Disclaimer: Harry Potter não me pertence, se pertencesse eu estaria milionária. :v

Sua até o Amanhecer

Capítulo 1

Inglaterra, 1806

Querida senhorita Granger,
Rogo-lhe que me perdoe por ter o atrevimento de me pôr em contato com
você de um modo tão pouco convencional…


— Me diga, senhorita Clearwater, tem alguma experiência? - Em algum lugar da extensa mansão jacobina soou um estrondo. Embora o corpulento mordomo que estava realizando a entrevista se encolheu e a governanta que permanecia atenta junto à mesinha de chá soltou um chiado audível, Penélope nem sequer piscou.
O que fez foi tirar uns papéis do bolso lateral da desgastada mala de couro, que tinha a seus pés com uma de suas luvas brancas.
— Estou segura de que encontrará minhas cartas de referência em ordem, senhor Slughorn. Embora fosse meio-dia, no modesto salão havia uma luz parca. Os raios de sol que entravam pelas frestas das grossas cortinas de veludo, se refletiam no suntuoso tapete turco de cor rubi. As velas espalhadas pelas mesas enchiam as
esquinas de sombras profundas. O quarto cheirava a mofo, como se não o ventilassem há séculos. Não fosse pela ausência de festões negros sobre as janelas e os espelhos, Penélope teria jurado que uma pessoa muito querida tinha morrido recentemente.

O mordomo agarrou os papéis e os desdobrou. Enquanto a governanta estirava seu comprido pescoço para olhar por cima de seu ombro, Penélope rezou para que a débil luz jogasse a seu favor e lhes impedisse de ver bem as assinaturas rabiscadas. Madame Pomfrey era uma mulher atrativa de idade indeterminável, tão elegante e magra, como encorpado era o mordomo. Embora não tivesse rugas no rosto, o cabelo fulvo, preso em um coque elegante trazia os sinais do tempo.

— Como pode ver, trabalhei durante dois anos como governanta para lorde e lady Weasley — lhe informou Penélope enquanto o senhor Sughorn folheava rapidamente os papéis.

— Quando a guerra começou, me uni a outras governantas como voluntária para atender aos marinheiros e soldados que voltavam feridos do mar ou do fronte.
A governanta apertou um pouco os lábios. Penélope sabia que ainda havia gente que acreditava que as mulheres que cuidavam dos soldados eram pouco mais que donas de cantina. Criaturas indecentes que nem sequer se ruborizavam ao ver um desconhecido nu. Ao sentir que o calor lhe subia pelo rosto, Penélope levantou um pouco mais o queixo. O senhor Slughorn a examinou por cima de seus óculos de leitura.

—Devo confessar senhorita Clearwater, que é um pouco mais jovem do que tínhamos pensado. Um trabalho tão árduo requer mais… maturidade.
Possivelmente uma das outras aspirantes… — Se deteve o ver que Penélope arqueava as sobrancelhas.

— Eu não vejo nenhuma outra aspirante, senhor Slughorn — colocando uma mecha teimosa de cabelo atrás da orelha. — Com o generoso salário que ofereciam no anúncio, esperava ver uma fila enorme de candidatas. Então se ouviu outro estardalhaço, mais perto ainda que o último, que soou como se uma espécie de besta saísse da toca. Madame Pomfrey rodeou rapidamente a cadeira fazendo ranger suas anáguas engomadas.
— Um pouco mais de chá, querida? Ao inclinar a bule de porcelana lhe tremia tanto a mão que o chá se derramou no pires de Penélope e caiu sobre seu colo. — Obrigado — murmurou Penélope esfregando a mancha com a luva discretamente. O chão se estremeceu visivelmente sob seus pés, assim como madame Pomfrey. O rugido amortecido que seguiu foi enfeitado com uma enxurrada de xingamentos incompreensíveis. Já não havia nenhuma dúvida. Alguém — ou algo — estava se aproximando.

