel atentos e espertos. Niamh não percebia porque é que ele tinha de se ir embora para Hogwarts e ela não, perguntando várias vezes a Aurora porque é que ela não podia ir com ele. Aurora respondia-lhe pacientemente que ela teria tempo para brincar com ele em Hogwarts, mas no próximo ano, que ela era muito nova e frágil para entrar para aquela escola. Por outro lado, Damian andava ansioso que chegasse o primeiro de Setembro, assim poderia ver se as suas expectativas sobre Hogwarts eram as que imaginava. E finalmente tinha chegado o dia, Damian iria finalmente para Hogwarts. Niamh, Eion, Morgaine e Jonathan acompanhavam-no até à estação, onde Damian e Jonathan embarcariam no Expresso de Hogwarts. Niamh abraçou-se a Damian, pedindo-lhe que não a deixasse sozinha com o pai e a madrasta. "Eu não te deixo sozinha, Sereia" respondeu-lhe Damian docemente, puxando-lhe um dos caracóis do cabelo "Vai buscar o medalhão e lê a frase sempre que quiseres lembrar-te de mim". Sereia, esse era o apelido com que Damian tratava Niamh gentilmente, talvez por ela ter aprendido a nadar sozinha contra as ondas do mar quando tinha cinco anos. E foi Niamh que lhe tinha ensinado como nadar de bruços ou como mergulhar e abrir os olhos dentro de água para admirar os pequenos peixes que fugiam para o alto-mar ou para ver os pequenos seixos e conchas de várias cores. Numa dessas aulas, Damian tinha descoberto um búzio debaixo de água e desde então que esse búzio estava também guardado na caixa junto à Duna Secreta, para que eles se lembrassem mais tarde da sua união. E então a sirene do comboio tocou, Damian correu para ele e apanhou-o mesmo a tempo, acenando tristemente a Niamh enquanto o comboio se afastava da estação.
Esse ano tinha passado vagarosamente para Niamh, Eion e Morgaine não a deixavam sair de casa e obrigavam-na a estudar obsesivamente os livros do primeiro ano que eles já lhe tinham comprado há muito tempo. Ela sentia-se presa numa sala com uma abóbada folheada a ouro e com o tecto muito alto, com fileiras e fileiras de livros que iam desde o chão até baterem no tecto. Era a maior ala da casa, a biblioteca, onde maior parte da família passava o tempo. "O conhecimento é a base. Quando se tiver o conhecimento constrói-se a personalidade conforme se apetecer" dizia Eion a Jonathan várias vezes, e naquele ano também o começava a dizer a Niamh. Naquele ano Niamh soube realmente o que era sentir saudades de alguém, não que ela não tivesse também saudades da mãe, mas ela nem sequer se lembrava do toque dela ou da sua voz. Chorava muitas vezes à noite por Damian, era tudo entediante e monótomo, Damian não estava ali para a defender das perguntas e dos exageros de Morgaine como era habitual ele fazer. Numa dessas noites, Niamh tinha escrito uma carta dirigida a Damian para pôr na caixa. Ela pensou que talvez ele a ouvisse, Niamh pensava que aquela caixa tinha algum tipo de feitiço que sempre que a abria ela se enchia de alegria. "Anjo, se estiveres a ouvir-me dá-me um sinal. Volta rápido para casa, o papá e a Morgana cara da banana obrigam-me a estudar e não me deixam voltar para a praia. Deves ter sentido a minha falta, eu nunca mais peguei na tua medalha e a li, mas não foi por minha culpa! Juro! Mas amanhã vou pedir a Aurora que me proteja para depois eu ir falar um bocadinho contigo e deixar esta carta na nossa caixa. Sinto-me tão frágil e desprotegida, sempre que vou à aldeia com a Morgaine para fazer compras os rapazes e as raparigas mais velhos que eu começam a mandar-me areia e a fazer pouco de mim. Tenho a certeza que se estivesses lá comigo não lhes admitias isso! Um beijinho da Sereia" era assim a carta que Niamh tinha escrito, e no dia seguinte foi pô-la na caixa e releu infinitas vezes a frase da medalha de Damian. Não tinha conseguido falar com o Anjo, então ele mentira-lhe, Niamh enfureceu e voltou para casa nervosa. Insultou Aurora e entrou no seu quarto fechando a porta com força. Demorou muitas semanas para que saísse do quarto, os dias eram todos reservados ao choro e às lamentações. Aurora preparava-lhe refeições ligeiras e passava-lhas por baixo da porta, mas não conseguia falar com ela. Eion e Morgaine exigiram que ela abrisse a porta, mas Niamh negou pela primeira vez ao seu pai alguma coisa. Ela não queria saber de nada nem ninguém, tinha entrado numa depressão profunda e a sua única alegria era a vista da janela para o mar e o suave grasnar das gaivotas pela manhã.
