Stardust

O zíper tinha emperrado.

- Que bom... – eu suspirei. O baile começaria em uma hora e nem conseguir colocar o vestido sem algum problema eu conseguia. Eu sentei na cama desanimada.

Não, não foi o zíper que me deixou daquele jeito.

Nem o zíper, nem a maquiagem que eu não tinha gostado, nem o cabelo que não parava no lugar.

Tudo isso normalmente irritaria qualquer menina em sã consciência. O problema era que eu não estava em sã consciência.

Quem estaria gostando de um Malfoy?

- Está pronta, Giny? – me perguntou Susana.

- Estou longe de ficar pronta... se quiser ir descendo, pode ir.

- Você parece tão desanimada...

- Não estou muito no pique pra festas. Vou porque ... na verdade nem eu sei porque estou indo.

- Por que Harry Potter te chamou, talvez?

Na verdade não.

- Vá descendo... Neville vai ficar chateado se você não aparecer.

- Eu te vejo lá embaixo.

Eu só acenei a cabeça.

Quando Susana saiu do quarto a única pessoa remanescente lá era eu.

Eu aproveitei o silêncio para me acalmar.

Fazia poucos dias que eu havia descoberto que meus sentimentos por Malfoy eram totalmente inversos ao ódio e à aversão que eu achava que eu tinha por ele. Ele me xingava, não perdia uma oportunidade de incomodar a mim e à minha família e era insuportavelmente arrogante, mas depois que a guerra acabou, tudo pareceu clarear, como a névoa que se esvai.

Os sinais da guerra ainda eram visíveis no rosto de Malfoy. Não só dele, mas em todos.

Rostos pálidos, olhos inchados, muitos ainda superando perdas, mas ainda sim podíamos perceber a mudança no clima. Todos estavam claramente mais aliviados e contentes.

Eu poderia ser uma delas, mas a verdade era que o sentimento de alívio não estava muito perto do que eu estava sentindo naquele momento.

Sempre que me perguntavam porque eu ainda estava reclusa e calada, eu culpava a morte de meu irmão, de meus entes queridos, como Tonks e Remo e a perda de diversos amigos que desapareceram e morreram na guerra. Era verdade que muitas das minhas perdas iriam sempre me deixar mal quando fossem recordadas, mas elas não eram meus piores problemas.

Eu sempre estranhei o jeito que Malfoy me chamava a atenção. Quando ele estava no mesmo cômodo que eu, o mundo parecia se resumir àquele lugar, pois meus olhos se voltavam para ele instantaneamente. Não que eu achasse aquela figura obviamente problemática bonita, ou que suas atitudes me chamassem atenção. Na verdade, a priori, o sentimento que me vinha à cabeça quando pensava nele era a boa e simples vontade de cometer um homicídio, mas de repente eu me vi procurando-o nos corredores e nos lugares em que passava. Foi aí que eu percebi que eu estava com problemas.

Eu me levantei e tentei arrumar o zíper de meu vestido. Finalmente consegui.

Lutei com o meu cabelo durante um tempo e, depois de muita luta, o prendi num coque. Afivelei minhas sapatilhas, borrifei meu perfume de sempre e parei em frente ao espelho para me analisar.

Até que não estava tão ruim. Meu vestido verde acetinado até que tinha me caído bem e eu tinha feito meu coque tão apertado que não dava pra ser um desastre assim tão grande. Por fim, com relutância desci.

Eu demorei meu máximo na escada. Eu não queria chegar ao Salão, eu não queria vê-lo, mas não havia escapatória. Seria muito chato se eu não aparecesse no baile de comemoração que McGonagal tinha proposto para comemorarmos o fim da guerra e da era de trevas.

Harry estava me esperando nos últimos degraus. Roupa de gala em ordem, o cabelo revolto domado por gel em um topete muito bem feito, o sorriso no rosto – o sorriso digno de quem terminou uma luta com quem o havia perseguido durante 17 anos.

- Está linda, Gina. – ele disse sorrindo.

- Obrigado. – eu tentei retribuir o sorriso, mas a tentativa não deve ter saído muito boa. – Tem certeza que você quer que eu te acompanhe? Você é o centro dessa festa... não seria melhor ir sem ninguém para poder aproveitar melhor e receber os elogios e demandas de explicações sem encheção de saco?