Lançando um olhar de pânico a porta dupla dourada que conduzia à câmara contígua, o senhor Slughorn ficou em pé com sua testa brilhando de suor.
— Pode ser que não seja o momento mais oportuno…
Enquanto devolvia a Penélope as cartas de referência, madame Pomfrey lhe tirou a xícara e o pires da outra mão, então os depositou no carrinho do chá com um
ruidoso tilintar.
— Slughorn tem razão, querida. Terá que nos perdoar. É possível que tenhamos nos precipitado… — A mulher obrigou Penélope a levantar-se e tentou afastá-la da porta empurrando-a para a saída que conduzia ao terraço, que estavam cobertas por pesadas cortinas.

— Minha bolsa! — protestou Penélope lançando um olhar de impotência à mala por cima do ombro.

—Não se preocupe — lhe assegurou madame Pomfrey mostrando os dentes em um amável sorriso — Um dos criados a levará até sua carruagem.
Enquanto crescia o estrondo de batidas e blasfêmias, a mulher cravou as unhas na resistente lã marrom da manga de Penélope para que se movesse. Slughorn as rodeou rapidamente e abriu a passagem, alagando a penumbra com o radiante sol de abril. Mas antes de que Pomfrey pudesse por Penélope para fora, o barulho cessou misteriosamente.
Os três se voltaram de uma vez para olhar as portas douradas ao outro lado da habitação.
Durante um momento não se ouviu nada exceto o suave tic-tac do relógio francês que havia sobre o aparador da lareira. Logo soou um ruído muito estranho, como se houvesse algo arranhando as portas. Algo grande e furioso. Penélope deu um passo involuntário para trás, governanta e mordomo intercambiaram um olhar apreensivo.
As portas se abriram de repente, golpeando com força às paredes opostas. Emoldurado por elas não havia uma besta, mas um homem, ou o que ficava dele depois de desfazer-se do verniz da distinção social. O cabelo escuro e desalinhado lhe caía por debaixo dos ombros. Ombros que quase enchiam a largura da porta. De seus estreitos quadris se estendiam umas calças que marcavam todas as curvas de suas musculosas pernas. Sua mandíbula estava escurecida por uma barba de vários dias que lhe dava um ar de pirata. Se tivesse tido um facão entre os dentes, Penélope teria fugido da casa temendo por sua honra.
Levava meias três-quartos, mas sem botas. Ao redor do pescoço tinha um lenço frouxo e enrugado, como se alguém tivesse tentado atá-lo várias vezes e se
deu por vencido. Sua camisa de linho faltava metade dos botões, revelando uma parte de peito musculoso com uns pelos esparsos e escuros.

Ali plantado na soleira da porta, inclinou a cabeça em um ângulo estranho, como se estivesse escutando algo que só ele podia ouvir, abrindo as narinas como se pudesse farejar algo com seu aristocrático nariz.

Penélope sentiu um formigamento na nuca. Não podia livrar-se da sensação de que o que estava procurando era seu aroma. Quando quase se convenceu de que era ridículo começou a caminhar para diante com a graça de um predador natural.

No entanto um banco abarrotado de coisas se interpôs em seu caminho. Embora tentou alertá-lo, acabou tropeçando no banco e caiu no chão. Muito pior que a queda foi como ficou ali convexo, como se não tivesse nenhum motivo especial para levantar-se. Nunca.
Penélope ficou paralisada enquanto Slughorn corria a seu lado.

— Senhor! Pensávamos que estava tirando um cochilo!
— Sinto decepcionar — disse o conde de Grimmauld com a voz amortecida
pelo tapete. — Alguém se esqueceu de me agasalhar.
Enquanto se livrava de seu servente e levantava cambaleando, o sol que entrava pela janela aberta lhe iluminou totalmente o rosto. Penélope ficou boquiaberta.

