Fanfic feita pro desafio de Natal!

Tem poucos capítulos e é simples, mas fiz com carinho.

Música: Black Balloons – Goo goo Dolls

Tema: Natal.

Subtemas: Hospital, família, presente de última hora.

Querida, balões negros a fazem voar

Eu quase cai dentro daquele buraco em sua vida

E você não está pensando no amanhã

Porque você era a mesma que eu

Mas em seus joelhos

Como um clarão, Jane de repente se viu num hospital. Lágrimas mornas pelo rosto, escorrendo e fazendo leve cócega em sua face. Elas seguiam um mesmo caminho, uma atrás da outra, enfileiradas, até chegar ao queixo e ao maxilar, onde pingavam. Algumas no chão branco do hospital, outras em sua camisa branca mal passada. A sua frente, Hightower abria e fechava a boca. Sua língua desenhando palavras no ar. As sobrancelhas pendidas em direção ao nariz, braços cruzados e um misto de raiva e apreensão em sua testa lisa e comprida.

Jane desviou os olhos durante alguns milésimos de segundos para localizar os demais da equipe. Rigsby estava apoiado num pilar, com um copo de plástico na ponta dos dedos, evitando se queimar. Mexia os pés, desconfortável e cansado, mas agitado demais para se sentar.

Grace chorava. Tinha um terço numa das mãos e devia estar completando-o pela quarta ou quinta vez. Podia prever que se irritasse e se entregasse, em breve, a um choro mais desolado, ignorando as bolinhas e as preces.

Cho lia um jornal numa das cadeiras verdes da sala de espera. Ou talvez nem lesse. Talvez sua mente estivesse longe dali, pensando em todas as conseqüências que aquela noite podia ter.

Então Jane voltou o olhar nos olhos castanhos e furiosos como o mar em tempestade.

- É só alguma coisa dar errado que pronto! Você está lá. Lisbon está em sérios problemas, sabia? Nós já averiguamos papéis e mais papéis, e em todos eles, lá está você.

A voz dela reverberava pelas paredes vazias do hospital naquele vinte e quatro de dezembro. O relógio marcava onze horas e alguns minutos. Milhões de americanos estavam agora comendo e aguardando a chegada do Natal. Crianças esperavam ansiosas pela hora de abrir os presentes. Incontáveis sorrisos se desprendiam de rostos que brilhavam alegria, nostalgia e histórias de natais passados.

Quantos desejos estavam sendo feitos nessa hora?

Quantas preces, quantas crianças olhavam pela janela e pediam por um carro de controle remoto, um adulto que pedia por um emprego, uma mãe que pedia pela aprovação do filho na faculdade.

Enquanto isso, aquela equipe simplesmente desejava que Lisbon estivesse viva.

- Não foi minha culpa. – alegou Jane, baixo, pouco se importando se ela ia mesmo acreditar nisso ou não. Apenas precisava responder.

- É seu nome que está lá. Em toda a papelada. Patrick Jane. É na sua camisa que está o sangue dela.

- Eu sei. Mas não há nada…

- Não há nada? Como pode dizer isso?

- É tudo falso, tudo isso foi só pra realizar o sonho dela! Eu apenas apareci no momento certo!

- Acho difícil de acreditar.

Jane também não acreditava naquela história. Não mais.

Tudo antes daquele momento eram memórias estranhas. O motivo daquilo tudo, a razão de estarem naquele hospital gelado, ao invés de no calor de suas casas com suas famílias, havia começado em Maio.

Lisbon não sabia o que fazer com seu escasso tempo livre quando era agente sênior, e agora muito menos com as várias horas de folga com o novo cargo, antes ocupado por Hightower.

Depois da prisão de Red John, o caso "fazedor de carreira" a fez subir mais alguns degraus na hierarquia da divisão da CBI. Hightower também subira, e continuava sua chefe.

Jane, após chegar à conclusão de que não tinha mais nada pra fazer da vida a não ser continuar no CBI e se manter perto da única família que tinha, manteve o serviço, sendo agora chefiado por Cho, novo agente sênior.

E os casos continuavam sendo fechados. Lisbon até se sentiu estranha da primeira vez que seus agentes simplesmente saíram sem falar nada, à campo, enquanto ela ficava em sua sala particular, checando o andamento de outras investigações. Sentia falta da ação, mas não podia dizer que estava descontente. A conta bancária sorria toda vez que tirava o extrato.

Chegava em casa todos os dias por volta das cinco horas, sem problemas. O telefone não tocava mais à meia noite, ou às três da madrugada, para tirá-la da cama direto para um corpo ainda quente, com vísceras espalhadas pelo chão.

