O Cervo & A Serpente

. Por Jujuba de Azevedo

"Sonho, mas não parece.

Nem quero que pareça

É por dentro que gosto que aconteça

A minha vida

Intima, funda, como um sentimento

De que se tem pudor

Vulcão de exterior

Tão apagado,

Que um bom pastor

Possa sobre ele apascentar o gado."

(Biografia, Miguel Torga)

Prólogo.

"Poderia ser a noite mais triste de minha vida, como se eu já não tivesse tido noites iguais a essa antes."

Olho o meu passado e meu futuro. Ele pode ser contado através dos rostos que, agora, sorriem de películas encantadas em molduras de pratas que se espalham pelo longo corredor de minha "modesta" casa - bem básica - o terreno conta aproximadamente novecentos e cinqüenta metros quadrados. O que são mais de quarenta quartos? Três andares. Tudo isso sobre uma verdejante colina, permitindo uma visão privilegiada da cidade misteriosa onde nasceu Anne Rice; por onde andou meu personagem predileto, o vampiro Lestat.

Da varanda do meu "pequeno" quarto, posso ver a vivaz cidade de Nova Orleans, suas luzes; sua música, as danças, o cheiro das centenas de pratos preparados nos restaurantes sobem em uma névoa de aromas que, às vezes, confundem os meus sentidos.

O vodu. As crenças africanas são muito enraizadas nessa cidade trouxa. "Pobres tolos que pensam saber alguma coisa sobre magia."

Mas voltemos para os rostos nas paredes. São meus avós, tios, tias, primos... "Família."

Mas sabe o que realmente vejo? Um desfile fúnebre.

Minha família? Não passam de rostos mortos que me assombram durante a noite, lembrando-me de como é pesado ser um dos últimos.

Quem eu amo? Eles sempre morrem e não há nada que eu possa fazer para impedir. E tudo que me resta no fim dessa trágica exposição, é um irmão desmiolado, um basilisco, tios excêntricos, silêncio, vazio, tristeza... E muito ódio.

Permitam que lhes conte quem eu sou e quem é minha família.

Viajemos ao passado pelos olhos dos que morreram e me fitam de suas molduras na parede.