Uma cicatriz recente, ainda avermelhada, dividia em dois o canto de seu olho esquerdo e descia por sua bochecha como um raio, esticando a pele ao seu redor. Tinha sido o rosto de um anjo, com essa beleza masculina reservada para os príncipes e os serafins. Mas agora estava marcada para sempre com o selo do diabo. Penélope pensou que possivelmente não fosse o diabo, a não ser Deus que tinha ciúmes de que um simples humano pudesse ser tão perfeito. Sabia que deveria lhe parecer repulsivo, mas não podia apartar a vista. Sua beleza truncada era mais irresistível que sua perfeição. Levava sua desfiguração como uma máscara, escondendo detrás dela qualquer sinal de vulnerabilidade, mas não podia fazer nada para ocultar o persistente desconcerto de seus olhos cinzas como mercúrio, com os que estava atravessando Penélope. Enrugou o nariz.
— Há uma mulher aqui. — anunciou totalmente convencido.
— Sim, senhor — disse animadamente madame Pomfrey — Slughorn e eu estávamos tomando o chá durante a pausa.
A governanta voltou puxar Penélope pelo braço, lhe suplicando em silêncio que escapasse. Mas o olhar cego de Sirius Black a tinha deixado cravada no chão. Começou a mover-se para ela, agora mais devagar, mas com a mesma determinação de antes. Nesse momento Penélope se deu conta de que era uma tolice interpretar sua cautela como um sinal de debilidade. Seu desespero o fazia ainda mais perigoso, sobre tudo com ela.
Continuou avançando com tanta resolução que inclusive madame Pomfrey se refugiou nas sombras, deixando Penélope só frente a ele. Embora seu primeiro impulso foi ir-se dali, se obrigou a ficar com a cabeça alta. O temor inicial de que poderia atacá-la era infundado.
Com uma misteriosa percepção, parou a pouco mais de um metro dela farejando o ar com cautela. Penélope não podia imaginar que a fresca fragrância de limão que pôs detrás das orelhas pudesse atrair tanto a um homem. A expressão de seu rosto enquanto enchia os pulmões com seu perfume fez que se sentisse como em um harém esperando o prazer do sultão, e sua pele se estremeceu como se estivesse tocando-a por toda parte sem levantar um dedo.
Quando começou a rodeá-la girou com ele, seguindo um instinto primitivo que não confiava em que estivesse detrás dela. Por fim se deteve, tão perto que pôde sentir o calor animal que irradiava de sua pele e contar cada uma das pestanas escuras que bordeavam aqueles olhos extraordinários.

— Quem é ela? —perguntou olhando justo por cima de seu ombro esquerdo. — E o que quer?
Antes de que algum dos serventes pudesse articular uma resposta,Penélope disse com firmeza:
— Ela, senhor, é a senhorita Penélope Clearwater, e veio se candidatar ao posto de enfermeira.
O conde desviou seu olhar vazio para baixo, franzindo os lábios como se lhe parecesse divertido que sua presa fosse tão pequena.
— Quer dizer babá? Alguém que possa cantar para que eu durma, me dê de comer na boca e me limpe… — vacilou o tempo suficiente para que os dois criados se encolhessem de medo
—… o queixo se escorrer minha baba?
— Não tenho voz para cantar canções de ninar, e estou segura de que é perfeitamente capaz de limpar queixo — respondeu Penélope tranquilamente

— Meu trabalho consistiria em lhe ajudar a adaptar-se a suas novas circunstâncias. - Ele se aproximou dela ainda mais.
— E se não quero me adaptar? E se quiser que me deixem sozinho para que possa me apodrecer em paz?
Madame Pomfrey ficou boquiaberta, mas Penélope se negou a escandalizar-se.
— Não tem que ruborizar-se por mim, madame Pomfrey. Posso lhe assegurar que estou acostumada aos comportamentos infantis. Quando trabalhava como governanta, meus tutelados gostavam de testar os limites de minha paciência fazendo birras quando não conseguiam o que queriam.
Ao ser comparado com um menino de três anos, o conde baixou a voz até que se converteu em um grunhido ameaçador.
— E devo supor que lhes tirou esse hábito?
— Com o tempo adequado e paciência. Parece que neste momento temos essas duas coisas.
Quando se voltou de repente para Slughorn e a Madame Pomfrey, Jane se assustou.
— O que os faz pensar que esta será diferente das outras?
— As outras? — repetiu Jane arqueando uma sobrancelha.
O mordomo e a governanta intercambiaram um olhar de culpabilidade.
O conde deu a volta de novo.
— Suponho que não lhe falaram que suas predecessoras. Vejamos, a primeira foi a velha Cora Gringott. Estava quase tão surda como eu cego.
Fazíamos um bom casal. Passava a maior parte do tempo procurando sua trombeta para me fazer falar por ela. Se não me falha a memória, acredito que durou menos de quinze dias.
Começou a andar de um lado a outro diante de Penélope dando exatamente quatro passos para diante e quatro passos para trás com suas largas pernadas. Era fácil o imaginar passeando pelo convés de um navio com esse domínio, seu cabelo escuro ao vento e seu olhar penetrante fixo no horizonte.
— Logo veio essa moça de Hogsmeade. Era tão tímida que falava sussurrando. Nem sequer se incomodou em cobrar seu salário ou em recolher suas coisas quando partiu. Foi gritando no meio da noite como se um louco a perseguisse.
— Imagino — murmurou Penélope.
Depois de uma breve pausa continuou passeando.
— E a semana passada perdemos a querida viúva McGonnagal. Parecia mais forte e mais inteligente que as outras. Antes de sair daqui muito zangada, recomendou a Slughorn que contratasse a um tratador de animais, porque era evidente que seu patrão deveria estar em uma jaula.
Penélope se alegrou de que não pudesse ver que estava torcendo os lábios.

