Coisas horríveis acontecem no mundo lá fora. Algumas viram capas de jornais, outras, ninguém sabe que aconteceu. São essas histórias, aquelas que ficam no silêncio, na margem na existência humana, que guardam os piores segredos. Elas podem ficar lá, escondidas por anos, até mesmo séculos que ninguém saberá. Mas há um gatilho, sempre existe alguma coisa ou alguém que aciona uma série de ações, tais situações sempre acabam em desgraça. E este lugar já ficou em silêncio por muito tempo...
Primeiro dia.
A última tentativa de pegar o pikachu de Ash novamente deu errado, a equipe Rocket acabou com o balão avariado e só Meowth conhecia as peças com defeito. Porém como o tempo era curto e eles acreditavam que com uma pessoa a menos no grupo de treinadores eles teriam uma chance maior de pegar o pokemon, partiram atrás da dupla, acreditando que Meowth os alcançaria mais a frente, depois de consertar o balão.
A situação de Ash e Misty era estranha, pois fazia muito tempo que não ficavam sozinhos. Brock que foi desafiado por uma treinadora do ginásio da cidade vizinha, deixou os dois sem pensar duas vezes, já que a confiante líder jurou sair com ele caso ela perdesse a disputa. Eles tinham um dia de viagem de diferença, pois Ash teve que permanecer na cidade para cuidar de sua própria luta. O menino até então, o melhor treinador de sua idade ganhou com certa facilidade. E pouco depois do almoço partiram para achar Brock. Como seria uma grande luta, a dupla acreditou que se cortasse caminho pelo vale encontrariam o amigo a tempo de ver o duelo.
O caminho de asfalto era cortado por uma estrada de chão. Os Rockets acharam a trilha da jovem dupla seguindo para dentro do vale e rapidamente foram atrás. Ouvia-se somente o som de uma fraca corrente de água, um estreito riacho que corria ao lado da trilha, o caminho mais óbvio para quem se aventura em um lugar selvagem. Havia a constante sensação de estarem muito longe da cidade, mas eles só estavam naquele lugar há vinte minutos. E continuaram a andar e como as árvores mantinham certa umidade no lugar, era fácil seguir as pegadas das crianças.
Os ladrões já estavam se cansando com aquela caminhada. Irritados por estarem lá e por aparentemente Ash e Misty não pararem para nada, para assim eles encurtarem a distancia, afinal planejavam emboscá-los quando parassem para comer ou beber água. Mas isso não aconteceu. As pegadas das crianças eram sempre iguais, não desviaram, nem diminuíram os passos. Em uma hora ia anoitecer e não havia a menor possibilidade de acharem os dois na escuridão da mata. Um pouco adiante as marcas deixadas pelos treinadores viraram para a esquerda subitamente. Elas iam direto para uma casa em péssimo estado. Na certa resolveram acampar ali, um lugar ao menos que possuía uma porta.
–Quer dizer que os pirralhos vieram para cá?... –resmungou Jessie com um sorriso sombrio.
–Vai ser como tirar doce de criança... –respondeu James.
–Doce não, um pikachu! –riu a mulher maliciosa.
Em silencio eles deram a volta, para observar primeiro pela janela. Mas nem sinal dos dois.
–Hum... será que eles estão na parte de cima? –perguntou James.
–Vamos entrar!
Em segundos os Rockets estavam na sala. Um cheiro de mofo tomava conta do lugar, uma grossa camada de poeira deixava todos os móveis, inclusive o chão meio esbranquiçado. Apesar de deteriorada pelo tempo e umidade, parecia que a sala estava intocada. Eles se olharam, mesmo sem palavras decidiram continuar a procurar. Pelo corredor da casa, com duas amplas janelas do lado direito, via-se as verdes árvores lá fora. Um pesado silêncio dominava a casa. Com o movimento de seus passos, eles viram as finas partículas de poeira brilhar nos raios de sol que entravam pela janela, anunciando que faltava pouco para o sol se pôr.
–Jessie... eu acho que não tem ninguém aqui... –comentou o rapaz de cabelos cor de lavanda.
