A Senhora do Castelo
Capitulo 01
A carruagem seguia pela estrada. Nela, três pessoas. Dois homens e uma mulher. Seguiam por um caminho que adentrava a parte de mata fechada, com frondosas árvores. Era o anoitecer, a pior hora para se passar por ali. Tinham que ir rápido, pois o lugar era conhecido pelos ataques de ladrões, que saqueavam a quem se aventurasse neste trecho. A região era o domínio deles. Além do saque, não deixavam testemunhas. A morte era certa.
- Rápido! Mais rápido! – gritou o guarda ao cocheiro.
- Se forçar mais aos cavalos, não irão aguentar!
- Dane-se! Não quero morrer aqui! Façam com que corram mais!
- Eu insisti que devíamos sair mais cedo! Ao raiar do dia! Droga! Iááááá! Vamooss!
O galope dos cavalos aumentou, mas os animais estavam em seu limite. Há horas corriam sem descanso algum. A mulher segurava um terço, rezava por suas vidas, que o mal não os alcançasse. De repente, uma flecha atingiu o pescoço de um dos cavalos, fazendo-o cair, tropeçando ao outro e consequentemente, tombando a carruagem. Os dois homens que iam acima foram lançados longe. A mulher deu grito, sendo sacudida dentro da carruagem. Após a queda, os homens se levantaram olhando, assustados, para todos os lados.
- Eu disse que era um erro... Eu disse!
- Cale a boca! Verifique se a senhora está viva... rápido!
- Veja por si mesmo!
Dizendo isto o guarda tomou ao cavalo vivo, desatou as rédeas que o prendiam à carruagem e o montou.
- Me irei daqui! Socorra você a mulher! Não morrerei num lugar como este!
- Não pode! Foi bem recompensado para nos proteger! Fique ou será castigado por abandonar a senhora! Sabe muito bem a importância de sua pessoa! A esposa do...
Antes mesmo de terminar a frase, outra flecha atravessou o coração do guarda. O sangue respingou na face do cocheiro, que com o susto correu até a porta da carruagem, chamando pela mulher.
- Senhora! Senhora! está viva?!
- Sim... me ajude a sair daqui...
Com um chute, arrancou a porta e a tirou de dentro.
- Estamos sendo atacados! Precisamos sair daqui! Rápido!
- Espere... preciso pegar algo de importante...
Entrou e retirou um pequeno embrulho. Onde o esconderia? Retirou um dos sapatos e o colocou dentro.
- Vamos!
Os dois correram pela estrada. Era noite de lua cheia. Contavam com a claridade lunar para se abrigarem em algum lugar e se salvarem. Quem atirou aquelas flechas não tardaria em encontrá-los. A mulher não estava acostumada a grandes esforços. Praticamente se rastejava, sendo puxada pelo homem que ia a sua frente, correndo a esmo, sem direção alguma. Ofegante, suplicou:
- Pare... pare um instante... por favor... morro por descansar... pare!
- Não podemos parar, senhora! Nos encontrarão! Tenho a missão de levá-la sã e salva ao castelo! Por favor, continue, por sua vida...
Andaram mais um pouco, e o homem avistou o oco de uma grande árvore. Vendo que a mulher dava sinais que não teria mais forças para prosseguir, resolveu se esconderem ali por um tempo. Entraram, e teve o cuidado de levá-la até o fundo do que parecia ser uma caverna de urso abandonada. Voltou para a entrada, olhando atento para os lados para ver se os seguiram. Como não ouviu nenhum barulho, voltou para junto da mulher.
- Senhora... por hora, pernoitaremos aqui. Acredito que não nos encontrarão.
- O guarda... o vi... morto...
- Sim. Golpearam no coração. Disse que não morreria ali, fugiria e não cumpriria com seu dever de cavaleiro para protegê-la, sendo que foi pago para isso. Já eu, que não sou homem de armas, fiquei e darei minha vida se necessário...
A mulher, que aos poucos se estabelecia, se comoveu com as palavras do empregado de seu esposo. Estendeu a mão sobre seu ombro.
- Não se preocupe com isso, homem. Se sente na obrigação de proteger-me, apesar de não ser essa a sua missão... Se voltarmos, será bem recompensado por sua bravura.