— Vê, senhorita Clearwater? Sou um caso perdido. Assim pode voltar para a escola ou a creche de onde veio. Não faz falta que perca mais seu precioso tempo. Nem o meu.
— Senhor! — protestou Slughorn — Não é necessário que seja rude com a jovem dama.
—Jovem dama? Há! — Ao estender uma mão o conde esteve a ponto de decapitar uma planta que parecia que não ser regada há mais de uma década.
— Posso dizer por sua voz que é uma criatura avinagrada sem um pingo de doçura feminina. Se tivessem querido me buscar uma mulher, no Fleet Street poderiam ter encontrado uma melhor. Não necessito uma enfermeira! O que preciso é um bom…
— Senhor! —gritou madame Pomfrey.
Pode que seu patrão fosse cego, mas não estava surdo. Sua súplica escandalizada lhe fez se calar com mais eficácia que um tapa. Com o fantasma de um encanto que devia ter sido sua segunda natureza, girou sobre um talão e fez uma reverência a um brincalhão justo à esquerda de onde estava Penélope.
— Rogo-lhe que me perdoe por meu arrebatamento infantil, senhorita. Desejo-lhe um bom dia, e uma boa vida. Reorientando-se para as portas do salão, avançou para diante negando-se a andar mais devagar ou ir medindo seu caminho. Poderia ter alcançado seu destino se não tivesse batido o joelho na quina de uma mesa de mogno com tanta força, que Penélope fez um gesto de compaixão.
Amaldiçoando o móvel, deu à mesa uma violenta batida e a estatelou contra a parede. Precisou de três tentativas encontrar os puxadores de marfim, mas por fim conseguiu fechar as portas detrás dele com uma batida decisiva.
Enquanto se retirava às profundidades da casa, os ruídos e as blasfêmias esporádicas foram se desvanecendo.
Depois de fechar brandamente a janela, madame Pomfrey voltou para o carrinho e se serviu uma taça de chá. Logo se sentou na borda do sofá como se fosse uma convidada, chocando ruidosamente a taça contra o prato.
O senhor Slughorn se afundou pesadamente a seu lado. Tirando um lenço engomado do bolso de seu colete, secando o suor da testa antes de lançar a Penélope um olhar arrependido.
— Temo que lhe devemos uma desculpa, senhorita Clearwater. Não fomos de todo sinceros.
Penélope se acomodou no sofá e cruzou as mãos enluvadas sobre seu colo, surpreendida ao descobrir que também ela estava tremendo. Agradecida pelo refúgio que proporcionavam as sombras, disse:
— Bom, o conde não é o pobre inválido que descreviam em seu anúncio.
— Não foi ele mesmo desde que voltou dessa maldita batalha. Se o tivesse conhecido antes… — Madame Pomfrey tragou saliva com seus olhos azuis cheios de lágrimas. Slughorn lhe deu seu lenço.
— Papoula tem razão. Era todo um cavalheiro, um autêntico príncipe. Às vezes penso que o ferimento que lhe deixou cego, também lhe afetou à mente.
— Ao menos a suas maneiras — disse Penélope secamente — Sua perspicácia não parece ter sofrido nenhum dano.
A governanta passou o lenço por seu estreito nariz.
— Era um menino brilhante, sempre tão rápido com os números e as respostas. Era estranho lhe ver sem um livro debaixo do braço. Quando era pequeno tinha que lhe tirar a vela na hora de deitar por medo de que colocasse um livro na cama e queimasse as mantas.
Penélope estremeceu ao dar-se conta de que também lhe tinham privado desse prazer. Era difícil imaginar uma vida sem o consolo que podiam proporcionar os
livros. Slughorn assentiu com os olhos brilhantes pelas lembranças de tempos melhores.

