Vazio

por Ireth Hollow


Naquele orfanato, era costume presentear as crianças que festejavam o seu décimo aniversário com um pequeno quadrado de vidro, ligeiramente baço e lascado nas pontas.

– Para que serve? – perguntavam elas, muito curiosas.

A resposta era invariavelmente proferida num tom de quase pena.

– É para pintares o que te vai na alma.

E, então, os órfãos atarefavam-se a colorir aquele vidrinho, com mais ou menos talento, mas sempre sorrindo.

Quando chegou a vez de Tom Riddle, ele recusou-se a fazer qualquer modificação no seu, insistindo que nada mais podia fazer nele. Ninguém discordou da sua intenção e o pedaço de vidro foi assim emoldurado, vazio de cor, vazio de vida.

Nunca ninguém ousou dizê-lo em voz alta, contudo, a verdade é que todos pensaram que ele fora o único que conseguira reproduzir fielmente o que lhe ia na alma: nada.

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Uma das únicas coisas que Tom lamentou verdadeiramente foi ter de deixar Hogwarts. Esse sentimento era tão forte que insistia em estar inscrito em cada traço da sua face, para que todos o pudessem ler, sem qualquer dúvida.

Era algo que pendia sobre si, ameaçando vergá-lo, pela primeira vez na sua vida. Contudo, ele era Lord Voldemort e Lord Voldemort não se deixaria abater por uma tão fraco sentimento como a saudade. Não, sobretudo depois de ter dado o primeiro passo no caminho para a imortalidade.

Assim, Tom Riddle – agora Lord Voldemort – deixou a sua casa sem olhar para trás, com o anel de Slytherin no dedo e um vidro – agora estilhaçado – no fundo da mala.

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O quadradinho de vidro, outrora lascado e baço, era, agora, marcado por sete cicatrizes. Sete estilhaços, apenas unidos pelo poderoso feitiço que ele lhes aplicara, sem razão aparente.

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Um dia, um dos estilhaços soltou-se do conjunto, acabando por cair nas mãos de Ginny Weasley.

Ele questionou-se arduamente sobre o porquê de aquilo ter sucedido. Não acreditava que tinha sido obra do destino, nem tão-pouco o resultado de um erro seu. Não, tinha de haver uma razão para aquela criatura tão insignificante ter recebido tamanha honra.

Só mais tarde compreendeu que Ginny andava sempre com as mãos estendidas, esperando que algo se depositasse nelas.

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A garotinha era, além de insignificante, ingénua. Não estaria ela consciente de que, se fechasse a mão em torno do estilhaço, este acabaria por feri-la? Não saberia ela que, se continuasse a apertá-lo, este cravar-se-ia na sua pele? Não veria que o fragmento estava tão enterrado no seu ser que nunca mais conseguiria extraí-lo?

Não, Ginny não estava consciente de nada, não sabia nada, não via nada.

Era esse o efeito que a alma de Tom tinha nas pessoas: torná-las tão vazias quanto ele.

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Tom Riddle desapareceu, Lord Voldemort morreu. Seis estilhaços desfizeram-se em pó, o vidrinho deixou de existir.

O que restou, então?

Nada?

Não.

Algures no coração de Ginny, um fragmento ainda subsistia, cravando-se cada vez mais fundo, impedindo que ela se esquecesse de que, um dia, Tom deixara cair um pedaço da sua não-alma nas suas mãos carentes e que, se Harry não tivesse reduzido a pó o resto dos estilhaços, também ela acabaria por se estilhaçar, reduzindo-se a outro nada.


N/A: Fic escrita para o projecto Pandora da nossa secção Gin'n'Tonic do 6V, após muita luta.

É diferente daquilo que estou habituada a escrever em TG, por isso, não sei se faço bem ou não... mas vou dedicá-la à Miss Krum (L).