O homem segurou as mãos delicadas.
- Minha senhora! Não quero valor algum! Somente a alegria de devolvê-la com vida ao meu senhor será o suficiente para mim.
- Meu bom Kenosuke! Conto nos dedos homens com sua valentia e bondade. Agora faremos silêncio para que o nosso inimigo não nos encontre.
- Sim!
Permaneceram ali, até o amanhecer, que não tardou a chegar.
A manhã chegou com um silêncio assustador. Nenhum barulho de nada. Nenhum animal, ou vento. Nada. o cocheiro saiu do oco da árvore, com cuidado. Andou ao derredor. Se o que atirou as flechas estivesse por perto, já o teria alvejado, pois estava na mira, num lugar descampado, a vista. Caminhou por uma trilha, que com certeza era a mesma que percorreram fugindo. Avistou a estrada a poucos metros. Voltou correndo para acordar a mulher e saírem dali.
- Senhora... já e dia! Vamos! Escapemos daqui o quão antes pudermos!
- Sim! Vamos!
Os dois correram. Não demorou muito e alcançaram a estrada. Não era boa ideia permanecer nela. Assim que avistou uma trilha que dava para um rio, seguiram por ela. Caminhavam pela margem. Ninguém os seguia. Um alívio. Que durou um segundo. A sua frente estava o homem, um arqueiro, o mesmo que flechou o cavalo e o guarda na noite anterior. O homem assoviou alto e tão logo três se juntaram a ele.
A mulher e o cocheiro não tinham chance. Ela caiu sob seus joelhos e pediu aos céus que tivesse uma morte rápida.
Dessa vez o tapa foi bem mais forte. Deixou uma marca roxa no rosto da garota. Tudo por que assim que amanheceu não foi até o rio buscar água para o café que tinha que estar pronto antes do sol raiar. Devia deixar tudo pronto para os homens saírem para o trabalho.
- Sua inútil! Imprestável! Por sua causa meu homem brigou comigo! Não me dará presentes quando formos à cidade! Por que não faz o que eu mando?!
A mulher que gritava a pegou pelos braços e a jogou contra a parede. Estava furiosa por ter levado a culpa por não ensinar direito o dever para a jovem.
- Odeio você! Maldita hora que a trouxemos para viver aqui! Ideia daquele bastardo! Saia da minha frente! Pegue as roupas e vá ao rio lavar! Ande!
Pegou a trouxa e saiu correndo. Pelo menos ali, no rio, teria um pouco de paz. Quando mergulhou a peça, uma lágrima se misturou com a água que corria. E outras mais. Muitas. Logo chorava e não se conteve. Há muito guardava a tristeza que não cabia mais em seu coração. Porque cresceu numa família que nunca a amou? Que a faziam de empregada. Desde menina cuidava de tudo e de todos. Não teve infância. A fizeram trabalhar desde que se entende por gente. Não tinha sossego. Nem carinho. A mulher que devia ser um exemplo de mãe só lhe batia. O pai, que supostamente era o seu, nunca a defendia. Era filha só dele, lhe contaram que sua verdadeira mãe morreu ao lhe dar a luz. E por ter sido fruto de uma traição o castigo era que o homem teve que criá-la. Por isso a mulher a odiava. Sua existência recordava a traição do marido. Tinha vontade de matá-la. Mas não fazia isso. O marido tinha planos para a filha, pois estava crescendo. Daria um bom casamento. Pagariam bem, pois era uma bela jovem. Venderia a filha para um velho rico.
Rin enxugou as lágrimas com o braço e se pôs a esfregar as roupas. Pesadas roupas da família inteira. Só pedia a Deus que a livrasse dessa vida amarga que levava. Não aguentava mais tanto maus tratos. Enxugou as lágrimas, e logo ouviu algo como um gemido. Olhou para os lados. Nada. Resolveu andar pela margem do rio. Poderia ser algum animal ferido, coisa assim. Ou mesmo uma pessoa. Na margem em que se encontrava não havia nada. Então avistou o outro lado e seus olhos depararam com alguém ao chão. Atravessou rapidamente o rio na parte rasa, molhando parte do vestido. Pegou um pedaço de um galho qualquer para se defender. Não sabia qual seria a reação da pessoa caída. Poderia ser um ladrão, um bandido, ou coisa pior. Observou que se tratava de uma mulher. Aproximou devagar, cutucando com cuidado. Sem reação. Devia estar morta. Agachou e retirou com cuidado o capuz da cabeça. O traço de seu rosto era delicado e pelas vestes, tratava de uma nobre. Alguém da parte alta da cidade, onde residem os ricos. Havia sangue em sua testa. Um golpe certeiro na cabeça.