- Eu quero que você vá comigo porque eu tenho quase certeza de que se eu te largar sozinha por aí você vai querer voltar pro dormitório e dormir.

- Não é lá uma má idéia. – eu admiti.

- Está na hora de você sair desse período de luto.

Eu suspirei. Está na cara que Harry também não sabia da verdade, não é? Mal ele sabia qual era o verdadeiro motivo.

- Você sabe ser um pé no saco quando quer, Harry.

- Aprendi com seu irmão.

Ele me estendeu o braço e eu o aceitei. Paciência.

Entrar no salão foi uma experiência no mínimo complicada. Harry foi ovacionado e eu tentava me manter longe do campo de visão das pessoas. Foi uma luta constante.

- Estarei sentada se precisar de mim. – sussurrei em seu ouvido e soltei seu braço indo direto para a mesa que estava reservada para nós. Rony e Hermione já estavam sentados ali, como se nada estivesse acontecendo.

- Já o largou, Gina?- disse meu irmão.

- Ah, me poupa... você nem levantou para parabenizar seu melhor amigo! Que vergonha de você, Weasley...

- Você está linda, Gina. – disse Hermione.

- Obrigado. Vocês estão muito bem também.

- Sua cara que não anda das melhores. Quando vai parar de bichisse e voltar a agir como a pentelha que sempre foi?

- Quando você ganhar um pouco de inteligência própria, Rony. – suspirei – Sabe bem que eu não queria estar aqui.

- É por causa de Harry?

- Claro que não, Rony...afinal foi ela que terminou com ele. – disse Hermione como se fosse a coisa mais óbvia do mundo. – Por que você veio então? – ela perguntou se voltando novamente para mim.

- Porque achei muita falta de consideração não aparecer. Vou fazer uma média, comer alguma coisa e ir dormir. Não necessariamente nessa ordem.

- O guisado de peixe está ótimo. – disse Hermione enquanto eu me levantava.

Acenei a cabeça e rumei para a mesa do banquete.

Foi difícil passar pela multidão, mas foi mais difícil ainda ver Malfoy no meio dela.

Lá estava ele. Pálido, pelo menos havia recuperado um pouco do peso perdido, mas uma coisa, independente do que tivesse atingido aquele garoto nunca mudou – seus olhos. Eles continuavam azuis como sempre, azuis claros e hipnotizantes.

Lá estava ele, com Parkinson grudada em seu braço, parecendo mais aliviado que antes, mas ainda sim não totalmente confortável. Seus cabelos loiros caídos em seus olhos, a roupa azul escura com uma camisa branca semi-aberta, seus sapatos pontiagudos bem lustrados – o conjunto inteiro. Malfoy estava de tirar o fôlego.

Eu suspirei na minha incapacidade.

Eu não podia fazer nada. Falar com ele, cumprimenta-lo... mesmo a guerra tendo acabado, o mundo continuava parcialmente igual e certas regras nunca mudariam: um Malfoy nunca daria bola para uma Weasley. Então eu me encolhi na minha insignificância e voltei a procurar comida. Lá estava eu, analisando o guisado de peixe tentando fingir que não queria virar a cabeça e voltar a admirar aquele loiro cretino quando uma voz surgiu do meu lado.

- O que está fazendo analisando isso? Você nunca gostou de peixe.

- É isso ou a torta de abóbora que está com uma cara duvidosa.

- Vai fazer alguma coisa em relação à Malfoy?

- Como você sabe disso, Susana?

- Sua cara te denuncia. Eu juro que eu tentei disfarçar o fato de eu saber disso, mas se nem você sabe disfarçar direito...

- Não abra a boca para ninguém, por favor. – eu disse em tom de súplica. – Você sabe que essa situação é errada em todos os sentidos, nunca daria em nada.

- E você pretende fazer o que em relação à isso, nada?

- Tentar esquece-lo é o melhor remédio. Logo ele sairá de Hogwarts e as coisas vão ficar mais fáceis. O que os olhos não vêem o coração não sente.

- Foi por ele que largou Harry, não é?

Meu silêncio me denunciou. Susana deu ombros.

- Faça o que achar melhor, mas ele está vindo nessa direção então acho melhor voltar pra mesa.