Então pode-se dizer que Lisbon estava sem saber o que fazer consigo mesma.

Jane sabia disso. Havia notado há algum tempo, desde sua promoção. No começo a percebeu radiante. Depois veio a inquietação e a sensação de não estar sendo útil. Ficava indo de um lado para o outro, e na maior parte do tempo, vinha conversar com a antiga equipe, perguntar como estavam indo no caso, e por vezes ficava horas papeando com Jane.

Depois de algum tempo, perto de três semanas, foi que Lisbon parou de passar o resto de suas tardes junto à equipe. Foi quando ela se acalmou e só passava pelo corredor para ir embora. E quando, raras vezes, vinha falar com Jane, estava mais alegre, menos estressada, como se tivesse arranjado algo pra fazer com sua própria vida.

Ele ficava feliz por ela, mas não conseguia deixar de imaginar o que havia levado-a a uma mudança tão drástica. E também sentia falta de vê-la mais vezes, como se os velhos tempos pudessem voltar.

Certa vez, e Jane se lembrava com clareza desse dia, Lisbon esquecera seu celular sobre sua mesa, e o consultor teve de correr para encontrá-la e devolvê-lo.

Porém, surpreendeu-se quando não a encontrou saindo no carro. Esperou alguns minutos até se convencer que ela não tinha deixado a CBI até então.

Voltou para o prédio e perguntou ao guarda da entrada se tinha visto Teresa Lisbon, "uma baixinha morena dos olhos verdes" passar por ali para ir embora, e o guarda respondeu negativamente.

Subiu de volta à sala dela, mas não a encontrou. Então ela não havia voltado para buscar o celular. Mais uma olhada pela janela até o carro dela, que ainda estava lá.

Decidiu que já tinha se esforçado o suficiente para encontrá-la e começou a fuçar no celular.

Certo nome aparecia algumas dezenas de vezes. Era a última ligação. "John M.".

Um sorriso se formou nos lábios do consultor. Um sorriso de escárnio. Como podia esconder isso de todos? Estava aproveitando o tempo livre pra se divertir com esse John, então?

Voltou à sala da equipe e, aparentemente, não se importou muito com a privacidade da chefe.

- John M. Vamos começar as apostas. Rico, classe média, quem sabe. Eu não diria pobre. – disse Jane, em tom de brincadeira, e exibindo o nome na lista de chamadas de Lisbon.

- Eu diria que ele tem uma Land Rover preta, cabelos castanhos e gosta de café descafeinado. Não faz o tipo dela. – riu Grace.

- De onde saiu tanta dedução? – espantou-se Jane, ainda rindo.

- É o psicólogo da CBI. – disse Cho, seco, mas com um levíssimo sorriso.

- Psicólogo?

- É, ela deve estar indo lá pra aprender a ter uma vida, agora que tem a chance de ter uma. – zombou Rigsby.

Jane ficou impressionado. Lisbon odiava psicólogos e já havia expressado toda essa raiva com sua última experiência com um, anos atrás. Talvez a CBI obrigasse seus agentes a participarem de algumas sessões quando são promovidos, pra aprenderem a lidar com a pressão. Fosse qual fosse o motivo, desta vez a terapia estava lhe fazendo bem. Muito bem, por sinal. E era lá que devia estar agora. Na sala do psicólogo.

A sensação de não saber o que se passa com Lisbon era rara para Jane. Normalmente ele a conhece melhor que ela mesma. E acaba denunciando sentimentos que a policial escondia de si até então. A grande questão é que, por essa situação mexer diretamente com o ego do consultor, era que não podia deixar de lado e simplesmente ignorar.

Então, quanto ela voltou para buscar o celular, precisava indagar-lhe sobre o assunto.

- Quem você viu morrer dessa vez? Não me lembro de matar ninguém. – comentou, em tom bem humorado.

- Oh, quem te falou? – lamentou ela, revirando os olhos.

Ele levantou o aparelho na altura dos olhos e o balançou. Então ela arrancou o celular de sua mão bruscamente.

- Você não tem o menor respeito, não é?

- Desculpe, eu não sabia onde você estava para devolver.

- E isso é motivo pra simplesmente xeretar?

- Eu descobri onde estava, então foi útil. Aliás, descobri onde tem estado. Por que o psicólogo, Lisbon? Porque a Hightower te obrigou dessa vez? Parece bem pra mim.

- Eu estou bem, Jane. E a Hightower não me obrigou a nada. Fui por livre e espontânea vontade.

- Hmm… menos estresse, menos trabalho. Não devia estar precisando de um psicólogo agora.

