História feita em conjunto com meu amigo/irmão/champz/parceiro dos tuts tuts/João-imouto-chan.

PRA OCE, MEU LINDO DIVO DO CAMPO ROSTINHO DE PORCELANA COM NUTELLA


A passagem da primavera para o verão no quentíssimo ano de 1940 era insuportável.

O abafamento do ar, as gotículas de suor que escorriam em todos os habitantes do país, a sensação de mal estar e náuseas humana e animal faziam daqueles dias, semanas, um espetáculo de perfeito horror: Quem dera, já houvera mortes por esse clima.

Entrementes, num certo dia no qual os enjoos e leques de damas batiam sem parar, em busca de um refresco, duas pessoas estavam sentadas numa sala. Uma delas, contendo um sorriso deveras doentio segurava um livro grosso e desgastado, enquanto a outra, mais controlada e reservada, permanecia parada, de pernas cruzadas e parecendo esperar algo.

"Este livro é doente. Vai lhe fazer sentir arrepios de medo, e um frio até desejável em seu estômago".

"Não me importo. Continue."

A mulher, aumentando seu sorriso estranho, abriu numa página amarelada e precisa o livro. Correu seus dedos finos e meio amarelados nas páginas de mesma cor, e sentindo o papel há muito úmido e fino, e parou seus olhos azuis sujos no primeiro parágrafo que chamou a sua atenção. Pausou sua observação e levantou o rosto para o ser mais jovem.

O garoto em sua frente a encarou, indagativo por não ter recomeçado a leitura, e fixou em sua expressão uma ansiedade por mais. Suspirando um tanto mais forte do que o normal pedia, a mulher balançou os limpos cabelos pretos que possuía e pousou sua total atenção na história que narraria a seguir.

"Quando os relógios ainda não podiam cronometrar devidamente a suja rotina dos homens, - começou, com o timbre suave titilando com um riso abafado - Um par de sapatos brilhantes e negros passeou por a extensão inteira de uma rua. Produziu estalidos no esfalfo quente e recém molhado, arranhou a sola por alguns momentos certeiros e pisou em muitos seres vivos indignos de atenção.

"Esses mesmos pés, tão desconhecidos quanto seu dono, o guiaram até uma soleira de porta, mal iluminada com os restos de uma lamparina à óleo. Subiu os degraus que rangeram sob seu peso e lentamente, sem presa, chegou até a porta e não bateu-a.

"Tirou de algum lugar uma espingarda de cano duplo e explodiu a fechadura, logo após empurrando um com pé a porta machucada e entrando no corredor escuro e com cheiro de mofo. Não houve nenhum ruído à sua presença. Nenhum grito de terror, nenhum pedido de socorro nem um riso de boas vindas nem um resmungo de protesto. Tudo permaneceu num intacto e calmo silêncio.

"O dono dos sapatos brilhantes girou para um lado e começou a subir uma escada velha e fedorenta. O som de seus passos foi abafado pelo carpete com várias camadas de pó. O farfalhar de suas roupas escuras não poderia ser jamais ouvido pois ele movia-se com elegância e displicência, parecendo alheio a apenas focado em um destino que ele previra e não desviaria.

"Parou, então, numa porta fechada e arranhada. Os cortes longos, pequenos, finos e grossos feitos na madeira clara poderiam surtar em olhares desviados de outros, pois eram devidamente desconcertantes. O ser dos sapatos brilhantes, porém, não sentiu-se afetado e nem prestou atenção naquilo: Seus olhos de gelo azulado observavam a fechadura, que estava sendo inútil pois a porta, maltratada, estava aberta. Mas quando o homem, levando uma mão despida de calor para a porta, começou a afastá-la para a parede para poder o observar mais adentro, -" A mulher fechou o livro diante de uma expressão chocada de seu ouvinte.

Ela se levantou de sua poltrona de veludo vermelha, foi até uma mesinha mais próxima, rapidamente pegou a lamparina mais acesa, deixou cair o livro e quebrou-a nele, cada pedaço, com o óleo ainda quente escorrendo para as páginas do livro e o inflamando.

No fogo borbulhante, no grito do garoto atormentado pela cena, a mulher se virou, as chamas reproduzidas em seus olhos de gelo azulado e abriu o sorriso mais doente, sujo, nojento e horrível de todos os tempos.

"Se quer saber o final do livro, eu posso lhe contar. Só que pra isso, você, todos, ninguém estarão a salvo: Todos entrarão na história e seguidamente, sem falhas, irão morrer."