"Você vive hoje uma vida que gostaria de viver por toda a eternidade?"(Friedrich Nietzsche).
Havia uma ampulheta em cima da mesa do professor, que marcava os quarenta e cinco minutos em que transcorria a aula de preparação de novos aurores. Faltava pouco para que todo o conteúdo da parte de cima do objeto estivesse na sua base. O professor, um senhor muito magro e de aspecto doentio, apontava um dedo fino para o quadro negro e explicava sobre a importância da psicologia na hora de desvendar os segredos das artes das trevas.
- E é sempre importante verificar a ficha dos inimigos. – Ele disse, os alunos já não tão interessados na palestra. – Pois se nos dados dele constar que ele tem problemas mentais, lançar um Cruciatus pode ser pior que uma maldição da morte, e talvez um Inarcerus não resolva. Por isso...
Mas as areias azuladas da ampulheta chegaram ao seu destino antes do professor anunciar o fim de sua frase, e os alunos levantaram rápido dos seus lugares.
- Esperem, esperem, tenho um trabalho para vocês! – Trancou a porta com um feitiço. – Não saiam ainda! E não adianta reclamar, vão reclamar quando o perigo estiver à vista? – Todos calaram seus muxoxos indignados e voltaram aos seus lugares. – Muito bem, vocês sabem que o fim do curso vem se aproximando, e vocês precisam ter um trabalho de campo na área da psicologia. Fará bem a vocês se entrarem em contato com algumas pessoas em situações diferentes, como presos, doentes, pessoas que enfrentam diariamente as dificuldades do mundo bruxo e até do mundo trouxa. O trabalho de vocês será voltado totalmente ao reconhecimento de aspectos intrigantes da personalidade das pessoas com quem vão conviver. Vou sortear um lugar, que pode ser de Hogwarts até Azkaban. Vocês terão um prazo para visitá-lo e relatar o modo de ser e agir das pessoas que indicarei à vocês. Bem, vamos ao sorteio.
Os nervos dos alunos agitaram-se com a expectativa. Sabiam o quanto era difícil conseguir um diploma como auror, e esse último trabalho seria crucial para suas notas. Alguns se sentiam preparados para qualquer missão, enquanto outros suavam frio e tamborilavam os dedos na madeira das classes. O professor magrelo pegou duas caixas, uma com os nomes dos alunos e outra com as missões. Sandra Stuart, uma menina loira de olhos muito claros, teve a infelicidade de ser encaminhada a Azkaban, para entrevistar alguns dos presidiários. Harry Potter, o famoso Eleito, novamente foi dado como alguém de muita sorte, pois seu único trabalho era conviver com os alunos seteranistas da Corvinal, em Hogwarts. Outros alunos foram mandados a Hogwarts, e alguns aos vários setores do St. Mungus. Só faltava um nome dentro da caixa dos alunos, e apenas uma tarefa ainda não tinha seu cumpridor. E era o nome do aluno mais nervoso da turma.
- E, para finalizar... Ronald Weasley! – O homem anunciou, com um sorriso exultante nos lábios. – Que pegou uma missão bem fácil, por sinal! – Ron relaxou os ombros e se encaminhou para a mesa do professor, vendo os outros alunos guardarem seus materiais. – Vejamos, vejamos... – O mestre sussurrava enquanto anotava o nome do ruivo ao lado de sua missão. – Ah, sim! Você vai visitar um orfanato, senhor Weasley! – Ele disse, abrindo os braços em sinal de felicidade. Mas o garoto não parecia enxergar a vantagem da sua missão.
- O quê? – Perguntou, perplexo. – Quer dizer, vou ter que ir a um orfanato observar o comportamento de crianças trouxas?
- Não, claro que não! – Respondeu, rindo. – Você vai até lá, dizer a essa linda menininha... – Entregou a Ron uma folha, onde o nome "Isabela Mariotti" vinha como cabeçalho. – Que ela é uma bruxa! E, claro, levá-la para comprar uniformes, materiais... Ela faz aniversário amanhã, espero que possa visitá-la!
- Mas no que isso pode ajudar? – O ruivo perguntou, sem poder segurar a língua. Não conseguia enxergar perigo em uma menina de onze anos. Até agora.
- Oras! E como Voldemort foi descoberto? Ele não era um órfão? - O professor perguntou, suas sobrancelhas erguidas. – Você já sabe os traços psicológicos dos bruxos das trevas, Weasley. E eles se manifestam cedo. Quem sabe a pequena Mariotti seja uma futura Lady Voldemort? – O homem riu da própria pergunta e segurou sua maleta. – Te vejo em uma semana, rapaz! – Deu um tapinha amigo no ombro do garoto.
Harry esperava-o na porta para irem juntos à Toca. Ron já morava sozinho há seis meses, mas jantava na casa dos seus pais todos os dias, pois era um péssimo e preguiçoso cozinheiro. Já o moreno morava com Ginny desde seu casamento, no último outono. E sua opinião sobre o amigo era a mesma que todos tinham, e se resumia a um termo pequeno e simples: Ron precisava de vergonha na cara. A primeira vez que essa afirmação veio à tona foi através de Hermione, que disse isso antes de ir para a Espanha. Talvez ela tivesse dito isso porque ele riu quando ela anunciou que iria rodar o mundo para reivindicar em prol dos elfos domésticos. Talvez tenha dito por ele ter terminado o recente namoro dos dois, alegando querer aproveitar a vida.