–Os pirralhos devem ter entrado aqui por curiosidade e foram embora... –constatou a moça.
Enquanto caminhavam vagamente, eles chegaram à cozinha, ali o cenário estava muito diferente. Portas de armários abertas, gavetas de talheres jogadas no chão. Parecia que alguém estava procurando alguma coisa e com muita pressa.
–O que será que houve aqui? –questionou Jessie.
Mas antes que o jovem respondesse uma pancada foi ouvida no andar de cima.
–Eles estão lá! –gritou Jessie e os dois voltaram e subiram as escadas correndo.
Porém não havia ninguém lá. Somente dois grandes quartos, um com motivos infantis e o segundo de adulto. Ao vasculharem o segundo cômodo Jessie viu uma foto e debaixo dela um livro. Ao pegar o velho porta-retrato ela viu um casal muito bonito com seus dois filhos, uma menina e um menino. Em cima da cama havia uma mala aberta com poucas peças de roupas dentro. Novamente a pancada, mas agora puderam ver que era apenas uma janela aberta batendo com o vento.
–O que é isso? –se aproximou o rapaz.
–Acho que são os antigos donos... –a mulher olhava interessada na foto.
James por sua vez, foi olhar as gavetas. Se, saíram com pressa talvez tivessem deixado algo de valor para trás. Jessie reparou que o livro que estava embaixo da fotografia era na verdade um diário.
–"Para minha querida Alicia" este diário foi um presente do marido... que meloso! –fez cara feia, mas ainda estava interessada nele.
O Rocket não estava muito a fim de ver coisas românticas e continuava a vasculhar o quarto, viu uma fresta aberta, bem ao lado do armário do casal. Empurrou devagar a porta, mas uma fraca rajada de ar quente passou por ele. James cambaleou para trás com a mão na boca e caiu de joelhos. Jessie rapidamente foi acudi-lo.
–Você está bem? –perguntou preocupada.
–Estou tonto... –falava com os olhos apertados.
–Vamos embora daqui. –enfiou o diário na bolsa para poder apoiar melhor o amigo e saírem da casa mais rápido.
O sol já havia sumido e logo a escuridão tomaria todo o lugar. Voltaram rápido para a trilha. Seguiam novamente as pegadas que apareceram mais a frente e como era de se esperar a noite finalmente chegou. Com lanternas em punho, afinal eram só seis horas, decidiram que andar mais um pouco não faria mal. Quarenta minutos depois, longe da casa e mais ainda da estrada James estacou com a mão apoiada em uma árvore.
–Jessie... não me sinto bem... –resmungou baixinho.
A mulher parou retornando.
–O que você tem? –ajudou a sentá-lo encostado na árvore.
–Muita dor de cabeça... não consigo andar, estou tonto demais... –segurava a cabeça com uma das mãos.
–Acho que todo aquele mofo lhe fez mal. Vamos ficar por aqui hoje então. Fique sentado ai que vou pegar uns galhos para fazer uma fogueira.
Enquanto ela se distanciava, James ficava mais e mais tonto, até que enfim desmaiou.
Jessie retornou com os braços cheios de madeira, pouco menos que dez minutos. Viu James desacordado, mas achou que ele tivesse adormecido, ela mesma estava exausta de tanto caminhar. Se apressando, ela armou a fogueira, esquentou um pouco de comida, acordou seu companheiro, mas o mesmo não quis comer nada. James se enfiou no saco de dormir e segundos depois, apagou. Jessie comeu com calma e em seguida foi dormir.
Lá para as dez horas da noite, ela ouviu passos e estes vinham em sua direção. Olhou para James que dormia ao seu lado, mas sua testa estava molhada de suor e seu rosto estava vermelho. Ela tocou sua testa e sentiu que ele queimava em febre. Agora as vozes estavam mais altas. Com um tom forte ela se levantou gritando.
–Quem são vocês?
–Jessie?! –disse surpresa a voz agora conhecida de Ash.
–O que fazem aqui? –perguntou a mulher.
–A gente é que pergunta! Vocês estavam seguindo a gente?! –rebateu Misty.
–Err... claro que não! Temos o direito de ir a qualquer lugar! Mas afinal o que fazem aqui? –pois eles estavam à frente dos Rockets e voltaram.