- Preciso avisar alguém. Pode ser que a estejam procurando e...
- NÃO!
Rin levou um susto tão grande! A mulher lhe segurou a perna e com isso ela foi ao chão.
- ... Por favor... lhe imploro... não... não avise a ninguém... por... fav...
Ofegante, suplicou-lhe que não fosse. Rin olhava assustada para a mulher. Podia ver claramente em seus olhos o desespero que se abateu sobre ela.
- Calma senhora! Se está pedindo, não farei...
- Por favor... não vá... ainda não... espere...
Rin rasgou um pedaço de seu vestido roto e o molhou no rio. Voltou, sentou-se ao lado da mulher. Ajeitando seu corpo, elevou sua cabeça colocando-a sob suas pernas. Apertou a peça molhada, deixando gotejar na boca da mulher. Depois limpou seu rosto.
- Está ferida! Precisa de um médico!
- Me fizeram... mal... muito mal...
- Vou acomodá-la próxima da margem e irei buscar ajuda. Não pode ficar assim!
A mulher segurou forte a sua mão.
- Espere, não vá...
- Mas precisa...
-... Insisto! Por favor, ouça, não tenho muito tempo... – respirou um pouco – meu sapato, pegue o esquerdo... depressa...
Fez o que pedia. Ao levantar parte da saia do vestido rasgado viu sangue em suas pernas, não só a golpearam na cabeça, mas também a violaram. Com dificuldade a mulher retirou de dentro um pequeno embrulho. Nele continha um envelope que estava bem dobrado e uma delicada joia. Colocou ambos nas mãos de Rin.
- Menina, ouça bem... Tem que levar este envelope... O nome e o local estão neste documento... Entregue a joia ao seu dono... Prometa-me que fará isso, por favor? Diga...
- Mas senhora... não posso, co-como... vou fazer isso? Tenho que buscar pessoas que cuidarão da senhora e levarão este pertence ao seu dono!
- Não! Não pode... Por favor, eu confio em você! Mostrou ser uma pessoa de bom coração! Não procure ninguém... Vá à cidade alta... Conte que me encontrou, ele deve saber... de tudo... não confie em mais ninguém... ele... ele...
A mulher dava sinais que não resistiria. Estava muito fraca. Rin desesperou-se. O que faria? Como ajudá-la? Quem acreditaria nela quando fosse procurar o dono do pertence? Era pobre. Da parte baixa da cidade. Onde os esquecidos por Deus sobreviviam. No mínimo acreditariam que foi ela, junto de outros, que roubaram da mulher e ainda a machucaram. Ela era uma nobre, alguém da cidade alta, onde viviam os aristocratas e os poderosos.
- Por favor... – a mulher apertava com força a mão dela - ... Me ajude, prometa... eu...
Rin olhava fixamente a mulher. Por mais um longo momento, unindo as forças que restavam, lhe confio algumas palavras e um segredo, que fizeram Rin derramar lágrimas. Em retribuição, afirmou que cumpriria o desejo dela. Já sem forças, a estranha lhe agradeceu:
- Obrigada... muito obrigado... não se arrependerá, será abençoad...
Com estas palavras, a mulher deu o último suspiro. Rin colocou a mão na boca, contendo o choro. Já não podia fazer mais nada. Ao mínimo daria-lhe um enterro cristão. Mas não poderia contar para ninguém. Voltaria para a casa e mais tarde com a desculpa de buscar mais água no rio e lenha no meio da mata, cuidaria da mulher. Fechou os olhos da morta e fez-lhe o sinal da cruz na fronte. Usou o capuz para cobrir-lhe o rosto. Com tristeza, deixou o corpo e voltou para a roupa, e depois para a casa. Escondeu o embrulho dentro do seu vestido. Ninguém saberia que estaria com ela.
