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I've got to walk away while there's still hope
Learn to erase the love I know
And let you go
—My Last Goodbye, Trading Yesterday
Capítulo 1 — Prólogo
A brisa ártica encontrou-se abruptamente com o seu fino casaco preto, obrigando cada centímetro do corpo do garoto bruxo a lutar para manter o calor sobrevivente sob sua derme. As mãos já estavam avermelhadas, agredidas pelo clima, entretanto, havia muito pouco que pudesse fazer para mudar os fatos. Por mais que eu quisesse, Albus Potter resmungou em sua mente, aumentando o ritmo de seus passos e afastando o rancor com certa dificuldade. Deixava um rastro de respiração enevoada e começava a tiritar, embora tivesse aparatado não muito longe de onde se encontrava no presente momento. Com um rápido olhar por cima do ombro, conferiu a vila quase deserta que deixava para trás.
Os pés eram a única parte de si com alguma proteção real – havia sido a primeira medida preventiva que se lembrara de encontrar ao receber o pequeno papel agora amassado contra os dedos e a sua varinha; as botas emborrachadas emitiam um chiado irritante todas as vezes que entravam em contato com o asfalto congelado, contudo, mantinham grande parte de suas pernas sem sofrer com a friagem. Vestia apenas uma camisa de flanela por baixo do capote que lhe chegava até a metade das coxas e a calça de brim, oferta de seu chefe após o seu último êxito em um caso importante, agarrava-se às pernas como se tivessem sido azaradas.
Sem murmurar o feitiço, ele deu um breve aceno para suas vestimentas e instantaneamente foi livrado dos efeitos da recente estiagem. Aliviado, continuou com sua incursão indesejada.
Seguia por uma estrada larga e abandonada, ambos os seus lados ocupados por um bosque denso e estéril. O inverno castigava a região com voracidade, todas as folhas anteriormente verdes, agora compondo um tapete marrom e envelhecido, se desfaziam apenas com o caminhar do jovem bruxo. Toda a cena deveria fazer Albus estremecer, todavia, sua mente ocupava-se das vagas informações que o haviam trazido até Wiltshire. Ele podia pelo menos ter avisado que iria nevar. Mas isso é pedir demais dele, não é? Pequenos flocos haviam começado a desprender do céu acinzentado acima de si, ao mesmo tempo em que caíam sobre seu cabelo bagunçado e lambiam a pele bronzeada de seu rosto. Olhou para cima apenas por um breve segundo, sugando a cena nostálgica para o inconsciente.
Levou alguns minutos até que finalmente avistasse os muros altos que contornavam uma mansão antiga, ainda que muito bem conservada, crescendo imponente contra a paisagem. Agora mais próximo de seu destino, podia sentir a magia pinicando os seus poros, convidativa. Depois de tantos meses submerso ao mundo dos trouxas, aquela mudança era muito bem vinda. Era como acordar de um longo sonho.
O local lhe era familiar; quando mais novo, fora obrigado por seu antigo amigo a visitar os seus familiares, os quais não mais habitavam por entre as paredes de pedra porosa da dantesca propriedade. Reconhecia os pequenos truques que lhe permitiam a entrada e não hesitou quando estava próximo o suficiente do portão para que o tocasse. Continuou como se a proteção de ferro fosse apenas névoa e viu-se pela segunda vez em sua vida encarando os antes belos jardins da Mansão Malfoy.
E parado defronte a gigante porta a qual dava acesso à casa secular, estava um garoto alto e cabelos tão loiros que lembravam a neve. Scorpius.
Olá, ex-melhor amigo.
...
O único cômodo iluminado era ao mesmo tempo belíssimo e terrível. Albus se recordava dos retratos sem movimento, da enorme mesa lustrosa que se estendia para abrigar mais de vinte convidados, da lareira a qual possivelmente era mais larga que um quarto normal, as paredes feitas de um mármore puro, os detalhes encravados por todas as partes. Tudo servia para exibir as riquezas infinitas daquela família.
Ou costumava ser assim. Em todo o caso, não sobra muito mais dela para usufruir dos cofres cheios de ouro, ele lembrou-se.
Enquanto andava para se acomodar contra o couro preto de uma das várias cadeiras ornamentadas, ele reparou que haviam disposto um jantar refinado para duas pessoas, e um elfo doméstico aguardava hesitante ao lado de seu senhor. Então você me evita por quase três anos e espera que eu apenas aceite um jantar amigável, mesmo tendo conhecimento sobre o meu trabalho. Tem sorte de ter a minha compaixão por suas perdas, Malfoy, ou eu não estaria mais aqui, pensou, sem poder evitar o bufo que escapou de sua boca.