E por mais que todos lhe enchessem os ouvidos, o jovem Weasley não parecia se importar. Era muito novo – vinte e dois anos – e precisava vivenciar experiências diferentes. Não podia ficar preso a nada. Porém, o desapego lhe causava preocupações. Tinha medo de acordar um belo dia, cheio de disposição, sentindo-se renovado, mas o espelho entregar milhares de rugas em sua face e cansaço em seus músculos. E olhar em volta para descobrir o pior: Estava sozinho.
O perfume inconfundível de pudim de rins espalhava-se por todos os cômodos da casa dos Weasleys, e todos os familiares encontravam-se na mesa de jantar. Fleur amamentava Sabrine, sua pequena filhinha de dois meses.
- E ela não incomoda muito. – Bill comentou, enquanto saboreava a comida. – Chora só quando tem cólica. Não é, minha princesa? – A pergunta foi dirigida a menininha no colo da veela.
Molly parecia encantada com o amor que o filho nutria por Brine, mas Arthur e os outros rapazes achavam graça. Para fazer Harry parar de rir, a matriarca perguntou:
- E vocês, Harry e Ginny? Quando vão me dar um neto?
O moreno engasgou com sua cerveja amanteigada. Ron lhe deu tapas nas costas até que o garoto, de olhos muito arregalados, se recompôs.
- Por que o susto, amor? – Ginny perguntou, fazendo voz de bebê. – Eu quero um!
- Peça para o Ron! – Harry rebateu, com a voz franca, deixando todos surpresos. – Ele vai amanhã a um orfanato. Quem sabe não traz um neto para você, Molly?
Todos os presentes caíram na gargalhada. Fleur quase esmagou a filha, dobrando-se de rir. Charlie socava a mesa enquanto os gêmeos pareciam ter testado um novo produto. Ron não entendeu a graça.
- Do que estão rindo? – Perguntou, sentindo-se diminuído com o som das risadas.
- Poxa, Ronald! – Bill respondeu, enxugando lágrimas de alegria. – Até parece que você tem jeito para ser pai!
- E quem disse que não? – O garoto encolheu-se um pouco na cadeira.
- Ah, Roniquinho! – O irmão mais velho continuou. – Você não sabe nem se cuidar sozinho, imagina com uma criança!
- É como diz a Hermione, Ron. Você tem que tomar vergonha na cara primeiro! – Harry completou o raciocínio de Bill.
- Obrigado pela confiança! – Ron se levantou da mesa, ofendido. – Já vou para casa!
- Oras, querido, fique para a sobremesa! – Molly pediu, enquanto ele abotoava sua capa nos ombros.
- Como sobremesa em casa! – Respondeu, seco.
- Açúcar? – George perguntou, debochado, enquanto o irmão saía pela porta. Ron não se dignou a responder.
Em seu apartamento pequeno e escuro, Ronald conseguiu relaxar os ombros pela primeira vez no dia. Havia trabalhado a manhã toda no caixa da Gemialidades Weasley, depois teve quatro horas de aula sobre psicologia no Departamento de Aurores no Ministério. Agora isso. Sua família lhe dizendo que era incapaz de ser pai. "Ótimo!"
Mas a sua calma durou pouco. Uma corujinha cinza havia chegado logo depois dele, e esperava-o pacientemente na janela da sala. Ele foi até ela, tirando o pergaminho delicadamente da sua pata. A letra de fôrma muito arredondada denunciava o remetente da carta. E fazia meses que ele não recebia uma carta dela.
" Ron
Há quanto tempo não nos falamos! Tenho estado muito ocupada, e aposto que você também. Mas isso logo vai acabar: Estou voltando! Em três ou quatro dias, estarei aí! Avise a todos para mim?
Montes de amor,
Hermione Granger"
Largou a carta na mesa e foi pegar pena e pergaminho. Estava impressionado pela naturalidade da garota, lembrando que o tinha chamado de criança na última vez em que se viram. Ron sentiu um aperto magoado invadir-lhe o estômago quando pensou nisso. Oras, não era para tanto! Ele era um pouco negligente com certas coisas, mas...
Depois que mandou a carta para sua família, deitou-se no sofá da sala. Tinha quarto e cama, mas esta era tão pequena que não suportaria alguém do tamanho dele.
- Tenho que comprar uma cama nova... – Murmurou para as paredes. Fazia isso todas as noites. As paredes, afinal, não eram má companhia.
Dormiu pensando na manhã seguinte, quando iria ao orfanato realizar seu trabalho. Tinha que tirar a menina de lá, e ainda não sabia como fazê-lo. Mas tinha mais sorte do que imaginava. E aquela manhã mudaria a sua vida.
Estava demasiadamente quente naquela manhã de quarta feira. Quase insuportável para Ron, que caminhava de um lado para o outro em frente à porta do orfanato, tentando descobrir como faria para tirar Isabela de lá. Vasculhou os bolsos e pegou a ficha com as informações que o professor lhe deu sobre a menina.