- Isso você nunca vai conseguir adivinhar. E como mexeu no meu celular, também não vou dizer. – deu-lhe dois tapinhas no ombro, virou-lhe as costas e partiu.

Por um tempo ele ficou irritado por não conseguir descobrir o motivo de suas idas ao psicólogo. Chegou a pensar em hipnotizar o tal John M para perguntar-lhe tudo que queria saber. Mas conteve-se. Decidiu acreditar que uma hora ou outra esse segredo acabaria sendo revelado.

E foi, na verdade, para os olhos mais atentos de Jane.

Os sinais eram poucos, mas ele já havia se preparado para prestar mais atenção que o normal. O jeito cansado nas segundas-feiras, o leve tom de irritação, os telefonemas repentinos, um andar mais solto em outras ocasiões, um sorriso sem motivo, cabeça aérea.

E, por Deus, um homem de um metro e oitenta, de bom porte, parado em sua sala, segurando um ramalhete de flores caríssimas.

Jane assistiu, achando graça, à uma Lisbon completamente atônita e ruborizada enxotar o pretendente apaixonado. Ela repetia frases como "aqui não, Philiph, some daqui!" e "Estou trabalhando, que diabos está fazendo aqui?".

A repartição toda se dividiu entre risos e olhares de pena para com o tal Philiph, que saiu sem nem ter suas flores recebidas pela mulher amada. Jane se limitou a continuar bebendo seu chá no sofá, enquanto a via atravessar o corredor empurrando o homem pelas costas. Lisbon passou depois, sozinha, sem saber onde enfiar a cara.

Agora Jane precisava fazer alguma relação entre um psicólogo e um pretendente que Lisbon certamente não amava, a julgar pela forma com que o tratara. Também havia os olhares perdidos e a expressão aérea em seu rosto, que por vezes a fazia passar por alguns constrangimentos.

As coisas não faziam muito sentido até então.

E por mais algumas semanas, continuaram não fazendo sentido.

Por exemplo, no sábado (e o incidente com o namorado de Lisbon acontecera na segunda), Jane resolveu perguntar-lhe se o que tinham era sério, apenas por curiosidade.

- Ah, não, Marvin é muito imaturo.

- Marvin? Eu achei que fosse Philiph…

Lisbon, que até então arrumava alguns documentos num armário, congelou seus movimentos por milésimos de segundos, antes de voltar a si e continuar o que fazia.

- Philiph Marvin. É o nome dele.

Mas os milésimos de segundos, que seu cérebro demorou a tomar uma providência e minimizar o erro, apontaram a mentira à Jane.

- Dois homens numa mesma semana, Lisbon?

- O nome dele é Philiph Marvin, Jane. E agora volte ao seu trabalho.

Dois homens, um psicólogo, e uma Lisbon por vezes irritada, cansada. Outras, alegre, jovial e sorridente.

O que uma coisa tinha a ver com a outra?

A questão é que, em Dezembro daquele ano, Jane se lembrava de todos esses casos e isso fazia seu sangue ferver perante Hightower. Como se ela tivesse algum direito de acusá-lo de alguma coisa. E justo naquele momento, quando Lisbon corria risco de vida, justo agora ela vinha lhe dizer coisas que não faziam o menor sentido. Coisas que, se fossem verdade, talvez tivessem evitado tudo o que estava acontecendo.

- Lisbon saiu com dezenas de homens por muito tempo, isso não teria acontecido se ela tivesse…

- Seu nome está nos papéis, seu grande mentiroso. Está tudo documentado. Você escondeu isso esse tempo todo!

- Meu nome está em que papéis? De inseminações? Se ler direito, vai ver que não tem como provar nada. Eu não escondi nada! Lisbon escondeu! Não fiz nada de errado, não fui contra regra alguma!

- Ela está morrendo e a culpa é sua! E consegue estar sem um pingo de culpa!

- Não me venha falar sobre culpa!

- Escondeu que teve um caso com ela!

- Não tive um caso com Lisbon! – ele bradou, e uma enfermeira o encarou irritada, pelo barulho que fazia – Não tive, em momento algum, qualquer tipo de relação com ela!

- Porque tudo que você diz é tão difícil de acreditar, Patrick Jane? – ela perguntou, negando com a cabeça, em decepção.

- Acreditar ou não em mim não vai salvá-la.

- Mas vai te demitir.

- Acha que eu me importo com esse maldito emprego?

- Não. Sempre achei que só estava lá pra ficar perto dela.