Foi numa dessas manhãs que Niamh ouviu um miar vindo da areia, ela levantou-se rapidamente e correu até à janela vendo se estava algum gato lá embaixo ou se era alguma brincadeira de alguém da aldeia. Mas realmente estava lá um gato persa, sentado sobre a areia e lambendo as patas. Niamh pegou num casaco de lã, abriu a porta do quarto e desceu as escadas em madeira que rangiam e denunciavam a sua saída do quarto. Saíu pela porta das traseiras que dava entrada na praia, passando por Aurora e cumprimentando-a timidamente. O gato era, afinal, uma gata. Tinha pelagem curta e castanha clara e a ponta da cauda e das orelhas com um castanho mais escuro. Os olhos eram redondos e azuis como uma lagoa pouco profunda. Niamh pegou nela ao colo e reparou numa pequena mancha escura na testa que tinha a forma de uma lua. "Vais-te chamar Moony" disse-lhe, levando-a para o casarão. Morgaine reprovou logo a ideia de ter um animal dentro de casa, dizendo que era uma carga de trabalhos e de despesas. Niamh pensou que Eion também iria reprovar, já que ele seguia os pensamentos da madrasta, mas não, o juiz olhou de esguelha para a gata e Niamh viu que aquele animal lhe lembrava vagamente alguma coisa familiar. Eion permitiu que Niamh ficasse com a gata, com a condição de que ela trataria de tudo o que estivesse relacionado com ela. A ruiva abraçou o pai como nunca tinha feito desde à muito tempo e este corou, fazendo com que Morgaine esboçasse um riso hipócrito.
Niamh tinha arranjado uma nova amiga enquanto Damian não voltava ao velho casarão. Ela partilhava com Moony todos os seus segredos e tristezas, brincava com ela e durante o Inverno passava tardes junto à lareira com um livro na mão e Moony do seu lado. Às vezes, pensava ela, parecia que Moony percebia exactamente o que Niamh dizia, só lhe faltava falar. Aurora ajudava Niamh a arranjar alguns restos de comida para dar a Moony e também desculpava-a quando a gata arranhava ou estragava algum objecto da casa. A chegada de Moony também era uma boa desculpa para Niamh fugir para a praia, porque dentro de casa não havia caixotes de areia. Como era bom sentir todos os dias aquele toque áspero da areia percorrendo os pés, como era bom abrir todo os dias a caixa e ler a mensagem no medalhão de Damian, tentando em vão contactar com ele. Mesmo com o tempo frio de Inverno, a Sereia não deixava de fazer as coisas habituais, como nadar nas ondas turbulentas daquele mar ou fazer corridas com Moony na areia. Todos os dias, quando ela voltava à praia, ainda permaneciam na areia as pegadas que as duas deixaram no dia anterior, de tantas vezes pisarem o mesmo sítio ou percorrerem o mesmo trilho entre as dunas. Talvez Moony fosse aquele sinal de Damian que ela pediu na carta. Afinal a caixa era verdade, ele podia-a ouvir.