— Era a alegria e o orgulho de seus pais. Quando lhe ocorreu a absurda ideia de alistar-se na Marinha Real, sua mãe e suas primas ficaram histéricas e lhe suplicaram que não fosse, e seu pai, o marquês, ameaçou lhe deserdar. Quando chegou o momento de embarcar, no entanto, se reuniram todos no porto para lhe dar sua bênção e despedir-se dele.
Penélope estirou uma de suas luvas.
— Não é muito frequente que um nobre, sobre tudo sendo o primogênito, resolva fazer uma carreira naval, verdade? Pensava que o exército atraía aos ricos e aos
que tinham títulos nobiliários, enquanto que a marinha era o refúgio dos pobres e os ambiciosos.

— Não deu nenhuma explicação — interveio madame Pomfrey — Só disse que tinha que seguir seu coração em qualquer lugar que lhe levasse. Negou-se
a comprar um posto como fazem a maioria dos nobres, e insistiu em chegar aí por seus próprios méritos. Quando receberam a notícia de que lhe tinham subido a
tenente a bordo do Victory sua mãe chorou de alegria, e seu pai estava tão orgulhoso que esteve a ponto de arrebentar os botões de seu colete.
— O Victory — murmurou Penélope. O nome desse navio tinha sido profético. Com a ajuda de outras embarcações derrotou à armada do Napoleão no Trafalgar, destruindo o sonho do imperador de dominar os mares. Mas o preço da vitória foi muito elevado. O almirante Moody ganhou a batalha, mas perdeu sua vida, como muitos jovens que lutaram valorosamente a seu lado. Suas dívidas estavam saldadas, mas Sirius Black seguiria pagando o resto de sua vida.
Penélope sentiu um arrebatamento de ira.
— Se tem uma família tão fiel, onde estão agora?
— Viajando pelo estrangeiro.
— Em sua residência de Londres.
Depois de responder ao uníssono, os serventes intercambiaram um olhar de vergonha. Madame Pomfrey suspirou.
— O conde passou a maior parte de sua juventude aqui na mansão Black. De todas as propriedades de seu pai, sempre foi sua favorita. Tem uma casa em Londres,
é obvio, mas tendo em conta a gravidade de suas feridas, sua família pensou que seria mais fácil que se recuperasse no lar de sua infância, afastado da curiosidade da sociedade.
— Mais fácil para quem? Para ele ou para eles?
Slughorn apartou a vista.
— Em sua defesa devo dizer que a última vez que vieram lhe ver, os jogou para fora do imóvel. Por um momento temi que ordenasse ao guarda que soltasse aos cães.
— Duvido que foi tão difícil se livrar deles. — Penélope fechou um momento os olhos e fez um esforço para recuperar a compostura. Não tinha nenhum direito a julgar a sua família por sua falta de lealdade — passaram mais de cinco meses desde que se feriu. Seu médico lhe deu alguma esperança de que possa recuperar algum dia a vista?
O mordomo moveu a cabeça com tristeza.
— Muito poucas. Só há um ou dois casos documentados onde se conseguiu recuperar de um dano tão grande. Penélope inclinou a cabeça.
O senhor Slughorn se levantou. Com suas bochechas carnudas e sua expressão abatida parecia um bulldog melancólico.
— Espero que nos perdoe por esbanjar seu tempo, senhorita Clearwater. Sei que teve que alugar uma carruagem para vir aqui. E estarei encantado de pagar de meu bolso sua volta à cidade. Penélope ficou em pé.
— Isso não será necessário, senhor Slughorn. De momento não voltarei para Londres. O mordomo intercambiou um olhar de desconcerto com madame Pomfrey.
— Desculpe?
Penélope se aproximou da cadeira que tinha ocupado em um princípio e agarrou sua mala.
— Ficarei aqui. Aceito o posto de enfermeira do conde. Agora, se forem tão amáveis de pedir a um dos criados que recolha meu baú do carro e me mostrar
minha habitação, prepararei-me para começar com minhas obrigações.