- Eu queria protegê-la. Isso não tem nada a ver com qualquer tipo de relação que…

- Pare de achar que sou idiota, Patrick Jane. – ela insistia em chamá-lo pelo nome completo. Um péssimo sinal – Seria ótimo se simplesmente admitisse.

- Quer que eu admita algo? Admito que sinto algo por Teresa Lisbon. Mas não admito que diga que tive qualquer tipo de relação com ela!

Isso era verdade.

Aliás, tudo o que Jane dissera era verdade. Dolorosas verdades que os traziam àquele ponto melancólico, aquele dia mórbido, aquele natal triste num hospital, sem poder fazer nada enquanto Lisbon lutava por sua vida.

Em Junho foi que Jane começou a ter uma noção do que estava acontecendo com sua chefe.

E foi meramente por acaso. Ouvira-a combinando de sair com um homem aleatório chamado Mark alguma coisa. Não pareciam meros amigos, definitivamente. Ela estava realmente "saindo" com ele.

Nesse ponto, Patrick achou que era hora de ter uma dessas conversas sérias, das quais ela não podia fugir apelando para uma brincadeira por parte dele. Não que a situação o incomodasse muito. Era mais pela curiosidade em relacionar encontros, psicólogos e sorrisos esparsos no dia.

- Lisbon, eu sei que isso não é da minha conta. Mas… nas últimas três semanas eu reparei que saiu com pelo menos quatro homens diferentes.

- Tem razão. Não é da sua conta.

- Lisbon, eu não quero criticá-la, nem invadir sua privacidade. Só quero entender o que mudou de repente que a fez querer sair com tanta gente. Quero dizer, você os trata como se não fossem seus "namorados". É como se estivesse sendo obrigada a sair com eles, e nesse quesito, sou obrigado a me envolver. Não gostaria de saber que está se sentindo pressionada a, por exemplo, ter um relacionamento firme.

- Não estou.

- Então?

Lisbon revirou os olhos e cruzou os braços. Estavam em sua sala. Ela pediu que ele fechasse a porta e sentou-se em sua cadeira. Jane ficou observando ela tomar coragem para falar.

- Que fique claro que só estou te contando isso porque não quero que pense que sou uma vadia ou coisa parecida.

- Eu jamais pensaria isso.

- Então não preciso te contar. – ameaçou Lisbon.

- Mas nunca se sabe, não é? – disfarçou Jane, para fazê-la falar.

- Bem… - ela suspirou, apoiou os cotovelos na mesa e então voltou a encará-lo. – Tenho trinta e cinco anos. Estou solteira. Tenho tempo livre. Digamos que… eu não queira mais ficar sozinha tanto tempo.

- Está procurando um marido então.

- Não! – ela negou, como se isso fosse ridículo – Eu quero uma criança.

- Uma criança?

- Um filho, Jane. Fui ao psicólogo porque comecei a ter esses pensamentos, essas necessidades de mulher de trinta anos. Eu ficava sonhando com uma gravidez, com um bebê nos meus braços – e então ela fez aquela expressão perdida, e ele entendeu no que ela pensava toda vez que ficava aérea – e uma criancinha me chamando de mamãe.

- E todos esses homens são candidatos a pais?

- A minha idéia era ser mãe solteira. Inseminação artificial é uma coisa muito cara, e então comecei a sair com algumas pessoas, conhecê-las, saber mais sobre elas. Sem me envolver. Pra então tentar uma gravidez. Daí eu terminaria com o cara e sumiria da vida dele.

- Esse era seu plano?

- Sim…

- E eles não sabiam que você pretendia engravidar deles?

- Não.

- Que cruel.

- Ah, obrigada, me sinto melhor agora.

- Já chegou a tentar efetivamente?

- Não. Sei lá. Não consigo ver nenhum deles como pai pra um filho meu.

- Compreensível. Bem, boa sorte.

Jane não estava muito feliz em saber dessa história. Não aprovava essa atitude de modo algum. Ter perdido uma filha fez com que ele sentisse repúdio da idéia de uma mulher dormir com ele e então sumir, pra criar um filho dele a distancia, sem que nunca soubesse que a tinha engravidado.

Mas mesmo não tendo gostado, essa história não saiu de sua cabeça naquela noite.

Uma oportunidade estava sendo criada. Uma oportunidade impossível de se deixar passar.

Então, após uma semana com esse assunto na cabeça, e observando Lisbon chamar outro homem qualquer para sair, ele finalmente decidiu que já tinha pensado demais nisso e estava pronto pra dar uma conclusão à Lisbon.

Nesse momento, o destino foi traçado.

O destino que os trouxe àquele dia fatídico de vinte e quatro de Dezembro.

Continua.