–Não conseguimos achar o caminho que sai desse lugar, então resolvemos voltar. –respondeu Misty numa fala mais baixa.
–E cadê o James? –questionou o menino.
–Ali... –apontou para o saco de dormir atrás dela.
–Ele tem o sono pesado... –comentou o garoto.
–Ele está passando mal seu idiota! –respondeu Jessie atravessado. -Entramos numa casa abandonada que estava coberta de mofo... acho que ele é alérgico.
–Nós achamos a mesma casa... também entramos, mas quando vimos a cozinha, Misty achou melhor ir embora... medrosa. –falou provocativo.
–Aquela casa me deu arrepios! –se defendeu a menina.
–Medrosa... –implicou o garoto.
–Se vocês não têm nada melhor para fazer é melhor darem o fora! –chiou Jessie, quando James gemeu por aquela falação.
Mas quando se viraram para sair um vento frio atravessou o trio acordado, ao longe por entre as árvores eles viram uma massa branca se aproximar lentamente. Ash se virou e viu que a mesma coisa estava acontecendo por todos os lados. Em segundo o acampamento estava cercado por um denso nevoeiro.
Misty se aproximou mais de Ash, seu pikachu se encolheu no ombro. Jessie não queria admitir mais estava começando a ficar com medo.
–Ei pirralhos, a fogueira já está acesa, se quiserem ficar é por conta de vocês... –se virou e voltou para seu saco de dormir e ficou escutando o murmúrio dos dois, respirou aliviada quando viu que resolveram ficar.
Apesar de a escuridão fazer parecer que era muito tarde, não passava das onze horas. Ash virou-se para se acomodar melhor no chão duro e viu que o saco de dormir de James estava vazio.
–Hum... onde será que ele foi? –perguntou a si mesmo.
Ergueu a cabeça e viu o rapaz parado com o rosto virado para uma árvore. O menino teve a impressão de ver ele falando. Virou para Jessie que dormia e jogou uma pedrinha em sua testa para acordá-la. Antes que ela o xinga-se ele fez um gesto de silêncio para ela e logo em seguida apontou na direção de James. Curiosa ela se levantou indo até ele.
–James?... –não sabia o motivo, mas algo a impedia de tocar nele. –Você está bem?...
Mas agora perto, ela confirmou o que Ash suspeitava, ele falava algo. Mas ela mesma não entendeu. Ele murmurava rápido.
–J-J-James... tudo bem com você? –a mulher estava com medo.
O corpo do jovem ficou tenso, ela reparou seus punhos serrados. Repetia algo tão rápido que não dava para saber o que era. Juntando um pouco de coragem, ela tocou seu ombro. Na mesma hora ele parou, seu corpo relaxou e lentamente ele virou o rosto em sua direção.
–Eu estou ótimo, Jessica. –seu tom de voz era estranho.
A Rocket engoliu em seco. Ele nunca a chamava pelo seu nome. Um sorriso apareceu em seu rosto, mas não era como aqueles sorrisos bobos e sem pretensão que costumava dar. Tinha algo estranho com ele e Jessie não sabia dizer o que era.
–Você já pode ir dormir, estou me sentindo melhor que nunca! Eu vou vigiar tudo. Pode ficar tranquila... –falou o rapaz indo se sentar em um tronco.
–Você quem sabe... –sem querer discutir ela se retirou.
Ash não tinha longos contatos com a equipe de ladrões, mas já os conhecia o suficiente para saber que tinha alguma diferente.
Jessie... –sussurrou o menino.
–O que foi? – falou no mesmo tom.
–O que ele tem? – falava de cabeça baixa para não chamar atenção do rapaz mais velho.
Jessie queria dizer, mas não sabia ao certo o que estava acontecendo. Ela se lembrou do calafrio que sentiu ao se aproximar dele. Mas podia ser simplesmente uma impressão errada.
–Não tem nada errado pirralho... vai dormir! –resmungou e virou-se de costa para o menino.
Aquela noite se estendeu aparentemente por muito mais horas, apesar do tempo ter corrido normalmente.