- Senhora Kaede! Senhora Kaede! Uma carta! Uma carta do mestre! Senhora Kaede!
A jovem serviçal corria pela entrada principal do enorme castelo. Em suas mãos, uma importante mensagem. Tão aguardada, tão esperada.
- Senhora Kaede! Senhoraaaa Kaedeeeeeeeeeee!
A mulher surgiu atrás dela.
- Pare de gritar, menina!
- Aaaaah! Que susto!
- Mas que escândalo! Aproveita para fazer isso quando o amo e aquele chato do senhor Jaken não estão!
- Pe-perdão, senhora Kaede! Empolguei-me... mas por uma boa causa! Tenho em minhas mãos uma carta do senhor! Finalmente nós...
Tomou a carta de suas mãos num puxão.
- Finalmente nada! Dê-me isso aqui! Não é de sua alçada! Sou eu que recebo todas as correspondências do castelo. E no que diz respeito ao senhor em especial também e...
- Não vai ler?!
Kaede bufou.
- Mas que audácia! Claro que sim!
- Então?
Colocando os óculos que estavam pendurados no colo, rasgou o envelope. A jovem esticou o pescoço, pois queria saber do que se tratava também.
"Senhora Kaede,
As instruções são as mesmas da carta anterior. Siga cuidando de tudo. Em caso se alguma emergência
chame imediatamente meu irmão Inuyasha, para que resolva qualquer assunto pertinente ao castelo.
Não retornarei logo, como esperava. Devido a assuntos emergenciais ficarei fora por mais um ano".
- Santo Cristo! Vai ficar mais um ano fora!
Kaede quase teve uma síncope. Foi escorada pela jovem que lia junto com ela.
"Por estes dias, chegará ao castelo minha esposa, a Condessa de Westernlands. Comunico e ordeno a todos os
criados que a recebam como convém, obedecendo-a em absolutamente tudo.
E a senhora dou-lhe a incumbência de atendê-la pessoalmente em tudo que desejar.
Não irei tolerar nenhuma falta para com minha esposa. Esta advertência vale para todos.
Assim que se instalar, Inuyasha lhe entregará uma procuração de plenos
poderes, a qual agirá em meu nome. Assumindo tudo até o meu retorno.
E depois volto definitivamente para o lugar que eu escolhi chamar de lar.
Sesshoumaru Taisho, Conde de Westernlands."
Kaede ficou muda. O senhor havia contraído matrimônio e não comunicou nada para ninguém. E para ajudar a esposa chegaria em poucos dias.
- Pelos deuses! Teremos uma ama! Mas... como não sabíamos? Ele casou escondido? Por que não nos contou, senhora Kaede? Queria tanto ter visto a noiva... puxa...
Kaede deu um empurrão na menina.
- Coloque-se no seu lugar, Momo! Com coisa que o senhor tenha que dar satisfação do que faz ou deixa de fazer. Sua vida particular não nos interessa. Se bem que... se tivesse avisado, contado com antecedência, eu teria tempo de sobra para arrumar tudo e recepcionar a senhora como convém...
- Viu? Eu tinha razão!
- Cale-se! Não percamos mais tempo! Chame todos os criados da casa! Os que cuidam do jardim também... e... deixe pensar, céus, é muito para fazer em tão pouco tempo. Ah, o chefe da guarda! Não se esqueça dele! Vá logo sua intrometida!
- Siiiiiiiiiiiiimmm! Estou indo senhora Kaede! Ah que maravilha! Teremos uma ama! Que demais!
- Não grite! Ou a mandarei embora!
Correndo segurando as saias a jovem respondeu:
- Não pode mais fazer isso! Agora a ama é quem dará as ordens!
- Abusada... o pior que ela tem razão... com a senhora assumindo tudo já não darei todas as ordens como sempre fiz...
E entrou para dentro.