Ainda podia cheirá-la.
Como se quisesse lhe torturar lhe recordando o que tinha perdido, o sentido do olfato de Sirius se havia aguçado nos últimos meses. Quando passava pelas cozinhas podia dizer imediatamente se Remus, o cozinheiro francês, estava preparando um fricandó de vitela ou uma cremosa bechamel para tentar seu apetite. O mínimo rastro de fumaça lhe informava se o fogo da deserta biblioteca tinha sido avivado recentemente ou estava apagando-se. Enquanto se derrubava na cama na habitação que se converteu em uma guarida mais que em um quarto, assaltou-lhe o rançoso aroma de seu próprio suor pego aos lençóis enrugados. Era ali aonde tinha retornado para curar suas feridas, onde dava voltas pelas noites, que só se distinguiam dos dias por seu silêncio sufocante. Entre o crepúsculo e o amanhecer às vezes se sentia como se fosse o único ser vivo no mundo.

Sirius apoiou o dorso da mão sobre sua testa e fechou os olhos seguindo um velho hábito. Ao entrar no salão identificou imediatamente a água de lavanda que usava madame Pomfrey e a loção capilar de almíscar que usava Slughorn no pouco cabelo que ficava. Mas não reconheceu a fresca fragrância que perfumava o ar. Era um aroma doce e azedo, suave e atrevido de uma vez. A senhorita Clearwater não cheirava como uma enfermeira. A velha Cora Gringott cheirava a naftalina, e a viúva McGonnagal às amêndoas amargas que tanto gostava. Mas a senhorita Clearwater tampouco cheirava à solteirona murcha que parecia quando falava. Se o tom de sua voz era indicativo, seus poros deveriam emanar uma mescla venenosa de couve podre e cinzas.
Ao aproximar-se dela descobriu algo mais surpreendente ainda. Baixo esse limpo aroma cítrico havia um aroma que lhe voltava louco e nublava o pouco que ficava de seus sentidos e de seu bom julgamento. Cheirava a mulher. Sirius grunhiu apertando os dentes. Não havia sentido nenhum desejo desde que despertou nesse hospital de Londres e descobriu que seu mundo se tornou escuro. Entretanto, o doce aroma da senhorita Clearwater lhe tinha feito evocar uma confusa mescla de vagas lembranças: beijos roubados em um jardim iluminado pela lua, roucos murmúrios, a pele acetinada de uma mulher sob seus lábios. Todos os prazeres que nunca voltaria a conhecer.
Quando abriu os olhos descobriu que o mundo seguia envolto em sombras. Pode ser que o que havia dito a Slughorn fosse certo. Pode ser que necessitasse os serviços de outro tipo de mulher. Se pagasse o suficiente é possível que fosse capaz de olhar seu rosto destroçado sem sentir repugnância. Mas que importava? Pensou Sirius soltando uma gargalhada. Nunca saberia. Enquanto fechava os olhos e imaginava que era o cavalheiro de seus sonhos, ele podia supor que era o tipo de mulher que sussurraria seu nome e lhe faria promessas de lealdade eterna. Promessas que não tinha nenhuma intenção de cumprir. Sirius se levantou da cama. Essa maldita mulher! Não tinha direito a lhe tentar tão amargamente e de cheirar tão bem. Menos mal que tinha ordenado a Slughorn que a jogasse para fora. Assim não teria que voltar a preocupar-se com ela.


Essa fanfic ficou parada por um loooongo período. Recentemente resolvi revisá-la e terminar a história. Enfim, espero que gostem. Obrigada pela visita, deixe uma review caso ache conveniente. -