Luzes brancas e amarelas dançam em meio a minha passagem. Pessoas felizes com suas famílias felizes parecem se distinguir na multidão, como se um cenário colorido aparecesse ao fundo, excluindo os meros mortais a volta. As crianças são irritantemente felizes. Detestáveis.
- Mamãe, o Papai Noel!
O garoto corre para a fila imensa cheia de criancinhas dominadas pelo espírito capitalino e, como se o natal não fosse sobre amor e o símbolo da união da humanidade, a mãe de algum pestinha grita em detrimento à demora na fila do colo do vermelhinho. Chego ao ponto em que não escuto nada, apenas ouço. O som se mistura à luz e os sentidos se difundem me deixando enjoada. A medida que me afasto das cores e da falsa felicidade generalizada, sinto-me melhor. Acendo um cigarro e me acomodo na escadaria em frente a Casper. A fumaça se dissipa e, após certo tempo encarando-a minhas ligações neurais formam imagens. Vejo um dragão. Vejo a torre Eiffel. Vejo um rosto. Perturbada pela imagem dou um soco no ar. Acho que sabia que não duraria muito tempo sem que seu rosto voltasse a minha mente. Estúpida! Além de proibido, totalmente inviável.
Após o sexto cigarro e com as pernas já dormentes, decido esticar o corpo e arejar o cheiro de tabaco impregnado em minha roupa. Não consigo voltar, se tiver que agüentar mais uma criança esperneando vou acabar desenvolvendo meu câncer pulmonar mais cedo. Desço a Ministro que, praticamente deserta, abriga um sem teto e alguns casais que se mostram apenas de passagem. A rua escura não me intimida como antes, os caras não me incomodam mais e o João Ninguém fala com as árvores.
Viro na Al. Itu em direção a Augusta e já de longe vejo a rua alaranjada e seus personagens. Logo de cara, encostado em um poste, um forte batom vermelho veste uma meia calça arrastão e alguns pedaços de pano preto. Clichê ou não, umas seis ou sete bolsas literalmente giram como se demonstrassem descaso ou falta do que fazer. Pura mentira! O que elas querem é ficar cheinhas. So devem tomar cuidado pra não ficarem cheinhas de mais e sem trabalho por uns... nove meses?
A bolsa mais bonita, brilhante e barata se atira para dentro de um Range Rover, balança alcinha e, com o bom homem, desaparece em meio as cores e sons. Por entre as cabeças, como uma nômade, continuo a procurar o que procurar.