Consciência
Um corpo nu e sem vida permanecia no chão, que vagarosamente se tingia de um grosso vermelho. O fluído corria livremente em busca de outro abrigo, não mais o corpo; mas o lençol branco. A carne cortada, os olhos de vidro, a boca, o cabelo claro; tudo tão puro, se mesclando ao vermelho.
O vento, uma hora ou outra, dava seu sinal. Percorria a nudez pálida do morto, avisando da noite que corria fria.
Tudo era apreciado como se tratasse do último ato de uma peça teatral; uma peça em que o tema fosse o fim da vida. E como num verdadeiro teatro, essa noite alguém preferiu fazer o papel da morte. A doce morte que chega sorrateira, sorridente.
Assistia a cena deslumbrado. Quem disse que fatalidades não são belas?
E como aquela era.
- Alguém deveria dar parabéns ao seu empenho.
O pequeno feixe de luz bailava no seu perfil, esquadrinhava a magreza, os pés descalços, o jeans, a camisa.
- Não, não basta ser alguém. Quero ouvir a boca dele pronunciar os parabéns.
A camisa se dividia entre o branco e o vermelho.
- Isso ele nunca vai dizer, ele não reconhece seu esforço.
Fez sinal negativo, deixando o olhar se afincar cada vez mais no seu pequeno teatro.
- Mesmo que ele não diga, ele reconhece. Eu sei disso.
Houve a firmeza na voz e na convicção.
- Mas mesmo assim, sabe que não passa de uma cópia.
Cópia? Preferia dizer semelhança.
- Ele vai reconhecer. Mesmo que forçadamente, ele vai.
A insanidade e o riso vieram de mãos dadas.
- A verdade é que você sempre foi melhor que ele. Uma cópia melhor.
O escárnio se agarrava aos poucos.
O farol e o barulho de um caminhão preencheram o quarto. Revelou a mão e a face sujas.
Sujas de sangue alheio.
Logo, o quarto voltou à penumbra; deixando o assassino só.
- Claro, claro que é melhor que ele! E quando você o ver; ele te dirá que é uma cópia de belos olhos.
O sadismo marcava sua presença sutil.
- Uma cópia dele.
Sentiu um arrepio subir o corpo. Não pelo frio, não pelo cheiro acre, mas por excitação.
Era excitante imaginar ele. Era excitante olhar pra si mesmo e enxergar ele, agir como ele.
O quanto importava se era uma cópia?
Mas era uma cópia daquele que mais desejava, daquele que por algumas vezes pode deitar ao seu lado. E naquele tempo podia tocá-lo, podia senti-lo. Podia e o fazia.
E em um belo dia acordou e não o encontrou ao seu lado.
Ele foi seguir a justiça, foi prender criminosos, foi praticar o bem, foi ajudar o mundo. Mentira.
Sabia que pra ele, aquilo era um jogo, uma partida de xadrez.
Uma partida de xadrez que precisava fazer parte; não sendo o peão do rei branco, mas sendo o rei negro. E não mediria esforços pra chegar frente a frente com o rei branco.
Nesse dia, os reis serão iguais, jogando em lugares opostos.
A excitação apoderava cada célula. E junto, a insanidade, o riso, o escárnio, o sadismo e o desejo, se mesclavam como o sangue que corria fora do corpo morto.
- L veja só o que você me causa.
Agora ele ria sozinho, porque o fio da consciência havia sumido.
-
Notas: A loucura de Beyond Birthday é fascinante.
Aqui, eu apresentei um assassinato que o B cometeu, e de certo modo a consciência dele. Nos diálogos, ele fala sozinho, não há personagem secundário. E não sei se deu pra perceber isso... A explicação curta sobre a relação com o L, bom, interprete um relacionamento amoroso ou não, em que Beyond fora possessivo.
Ah, queria sugerir que a história fosse lida ao som de Placebo – Protege Mói.
Obg por ler!
