Por mais que já tivessem conversado sobre o assunto diversas vezes, nada se comparava ao vazio que estava sentindo agora, era muita inocência da sua parte achar que se preparar antecipadamente para esse dia lhe traria algum conforto, infelizmente havia se enganado amargamente. Seus pais estavam tentando ser fortes, mas pareciam partilhar do mesmo pensamento inocente da filha, a única que se permitia chorar naquele momento era a pequena Lianna, cujos olhos claros iguais aos de seu pai se encontravam irritados.
—Porque a Emma também tem que partir? – perguntou a pequena após tentar inutilmente conter novas lágrimas.
A irmã mais velha se postou diante da garotinha de seis anos sobre um de seus joelhos para poder olhá-la na mesma altura, Emma estendeu os braços e Lianna rapidamente deixou a mão protetora de sua progenitora para abraçar a pequena caçula da família.
—Não estou indo para sempre. – respondeu enquanto acolhia a menor em seus braços e lhe dava pequenos beijos na fronte. – logo estaremos juntas novamente. – afirmou com aquele sorriso convincente de sempre. - Espere um pouco, tenho algo pra você.
A pequena Swan afrouxou o abraço e agora lhe olhava com curiosidade, o sorriso da mais velha se alargou, nada seria forte o bastante contra a curiosidade da caçula... Assim era melhor, não queria ver tanta tristeza nos olhos de uma criança que sempre mostrou-se tão alegre até mesmo nos piores momentos da família. Emma tateou os bolsos da calça como se procurasse por algo, estava um tanto enrascada, pois bem sabia que não havia planejado tal situação; pensou rapidamente até que um novo sorriso – desta vez de alívio - surgiu em seus lábios. Ela levou as mãos até o fecho da corrente dourada que ficava em seu pescoço depois olhou significativamente para a pequena cruz que repousava na palma de sua mão; a delicada peça havia pertencido a sua avó paterna, recebera como presente das mãos da mesma e desde então nunca havia se separado da mesma, era como um amuleto protetor. Emma acompanhou o olhar surpreso da mais nova enquanto colocava a corrente envolta do seu pescoço frágil.
—Agora você sempre carregará um pedacinho meu e da vovó com você. – afirmou após dar um beijo demorado na testa de Lianna.
Sabia que estava fazendo a coisa certa, o pequeno crucifixo teria a mesma importância que o surrado boné dos Yankees que agora ostentava em sua cabeça. Emma se recompôs e voltou novamente o olhar para os pais, precisava embarcar ou acabaria perdendo o vôo e verdade seja dita, talvez a mesma não suportasse mais passar tanto tempo ao lado das pessoas que amava sabendo que teria que partir.
—Já falamos com o seu amigo Killian, ele estará lhe aguardando no aeroporto. – informou o seu pai após um pigarro, sabia que ele estava tentando disfarçar o que estava sentindo, David era um pai amoroso, mas aquela situação não estava sendo fácil para nenhum dos lados. – se precisar sabe que pode contar conosco, tens nossa total disposição para qualquer emergência.
—Tem certeza que quer fazer isso filha? – essa pergunta sempre vinha de sua mãe, Mary Margaret. – você não precisa fazer isso.
Emma apenas afirmou com a cabeça, não sabia se sua voz seria forte o suficiente para responder sua mãe. Por mais que quisesse estar próxima das pessoas que amava, sabia que o melhor a fazer no momento era partir. Precisava viver, se achar alguém normal nem que fosse uma vez na vida, mas principalmente precisava esquecer todos os anos que infelizmente mais lhe pareceram o inferno morando em Newport.
—Eu amo vocês. – foi tudo o que conseguiu projetar ates de cair nos braços de seus pais. Viu-se tomada pelos seus sentidos, tentou memorizar aqueles perfumes tão característicos e peculiares.
Os quatro se abraçaram com o desejo de não se apartarem jamais, mais a realidade era cruel e aquele era o seu destino provisório. A loira deu um beijo em cada um e partiu, antes que suas pernas lhe traíssem e sua coragem se fragmentasse, mas Emma Swan não era e nunca fora uma covarde.