As férias de Verão tinham chegado, e Eion anunciou que iria buscar Damian e que chegaria dentro de algumas horas. Niamh estava ansiosa e feliz que o seu velho amigo chegasse, passava sempre no salão de bailes para contar as horas pelo relógio de cuco. Aurora teve de levar o almoço ao salão, pois Niamh estava com os olhos fixos nos ponteiros do relógio e naquele ruidoso tic-tac. A campainha da casa era um rugido de um leão, e quando Niamh o ouviu saltou do salão e correu pela casa inteira até chegar à porta principal, que dava para um caminho de terra batida que se dirigia à aldeia. Escondeu-se atrás de Boris porque tinha vergonha de ver Damian tão directamente. A porta abriu-se repentinamente e do outro lado estava o seu pai, com as mãos poisados sobre os ombros de Damian, ou pelo menos ela achava que era ele. Damian modificara imenso desde há um ano atrás, já não estava preso num corpo de criança e os traços da cara e do corpo começaram a tornar-se mais adultos. Não estava de acordo com um livro que ela tinha lido na biblioteca da casa, segundo o livro, os rapazes deviam modificar-se aos quatorze anos e não aos onze ou doze. Damian entrou timidamente no casarão, e cumprimentou vagorosamente Niamh com a cabeça. O seu cabelo loiro estava mais comprido e tomava jeitos ondulados e ele estava dois palmos mais alto que Niamh. Ela retribuíu-lhe o cumprimento com gratidão, mostrando um sorriso afável.
Durante o jantar dessa noite é que Niamh tinha percebido o quanto Damian tinha mudado. A sua voz tornara-se mais grossa e ele tinha modos mais adultos. O Damian que ela se tinha despedido há um ano atrás não era aquele, o outro era muito mais brincalhão e sorridente, este novo Damian era sério e adulto, Niamh não gostava disso. Depois de jantar, a ruiva convidou-o a fazer uma corrida até à praia. "Isso é muito infantil Niamh, deixa-me descansar no primeiro dia em que aqui estou" tinha respondido Damian friamente. Ele já nem sequer a tratava carinhosamente por Sereia, agora ele era só o Damian e ela era só a Niamh, que graça tinha isso? Mais tarde soube por Aurora que ele tinha sido escolhido para Slytherin, e que toda a gente que entrava nessa equipa amadurecia mais rapidamente e tornava-se fria e sem escrúpulos. Niamh perdeu toda a vontade que tinha em entrar para aquela escola, não queria se tornar adulta, queria continuar a correr pela praia com Damian e queria continuar a abrir a caixa secreta e a contarem segredos um ao outro. Mas, de uma maneira ou outra, ela teria de ir para Hogwarts.
No ano seguinte ela tinha finalmente completado os 11 anos e foi para Hogwarts com Damian e com Jonathan. Ela ansiava pelo menos ficar na mesma equipa que o seu Anjo, para que os dois pudessem amadurecer ao mesmo tempo; mas não, ela foi escolhida para Ravenclaw, para a equipa do seu irmão. Moony foi deixada em casa esse ano por própria opção de Niamh, não queria que ela fosse porque tinha medo que ela também amadurecesse como Damian. Ao príncipio, ela tinha medo de tudo e de todos, tinha medo de todos aqueles professores e alunos novos, daqueles novos feitiços e poções que tinha de aprender e de novas regras que não eram tão rígidas como no casarão. Mas logo habituou-se, e amadureceu, na verdade.
Passados dois anos ela tornara-se mais alta e com mais curvas, a cara deixava a sua forma redonda e gorda para se tornar fina e magra, mas uma coisa que nunca mudou nela foi o seu longo cabelo ruivo volumoso e as suas sardas sobre os olhos. À medida que passavam os anos ela começara-se a aproximar outra vez de Damian como antigamente, mas desta vez com novas brincadeiras e temas de conversa. Eles passavam o tempo a conversar sobre os professores que odiavam, ou sobre aquele rapaz ou rapariga que era bonito (Niamh odiava quando Damian achava alguém bonita) e depois batiam um no outro e riam-se.
Mas o passado não interessa, o passado traz e leva mágoas. O passado pode ter sido medonho ou alegre para várias pessoas, mas pode-se sempre tentar outra vez no presente ou no futuro. No presente é que se contrói o futuro e se reconstrói o passado, e quando erramos alguma coisa poderemos reconstruí-la outra vez. Mas quando o passado, o presente e o futuro se juntam num só é impossível alterar o decurso dos acontecimentos, porque eles já foram previstos há muito tempo, por uma antiga profecia ou até por algum adivinho. Mas a força, a determinação e o amor fazem milagres, mesmo quando é impossível havê-los.