Água pingava pelo chão de madeira pútrida do palco enquanto ela se debatia aos olhos de dezenas de curiosos insanos.

Fios dourados feito ouro desenhavam circulos de voltas e mais voltas na água agitada envolta do rosto deformado pelo desespero da garota confusa atrás do vidro.

Era mágico observá-la gritar por ajuda e ver suas palavras se transformarem em bolhas de ar e horror, suas mãos já pálidas e enrugadas baterem no vidro em um gesto compulsivo e inútil para se livrar da água que invadia-lhe os pulmões sofridos.

Toda desatenção fluiu para fora daquele teatro, pois todos olhos estavam voltados para o palco, absortos e embriagados.

Beirava a obscenidade, aquele suspiro inútil de lábios tremeluzentes emergidos por água tão cristalina quanto o vidro que a aprisionava. Ergueu as mãos mais uma vez para o topo do tanque, como se acreditasse mesmo que seria capaz de sair, e as primeiras gotas de sangue se misturaram à água.

Fora rápido e praticamente indolor. Mas ela sentiu quando a lâmina decepou-lhe os dedos e inundou sua mão com um calor conhecido assim que se pendurou na borda do tanque.

Ao som de uma tecla após a outra formou-se uma melodia pesada e desconfortante. Mas que ninguém parecia realmente ouvir. Estavam todos da platéia concentrados no último movimento, na última golfada. E morte.

A morte tomou posse do corpo imerso enquanto a vida a deixava rapidamente e parecia passar pela água, atravessar o vidro e propagar-se por sobre a platéia como uma nuvem agourenta.

Todos levantaram-se, todos tentavam tocar aquele espectro de vida, tentavam tateá-la, agarra-lá a qualquer custo e trazer seu calor junto ao corpo, mas não podiam. Passava por entre os dedos, desvencilhava-se de qualquer artefato e flutuava para longe.

Eles nunca a pegariam. Nunca. Pois estão todos mortos.

Era visível para quem quisesse se virar: na última fila uma menina se juntara a platéia. Cabelos loiros e vestidinho azul de bailarina. Ainda estava molhada, seus cabelos pingavam e seus dedos - os pedaços de carne e pele flácida que sobraram deles – sujavam o azul desbotado da borda de sua saia de vermelho.

Observou seu corpo ser retirado do tanque posto no meio do palco mal iluminado com os mesmos olhos com que viu a próxima vítima ser afogada.