N/A: nada me pertence, além da ideia insana. Fic escrita o projeto Em Tons, da sessão Tom/Ginny do fórum Seis Vassouras. Comentem, sim?


Cinza


"Cinza.

Parados desejos incompletos:

Interrompidos projetos.

Cinza pisamos."

(Cecília Meireles)

Cinza, prata sem brilho.

Cinza, descolorido.

Os olhos dele poderiam ser ter sido cinzas, mas não, eram negros. O branco não quis entrar ali, de tão cruel que ele era.

Cinza, dias cinza. Ela gostava de dias assim. Era muito pálida e o sol a machucava, mas não gostava da chuva. Logo, preferia o cinza, sem água caindo do céu ou sol queimando a sua pele.

Ela gostava de cinza. Aprendera com ele a gostar.

Ele a ensinara que o prata era bonito. Que era uma cor nobre, mas sóbria, diferente do dourado – cor dos tolos, soberbos e iludidos (e ela passou muito tempo refletindo e chegou a conclusão de que, se ele considerava o dourado tudo aquilo, aquela deveria então ser a cor favorita dele, ao invés do prateado. Afinal, ele era soberbo e iludido).

Ele a ensinara que nada era completamente certo ou completamente errado. Que havia tons entrepostos entre o branco e o negro, que tudo dependia do ponto de vista.

Ela tentara por vários anos dizer a si mesma que aquilo estava errado. Não conseguia.

Cinza era a cor dos seus sonhos.

Harry mesmo estranhou uma vez, quando ela contou que seus sonhos não tinham cores. Ela lembrava dos olhos verdes do marido observando-a com uma quase piedade, como se ter sonhos coloridos fosse a coisa mais importante do mundo, como se fosse um sinal que a sua alma tinha cor.

Ela achou que Harry ficaria chocado demais se ela lhe contasse que desconfiava que a alma dela não tinha cor mesmo. Que Tom levara todas as suas cores com ele e nunca as devolvera. No entanto, não se lembrava de seus sonhos de criança para dizer se eles eram vivos ou não.

Bem, cinza ainda era uma cor, não? Havia tons, havia matizes. Havia o branco e o negro misturados. Ela era o branco e o negro misturados.

Quase temia que antes de Tom nem ao menos sonhasse, que fosse tudo apenas uma tela branca. Que tivesse precisado dos tons de negro vindos dele.

Ou o que era mais provável: o negro sempre estivera ali. Ela sempre fora cinza e apenas não havia se dado conta disso antes.

Que ela nunca teve outras matizes de cores em si.

Não se importava, no entanto. Poderia usar as outras cores a seu favor, já que nenhuma delas lhe pertencia. Ela não era negra, ela não era branca. Nem tão cruel quanto Tom, nem tão sublime quanto Harry.

Uma Guerra a havia parado no meio do caminho. De alguma maneira, ela gostava daquilo.

Ela aprendeu com Tom a gostar do prata, mas nunca gostou do brilho daquela cor, de qualquer maneira. Ela aprendeu a amar o vermelho, o verde de Harry; mas o verde a lembrava de Tom também, pois eram as cores da Slytherin.

Sentia-se mal ao encarar os olhos do marido e pensar sobre a cor deles. Preferiria se os olhos de Harry fossem azuis, ou cinzas.

Cinza.

Ela não dependia das outras cores. Ela não dependia de ninguém. Ela nunca dependera de Tom.

Sem as lágrimas na forma de chuva e sem a dor na forma do sol sobre a sua pele. Ela preferia não lembrar, nem do choro e nem da mágoa. Ela era mais forte que aquilo.

Ela era mais do que o branco sozinho, ela era mais do que o negro sozinho. Ela era ambos –como nenhum deles jamais poderia ser.

Era como via seus sonhos. Tom roubara suas outras cores? Fugira com elas? Ou ela nunca as teve?

Era como deveria ser sua alma. Ela tinha uma? O quanto dela era Tom? O quanto deixara com ele?

A prata que não brilhava. Era nobre e sóbrea, mas não tinha brilho próprio. Era metal, mas não precioso.

Gostava de cinza. A tornava única, pensava.

Ela não conhecia as outras cores como parte dela para saber se gostava.

Ela não conhecia mais a si mesma depois que conhecera Tom.

Ela não tinha cores. Ela jamais saberia se isso foi o que o atraiu.

Cinza. Seus passos eram cinzas.

Apenas ela não via (ou preferia não ver) o brilho prata que deixava como rastro.

Cinza pisava.