Rin entrou na casa pelos fundos. Verificou onde estava sua mãe. Bom, deveria ser. Roncava no quarto do casal. O pai e os dois irmãos só chegariam ao entardecer. Foi para o seu quarto e procurou um esconderijo para o embrulho que carregava. Tinha que ser rápida. Ninguém da família poderia descobrir seu tesouro. Dentre seus pertences continha uma pequena caixa que serviria para o propósito que tinha. Escondeu a caixa num fundo falso sob o piso debaixo da mesinha de cabeceira de sua velha cama.
- Rin! Sua imprestável! Meu almoço! Vá preparar!
A voz da mulher se igualava a de um monstro. Rin apressou-se e foi para a cozinha. Não daria chances.
- Onde estava, sua cretina?!
- Arrumando o meu quarto. Ia terminar e...
Um tapa voou em seu rosto. A mulher agarrou-a pelos cabelos e a arrastou para a cozinha, jogando-a em cima das panelas no fogão de lenha. Quase que se queima.
- Não me interessa se arruma aquele muquifo que você chama de quarto. O meu sim, deve ficar impecável. Faça logo este almoço, estou morrendo de fome, sua ordinária! Vou sair e preciso comer logo. E hoje você não come, sua vadiazinha! É seu castigo por hoje cedo, quando não buscou a água para o café, atrasando meu homem. Que me xingou e não dará meu presente quando fosse ao comércio. Anda!
- S-sim senhora...
Uma lágrima escorreu pelo rosto, mas segurou o choro. Odiava aquela mulher. Odiava aquela vida. Todo dia apanhava. Quando não era isso, tinha que ouvir o próprio pai a desmerecendo na frente de todos, não bastava o assédio do irmão mais velho, que uma noite ou outra invadia seu quarto para abusá-lo. Dizia que ela ia gostar, que era para o bem dela. A primeira vez que isso aconteceu, gritou no meio da noite, assustando a todos. Quando relatou o que ele fez, foi chamada de mentirosa. A mãe defendeu o bastardo, dizendo que o rapaz jamais faria aquilo com a doce irmã. O pai, no começo a defendeu, batendo no infeliz. Pela primeira vez ele agiu em sua honra, que durou pouco. Quando o irmão tentou de novo, já dizia que ela facilitava para ele, que era homem. Passou a dormir com tranca na porta e uma faca debaixo do travesseiro. O outro irmão era especial. Tinha nascido perfeito, mas sofreu uma queda quando pequeno, caindo do colo da mãe, que estava bêbada na ocasião. Não levaram o menino ao medico, e foi crescendo, como um retardado. Era o único que tratava Rin com carinho. Só em raros momentos quando estava com ele, que tinha um pouco de paz.
Logo o almoço ficou pronto e a mulher saiu, dizendo que só voltava à noite. Rin cuidou dos afazeres da casa. Não deixou nada para trás, para que a mãe não se irritasse e batesse nela de novo. Seus pensamentos estavam voltados para a mulher que tinha encontrado na margem do rio, e que morreu em seus braços. As palavras dela, misturado ao desespero, a promessa que fez ao ouvir o pedido dela. Precisa voltar e enterrar a mulher. Quando estava na porta levou o maior susto ao se virar. A família toda estava ali.
- Onde pensa que vai? – perguntou a mãe.
Tinha que pensar rápido. Será que a descobriram?
- A-ao rio... Terminar de lavar a roupa...
- Não precisa mais, minha filhinha! Meu anjo! De hoje em diante você não faz mais nada nesta casa. Será tratada como uma princesa!
Rin recebeu um caloroso abraço da mãe. O pai e os irmãos também estavam estranhamente felizes.
Entraram e todos sentaram à mesa. O pai de Rin pegou sua mão, sorrindo o tempo todo.
- Filha, eu sei que cometi muitas falhas com você... te criei do meu jeito, com as posses que tenho, mas você é a minha única filha... e eu tenho que cuidar de você e nisso eu não posso falhar.
- Papai, eu...
- Não! Deixe-me falar. Hoje sua vida vai mudar e...
O irmão mais velho deu um pulo, assustando a todos com um grito!
- Você vai se casar, irmãzinha!
O pai deu-lhe um soco que o mandou direto ao chão.
- Cale a boca, seu bastardo! Eu é que falo aqui – voltando-se para Rin – Filha... a partir de hoje você está noiva do senhor Kuroda, aquele do comércio central, dono da estalagem e do matadouro. Já cuidei de tudo, você casa em uma semana.