"Isabela Mariotti
Nascida na Itália, Isabela completará onze anos no próximo sete de agosto. Ficou órfã durante a Segunda Guerra Bruxa. Seus pais e mais dois irmãos foram cruelmente assassinados por um grupo de bruxos das trevas, e ela teve sua vida salva por aurores. Mora no Orfanato Municipal de Londres – o único com recursos para cuidar da menina na época – desde então.
Poucas foram as manifestações mágicas de Isabela. Certa vez, quando recém havia chegado ao orfanato, fez uma colega, chamada Silvia Cecatto, flutuar em sua cama. As donas do orfanato chamaram um padre exorcista. Para exorcizar a senhorita Cecatto, obviamente."
O texto continuava, mas o ruivo não tinha paciência para lê-lo na íntegra. Tocou a campainha do orfanato e aguardou ser atendido. Uma velha senhora de cabelos pintados de preto, presos em um coque firme, chamou-o para entrar. Ainda que estivesse um tanto receoso, algo lhe dizia que levar a menina ao Beco Diagonal seria tão fácil quanto tirar doce de criança. Ele e a senhora atendente caminharam por alguns corredores, todos com as paredes em tons neutros e a iluminação fraca, até chegarem a uma porta alta de madeira, onde uma plaqueta indicava que aquela era a sala da diretora.
- Entre, por favor. – A senhora abriu a porta para o ruivo, indo embora logo em seguida. Ron entrou na sala fria, avistando suas janelas gradeadas e suas paredes cobertas por arquivos altos.
- Sente-se. – A voz veio do outro canto do cômodo, que ele ainda não tinha visto. Outra mulher, esta de cabelos curtos armadíssimos e roupas sociais, sentava-se atrás de uma mesa tão cheia de papéis quanto os arquivos encostados na parede. Ron puxou uma confortável cadeira preta e sentou-se. Ela lhe estendeu a mão e ele a cumprimentou suavemente. – O que trouxe o senhor até aqui?
- Bem... É... Uma menina... – Suas mãos suavam frio. Não sabia o que dizer. – Isabela Mariotti. Ela... Mora aqui, não é?
- Isabela? – A senhora perguntou, de olhos arregalados, sua pele esticada mostrando que ali havia mais idade do que aparentava. – O senhor deseja adotar Isabela? – A surpresa aparente em sua voz fez com que o jovem sentisse medo da situação.
- Não... Digo, sim... Gostaria de conhecê-la melhor, um casal de amigos me falou dela e...
- Claro que pode! – Seu tom foi alegre em demasia. – Digo, temos um serviço aqui que, se você assinar um contrato, pode passar até dois dias com a criança. – Agora a diretora exibia um sorriso quase jovial.
- Ótimo! – Ron exclamou, entusiasmado. – Parece que a senhora fica feliz que a menina ganhe uma nova família!
- Sim, estou! É que... Sabe, senhor...
- Weasley. – Ron respondeu, de prontidão.
- Senhor Weasley, ela já está há tanto tempo aqui... E Isabela é muito especial, entende. Ela parece ser diferente das outras crianças. – O sorriso já havia se transformado em um quase sussurro temeroso. – Às vezes ela faz coisas estranhas.
- Estranhas como? – Ron perguntou, um tom despreocupado na voz.
- Nada, nada muito importante! – Pôs uma felicidade falsa no rosto, enquanto procurava algo entre os papéis na sua mesa. – Ah, sim, assine aqui! – Estendeu um formulário ao garoto, que o leu e assinou. – Pronto! Então, vamos ver a menina?
Caminharam mais alguns corredores até chegar a sala de recreação. Muitas crianças corriam de um lado para o outro. Um grupo de menininhas de aproximadamente cinco anos brincava de boneca em cima de um sofá branco. Jovens senhoras alimentavam bebês. O cômodo era mais iluminado do que o resto do prédio. Ron e a diretora percorreram com os olhos o lugar. Ele, por hábito. Ela, para encontrar quem procurava.
- Ali! – Exclamou, de repente. – Venha comigo, Sr. Weasley!
Serpentearam entre algumas crianças, até chegar a um canto quase escondido, onde uma menina estava sentada em uma poltrona alta. Agarrada em uma boneca de pano, ela olhava pela janela o movimento dos carros lá fora.
- Isabela? – A senhora chamou, e a garota lentamente virou o rosto. Então, Ron a viu.
Ela tinha cabelos alourados que batiam em seus ombros, e uma franja cobrindo-lhe a testa. Era baixa e muito magra. Olhos verdes, faiscantes e intensos, enfeitavam-lhe o rosto. Mas não foi nenhum desses traços que Ron realmente reparou. Em meio a todas aquelas belezas, só teve olhos para uma coisa.
Isabela tinha sardas.
N/A:Olá! Essa fic foi escrita para o I Chall Ron Weasley do fórum 3v. Dedico ela à Salinha Bonita, que fez desse o melhor ano. E a todas as Isas, Belas, Mariottis, Cecattos e Weasleys do mundo!
