As imagens estavam distorcidas, eu não conseguia ver nada com clareza. Forçava meus olhos e corria. Corria até meus pulmões não suportarem mais. Quando finalmente desabei no chão vencida pela dor que percorria todo o meu copo, a minha visão ficou nítida e pude ver uma fila de pessoas entrando aos berros para o fogo. Rue, Cinna, Madge, Mags, Finnick, Boggs, Prim, meu pai, e outros tantos desconhecidos que não pude salvar, gritam meu nome, gritam por ajuda. Tento fazer com que as minhas pernas bambas se levante e tento correr. Mas não consigo, tem algo me segurando, uma mão fria em meio a todo o calor das chamas. É o presidente Snow, que ri alto enquanto a fila na minha frente vai virando cinza. Me solto dele, mas de uma maneira que não consigo ver, ele salta a minha frente e se atira no fogo e tudo explode. Sou jogada pra trás violentamente e olho para os lados em busca de ajuda, mas só o que eu vejo é Gale segurando Peeta que quer me atacar. Grito para que Gale me ajude, grito para Peeta parar, mas ninguém me ouve. Grito o mais alto que posso e de repente estou no escuro do meu quarto.

Foi só um sonho, penso.Isso não foi real… penso tentando afastar o terrível pesadelo da minha cabeça. Mas as cenas são tão reais… Prim… Sinto o meu rosto arder e meus olhos se encherem de lágrimas. Mas eu não quero chorar. Um dia vou ter que aprender a conviver, por mais difícil que seja. Percebo que se eu levantar, se eu andar pela casa ou se eu falar vou cair no choro. Então me cubro até a cabeça apesar de estar suando e tento pensar em nada.

Não consigo mais dormir, depois de passar uma hora enrolada no lençol molhado e estar sob o controle das minhas lágrimas, me levanto e vou tomar um copo de água apenas para passar o tempo. Essa casa é tão grande, e minha mãe e Prim estão por toda parte… Volto para a cama e penso como os dias estão insuportáveis. Penso em Peeta. Penso em como seria bom te-ló aqui, para me acalmar. Penso nos seus braços, como eu os considerava meu refúgio. Penso no antigo Peeta. Penso em Gale, na minha mãe, na minha irmãzinha e todos os pensamentos que eu consegui me livrar por cinco segundos estão de volta.

Não consigo ficar dentro dessa casa. Pego minha flecha e saio, sem nem ao menos saber aonde vou.

- Aonde você vai? - disse uma voz que eu reconheceria em qualquer lugar.

- Não sei - respondi sincera. Peeta estava sentando no degrau que separava a varanda da porta de sua casa. - Caçar talvez… - minha voz soa um pouco rouca já que não ando falando muito nos últimos dias.

- Você caça bem, e foi isso que nos ajudou na arena. Verdadeiro ou falso?

- Verdadeiro - Peeta ainda precisa desse "jogo". Na verdade, todos precisam.

Ficamos em silêncio e como já não sei mais se devo andar, sento no calçada. Olho para Peeta e ele está me olhando, por um segundo, desvio o meu olhar do dele e lembro que antes era ele quem fazia isso.

- Você não conseguiu dormir? - pergunta ele.

- Eu nunca mais conseguir dormir pra falar a verdade.

- Os pesadelos… Eles nunca se vão. Como é que conseguimos lidar?

- Eu não consigo - desabafo. - Não quando…

- Não quando…? - quis saber Peeta.

Pondero por um momento. Não há motivos pra esconder o que eu sinto, mas e se ele sair do controle e tudo ir por água abaixo? Esse era uns dos meus medos também.

- Não quando você não está lá comigo - Não há porque esconder isso dele, e ele parece bem, pelo menos agora.

Ele fica em silêncio por um momento e depois dá um sorriso de leve.

- Na escola eu achava que você não gostasse que alguém chegasse perto de você. Eu lembro disso.

Isso me pega de surpresa e penso nos seus olhos me encarando em todos os lugares. Não esperava por esse tipo de comentário, e isso me faz dar um sorriso pro escuro. Eu não sorria a tanto tempo que minhas bochechas doem, mas a sensação é boa. É mais uma daquelas sensações que Peeta me proporciona. Minha resposta é um novo silêncio.

- Vou entrar - olho pra ele, e apesar de estar um pouco longe, eu consigo ver uma expressão de dor em seu rosto. Imagino o que está se passando na mente dele e sinto o comum aperto no coração. Percebo que a única coisa que gostei em meu sonho foi Snow queimado. Porque até mesmo no silêncio Peeta era uma companhia agradável, mas agora o silêncio gera um conflito dentro dele. Por sorte, não sempre.

- Já? - pergunto baixinho.

- Boa noite, Katniss - ele vem até onde estou sentada e me dá um beijo na testa. Esse ato vindo de livre e espontânea vontade de Peeta faz com que meu corpo se arrepie inteiro. Ele se vira e vai embora, me deixando com um sorriso que a muito tempo não aparecia em meus lábios.