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Sentada na poltrona, Emma analisava os seus pensamentos conflitantes em forma de aliviar a estranheza em seu peito, em parte estava feliz, pois estava deixando o local onde nascera e que sempre odiara, por outro lado estava deixando as únicas pessoas que lhe amavam de verdade e aceitavam-na como verdadeiramente era... Mais uma vez sairia perdendo naquela história, a jovem Swan passou anos escutando provocações, xingamentos, coisas que nenhuma criança deveria ouvir; Newport era um maldito lugar onde quase todas as famílias de bom nome se conheciam, onde pessoas ricas e superficiais viviam a base de aparências, ela nascera hermafrodita e isso não foi levado com bons olhos quando descoberto pela sociedade a qual pertenciam, crescera praticamente sem amigos e desde cedo teve que conviver com o julgamento e o preconceito de terceiros. Sofreu por dezessete anos e agora estava indo embora, mas isso não significava que sofreria menos ou simplesmente deixaria de sofrer; enquanto todos continuariam com suas vidas fúteis como se nada tivesse acontecido sua família sofreria com a ruptura causada por sua ausência... Esperava nunca mais ter que colocar os pés na Califórnia novamente.
Emma estava no voo para a pequena cidade de Lima em Ohio, estaria distante o suficiente de todo o mal que havia destruído sua vida e lá tentaria recomeçar com o que lhe restou. Seu melhor amigo, Killian Jones, morava na cidade fazia quatro anos com sua mãe; o único motivo para seus pais deixarem partir foi o fato de que o rapaz era a pessoa mais confiável que a filha tinha contato, o garoto de aparência esperta e olhos verdes fora um dos seus escassos amigos desde a infância, a separação foi um choque para ambos, mas nunca deixaram que a distância fosse um empecilho entre os dois.
A garota analisou o seu reflexo pelo pequeno vidro da janelinha, será que sua aparência convenceria nesse novo lugar? Emma estaria sobre os cuidados da família Jones, qualquer coisa que precisasse eles seriam o seu intermédio com os seus pais, mas a garota residiria na sua nova escola, a Dalton Academy; aparentemente estava tudo resolvido, pois ela adotaria uma nova identidade e teria o seu primo Graham por perto para lhe ajudar na adaptação. Seus cabelos dourados ainda conservavam os fios compridos, como muitas garotas gostavam de ostentar, mas fora isso estava quase que irreconhecível, havia abandonado a maquiagem e as roupas femininas já fazia algum tempo – isso lhe dava aversão depois de tudo que havia passado, não poderia se vestir como uma garota se não sentia-se uma completamente – apesar de certa vaidade ainda fazer parte da sua personalidade. Seus olhos foram cedendo aos poucos e o sono logo tomou o seu corpo cansado, em seus lábios residia um pequeno sorriso, pois pela primeira vez poderia viver de verdade.
xXxX
Emma só despertou com o toque sutil da aeromoça, era o aviso de que o avião iria pousar, a loira acenou levemente com a cabeça e sorriu, já fazia um bom tempo que não conseguia dormir tão bem como agora. Seu coração acelerava a medida que a altitude diminuía, depois de quatro tortuosos anos ela finalmente veria o seu melhor amigo outra vez. Todo seu sofrimento se tornara pequeno e nada parecia ser mais importante do que as boas lembranças do garoto de sorriso fácil que transitavam em sua mente.
Após pegar as duas malas com os seus pertences a Swan direcionou-se para sua nova vida, assim que atravessou a porta dupla automática e pegou a escada rolante, seus olhos atravessaram o desconhecido salão e acabou pousando-os em um rapaz que chegava a ser relativamente maior que ela, com um cartaz meio amassado onde havia o desenho de um cisne e alguns corações ao redor – com certeza isso tinha sido obra do palhaço do Killian -, o rapaz também possuía o olhar ansioso e assim que o sorriso surgiu nos lábios da garota se refletiu no rosto com olhos verdes e cabelo bagunçado. Correu mesmo com o peso das duas malas, deixando-as de lado assim que estava próxima o suficiente para pular em cima do amigo; Jones sustentou o seu corpo dando dois passos para trás para depois rodopiar com a loira em seus braços, a força empregada pelo moreno era quase sufocante, mas Emma pouco se importava, sonhava todos os dias em poder fazer isso novamente.
—Você cresceu pirralha! – comentou com a voz abafada.
—Você também! – rebateu a loira dando soquinhos nos ombros do amigo. – você anda comendo um boi todos os dias?
Killian soltou uma gostosa gargalhada, de fato ele estava enorme se comparando ao garoto franzino e pequeno que deixou a Califórnia.
—Consegui uma bolsa no time da escola. – comenta dando uma tapinha na aba do boné da loira. – você também não está nada mal, Swan.
