Capítulo 1

A Grécia primaveril era quase o mais bonito espetáculo da Terra. Os olhos de Saori percorriam todo o jardim do Santuário, tão rápidos quanto seus passos. O silêncio era quase palpável ao redor de sua figura esguia e elegante, que caminhava como se flutuasse entre as flores.

Desde a última Guerra já haviam se passado oito anos, e ela agora se tornara uma mulher de belíssimos feitios, o cabelo agora mais escurecido pelo tempo, o rosto mais fino e característico, uma maturidade adquirida por todas as coisas que havia passado em tão pouco tempo e vida. Era tratada com mais respeito até mesmo pelos inimigos, por exaltar sua imponência e seu ar de superioridade com meiguice e humildade.

Por agora, Saori estava procurando o único Cavaleiro que não havia sido enviado em missão. Tinha assuntos muito sérios a serem resolvidos com ele, e já vinha adiando esse dia a muito tempo. Resolvera pegar um atalho pelos jardins, talvez até pela beleza dos caminhos e pelo cheiro das flores. Nem lembrava a última vez que havia passado por ali, andava tão atarefada ultimamente…

Enfim chegara ao Templo de Sagitário. Lá o silêncio parecia ainda mais tocável e melancólico. Uma música suave e mecânica vinha do interior da Casa, ecoando pelas paredes. Saori continuou andando com impetuosidade, porém um pouco mais receosa. Ao chegar diante à porta de onde presumia ouvir a música, parou e inspirou profundamente, erguendo levemente a mão no ar e batendo três vezes contra a madeira firme.

- Pois não? – perguntou uma voz grave. Logo a porta se abriu e Saori encarou os doces olhos verdes de Aiolos.

- Posso entrar? – pediu ela, hesitante. Ele sorriu e abriu passagem, fechando a porta logo que ela se acomodou em uma poltrona próxima.

- A que devo a honra?

- Não se faça de desentendido. – retrucou ela, perdendo ligeiramente a pose. Seus olhos castanhos foram estampados pelo cansaço e desânimo, deixando transparecer uma tristeza atípica. Aiolos ajoelhou-se diante dela, segurando sua mão com delicadeza.

- Peço perdão, Saori, mas é incorreto prosseguir um relacionamento sério com a senhorita! Estamos falando também da Deusa Athena, não só de Saori Kido. – disse ele, sem encará-la.

- Poupe-me. – disse ela, ainda aborrecida. - Deusas e seres humanos possuem os mesmo sentimentos. Sou semi-Deusa, não seria diferente comigo. Mas vim tratar de outro assunto, além disso.

Aiolos se levantou e permaneceu em pé, ao lado da janela, observando a brisa que acariciava as flores com leveza.

- O que desejas, então?

- Vou viajar e preciso que cuide do Santuário no meu lugar. – ela disse em voz baixa, ressaltando ainda mais sua frieza. – Não lhe enviei em missão por esta mesma causa, estava planejando essa viagem há algum tempo.

- Você está faltando com a verdade. – disse ele, ainda olhando para fora da janela. Saori nada disse por alguns minutos. O único som vinha da velha vitrola, objeto de estimação de Aiolos, aparelho pelo qual sempre fora apaixonada. A música arranhada dava um tom extremamente desconfortável naquela estranha conversa de dois estranhos. Tratavam-se assim desde a última noite que haviam passado juntos, ou talvez desde que Aiolos jurou amor eterno à Saori. Ela não entendia o que os impedia de ficarem juntos e perpetuarem esse amor, onde estavam as dificuldades. Essa viagem seria uma maneira de fugir disso tudo, a verdade era essa.

- Não lhe devo explicações. Estou dando-lhe uma ordem, deverá ficar cuidar do Santuário enquanto eu estiver fora. – disse ela, levantando-se. – Viajo amanhã de manhã. Esteja em meu Templo para que eu possa lhe passar as regras e as condecorações temporárias. Até logo.

Aiolos apenas assentiu, ainda sem olhá-la. Sentia a garganta presa, doída, apertada. Os olhos marejados ardiam sob a luz do Sol quando a porta bateu, e ele se viu sozinho mais uma vez.