Rin congelou. Casar? E com um velho? Aquele senhor Kuroda, que tinha fama de ser um pervertido. Sua modesta estalagem nada mais era do que o principal bordel da cidade baixa, onde prostitutas e mulheres que não tinham mais opção em suas vidas serviam a todo tipo de homens. E o matadouro? Aquele era o local de abate de animais mais cruel que se existia no mundo. O comércio central, uma taberna onde crimes eram encomendados. Casada com um tipo daqueles. Não teria vida. Seria uma escrava dele, sem direito a nada.
A mãe a tirou dos seus pensamentos.
- Agora saiam. Eu e Rin precisamos conversar coisas de mulher. Sumam seus pestes!
O pai a abraçou e deu-lhe um beijo na testa.
- Não se preocupe, meu pote de ouro! O senhor Kuroda adiantou uma boa parte do seu dote. Com isso podemos ver o quanto nossa vida vai mudar para melhor!
O pai a havia vendido como se fosse uma mercadoria.
Os homens saíram da casa, brigando com o que fariam com o dinheiro. Rin estava em choque, não emitiu som algum, até que a mulher a puxou para o quarto do casal.
- Filhinha! Aqui em casa você não faz mais nada. O senhor Kuroda exigiu que só descansasse para ficar linda na noite de núpcias para ele. Pediu que eu lhe ensinasse umas coisinhas que ele me revelou que gosta numa mulher... coisas que se faz na cama... hum... vai adorar! Até eu fiquei com vontade de fazer com ele! Ai que calor me deu! Não conte nada a seu pai! Hahaha!
Enquanto a mulher vomitava os gostos nojentos de seu noivo, Rin continuava em choque. Sua cabeça ia explodir. Pediu a Deus que sua vida mudasse, mas não dessa forma. Torna-se a esposa de um cafetão, assassino e bandido, fora outras alcunhas que poderia dar a seu futuro marido. Isso não seria vida e sim, um inferno. Precisa fazer algo para sair deste pesadelo. Salvar a própria pele. Não se submeteria a isso nunca.
- Rin! Rin! Entendeu, sua cretina?!
Ela saiu do transe que se encontrava e concordou.
- Sim... sim, vou fazer tudo... como ensinou...
- Que ótimo.
Levantou-se para ir ao seu quarto pensar em algo. Mas a mulher lhe segurou o braço, apertando com força, encostando-a na parede.
- Presta atenção, sua bastarda! O infeliz do seu pai arranjou o melhor partido da cidade para você! Não estrague tudo, entendeu? Por que se você perder este casamento, eu juro que mato você! Aquele velho nojento pagou caro para tê-la na cama dele. Ele lá quer saber dessas baboseiras de ser casado, respeito, blá blá blá... O que ele quer é uma carne jovem para aquecer a pele enrugada dele. Ele está cansado daquelas velhas que tem naquele antro que chama de estalagem. Eu mesma tive que abrir minhas pernas para ele adiantar o dinheiro, senão nem isso teríamos. Agora, comporte-se como a noiva que é. Vou estar de olho em você. Ouviu bem?
- Sim senhora!
- Aonde vai?
- Ao meu quarto... descansar... não é isso que o meu noivo deseja?
- Isso mesmo, agindo como convém, gostei. Vá, mais tarde ajudarei a se arrumar por que seu noivo virá jantar aqui. Para conhecê-la. Vai ser uma noite especial.
- Cla-claro...
A mulher cantarolava e dizia que agora sim, sua vida ia mudar, que teria uma vida de rainha, se a mantivesse com o velho. Já eram amantes, o casamento só era uma forma de ficarem perto um do outro.
Definitivamente Rin não faria parte daquilo.
Foi para o quarto, trancou a porta e sentou na cama. Tinha que fugir. O que fazer? Enquanto pensava, ideias surgiam. Pegou o embrulho da mulher morta lá no rio. Sim, poderia fazer isso. Era a sua única saída. Só teria que tomar cuidado e não se desesperar. Tinha que ser rápida. Não dispunha de muito tempo.
Então estaria a salvo.
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