O rapaz pegou as duas malas da amiga e seguiram caminho até o estacionamento, a mãe de Killian havia emprestado o carro para que filho pudesse buscar a amiga.
—Como estão as coisas? – perguntou a garota assim que fechou a porta do veículo e colocou o cinto de segurança.
—Sabe como é... Nunca fui muito bom com os estudos. – respondeu coçando a nuca de leve, Emma lembrava bem do pequeno tique que o amigo possuía. – estou tentando terminar, talvez tente algo no futebol, mas caso não consiga tenho em mente ampliar o meu negócio.
A garota olhou com certo interesse para o amigo, estreitando os olhos quando ouviu a palavra "negócio".
—Não anda fazendo nada ilegal, não é mesmo? – disparou ainda com o olhar desconfiado.
O rapaz sorriu divertidamente enquanto negava com a cabeça, seus olhos passeavam pelas ruas não tão congestionadas.
—Não é nada de mais, limpo e cuido de alguns jardins de algumas mansões, ganho uns trocados... E uns amassos – completou dando uma piscadela.
Emma sorriu abertamente, é claro que no final de tudo teriam mulheres envolvidas, Killian sempre foi muito precoce e esperto nesse quesito. Conversaram sobre coisas aleatórias durante todo o caminho, o rapaz mantinha os olhos atentos na rua enquanto a Swan se apegava aos pequenos detalhes e borrões que se formavam na paisagem, o trânsito não era tão caótico, assim como não possuía tanta exuberância nas construções... Estava começando a gostar do lugar.
Não demorou muito para que chegassem à casa do jogador, o rapaz estacionou em frente a uma casa simples com um pequeno jardim bem cuidado; ele se prontificou a levar as coisas mesmo que a contra gosto da loira, quando entraram Killian deixou as malas em um sofá de dois lugares meio surrado e voltou-se para a amiga.
—Com fome? Quer alguma coisa? – perguntou enquanto deixava as chaves sobre o balcão que separava a sala da cozinha.
—Não, obrigada. Estou bem. – respondeu a garota com um pequeno sorriso. – se não se importar, gostaria de me livrar logo disso. – informou retirando o boné e apontando para o cabelo dourado que lhe caía até quase o meio das costas.
Jones suspirou, sempre achara a amiga muito bonita, mas agora ela simplesmente parecia perfeita, mas mostrou-se animado e apoiava a decisão da loira, queria que ela fosse feliz, Emma merecia ser feliz mais do que qualquer pessoa e se mudar radicalmente lhe faria feliz era isso que os dois fariam. Puxou a amiga pela mão e foram até o quarto do rapaz – a bagunça destoava com a ordem impecável do resto da casa, mas estava bem a cara do moreno – lá ele jogou algumas revistas para a amiga enquanto o mesmo se ocupava com o computador, ambos procurariam por um corte de cabelo ideal para a Swan. Killian pegou algumas tesouras, a máquina de cortar o cabelo e um pente, organizou tudo na cama próximo de onde a outra estava sentada.
—Que tal estilo militar? – perguntou o rapaz mostrando algumas fotos para a garota, mas pelo tom ela bem sabia que ele estava apenas brincando.
—Que tal deixar um ninho de passarinho na cabeça?! – rebateu a loira jogando uma almofada no maior.
O jogador bufou com o comentário sobre o seu cabelo, mas não respondeu nada, apenas continuou a vagar pelas fotos até que ouviram o barulho da porta. Emma sentou-se ereta e passou as mãos pela calça jeans, não demorou muito para que a mãe de seu amigo aparecesse na porta.
—Sra. Jones. – a garota levantou-se de imediato e estendeu a mão para a mulher.
—Querida, sabe que não precisa me chamar assim. – a mulher puxou a mais nova para um abraço. – o que vocês estão aprontando? – perguntou ao ver alguns dos seus materiais de trabalho sobre a cama.
—A Swan quer cortar o cabelo. – respondeu o filho ainda com os olhos atentos na tela do computador.
—E você vai deixar que esse louco faça alguma coisa no seu cabelo? – perguntou a mais velha com um fingido tom de surpresa.
As duas caíram em uma doce gargalhada não acompanhada pelo rapaz que já parecia bem arrependido de ter juntado as duas mulheres. Emma estava feliz, pela primeira vez poderia ser ela mesma, sorrir e conversar sem apreensões... Era estranho, mas ela poderia se acostumar com a sua nova realidade.