Quão idiota devia soar! Havia corrido até o antigo colega por causa de um simples pedido. Não acreditava em sua total incapacidade de negar favores ao louro, mesmo após tanto tempo.
— Os anos lhe fizeram bem, Al, — Scorpius falou com seu tom austero, alcançando uma taça de vinho tinto à sua frente e provando de seu aroma. Soara como se ainda estivesse em Hogwarts. Ele já se encontrava devidamente sentado, aguardando que seu hóspede fizesse o mesmo. Albus acomodou-se de uma maneira rude, sem se importar com o olhar curioso a qual o dono da mansão lançou para suas botas de borracha assim que finalmente levantou sua visão.
Sem aviso, Scorpius desviou suas íris cinza do garoto moreno e acenou para que Ilsyl, a elfa, deixasse o salão. Ela olhou com desconfiança para os dois jovens. Seu amo havia adquirido uma personalidade mais controlada desde que terminara a escola, ainda assim, tinha conhecimento dos efeitos constantes causados pelo garoto Potter em seu humor. Bastava uma simples palavra errada, por menor que fosse, e ambos estariam prestes a se enfeitiçarem até que virassem bolas azuis peludas. Ela ainda se recordava da primeira e última vez que os dois haviam passado um final de semana entre aquelas paredes. A sala de piano nunca mais fora a mesma, incluído a querida coleção de vasos de porcelana de Narcissa, os quais não puderam nem ao menos ser reparados.
Ilsyl não pôde deixar de reparar na expressão confusa de Potter, como se uma série de perguntas voassem rapidamente por seu cérebro. Devia estar deliberando sobre os motivos de sua chamada ao local. A elfa sabia que possuía a total confiança de seu amo, desde que soubesse o momento certo para acatar às suas ordens. Analisando outra vez a exasperação estampada em cada um dos bruxos, ela guinou a sua pequena forma para o lado e os agraciou com sua partida.
— Então, o que me trás até aqui, Malfoy? — Albus inquiriu, assim que escutou a porta do salão de jantar ser fechada com um pequeno tinido. O cheiro de faisão assado e batatas atormentava as suas narinas excitadas pela presença da comida, tanto quanto o estômago vazio que o acompanhava. Mas vou resistir, ele disse a si mesmo. Não colocaria nenhum garfo na boca até que estivesse em sua casa, apreciando a sensação de aconchego a qual a sua nova moradia passava.
Scorpius parecia saber exatamente o que acontecia dentro de Albus; podiam ter avançado todos aqueles anos separados, porém, a amizade de longa data nutrida em Hogwarts bastava para conhecê-lo como nenhuma outra pessoa no mundo. O Potter havia sido criado em um ambiente alienígena ao seu – não possuíra uma mãe atormentada pelos fantasmas do passado de seu pai falecido de antemão e avós tão presentes quanto o calor inexistente que invadia a sua propriedade. Não tivera de sozinho criar a irmã mais nova, enfrentar as finanças quase falidas de seu clã em ruínas. E tudo o que lhe restava era Sagitta, Ilsyl e a Mansão.
A vida era injusta assim.
Scorpius apoiou o queixo pontiagudo contra as mãos, enquanto os cotovelos eram depositados sobre o tampo de mogno da mesa. Os lábios estavam contraídos em uma fina linha, mordendo sem cuidado a pele umedecida do interior de sua boca. Podia sentir o gosto enferrujado de seu sangue, mas a dor lhe parecia certa. O fazia encarar com cuidado a situação – largar ou não largar a notícia de uma vez, ele ponderou.
Largar.
— Espero vender essa mansão, incluído os objetos que sobreviveram aos anos de loucura de Astoria e livrar-me de tudo de uma vez por todas, — explicou, sentindo-se menos morto após tantos anos em um completo limbo. Três anos. Três míseros anos havia bastando para acabar com a pessoa que um dia ele fora. O que restava agora era uma carcaça de beleza e uma linhagem pura que não valiam mais que um par das botas horríveis de Potter.
Botas horríveis, de fato.
Albus sentou-se melhor em seu lugar, uma expressão de suspeita e incômodo tingindo a face sem muitas mudanças desde a sua graduação como auror. A única marca visível era um corte que lhe tomava a pureza da pele previamente intocada; um risco branco e tão espesso quanto um dedo descia do meio da testa até o fim de suas olheiras proeminentes. A cicatriz tinha um estranho formato – não exatamente como o raio que marcava a tez de Harry Potter, mas sim um ziguezague mal feito por um objeto cortante. Ainda assim, a visão do olho esquerdo não parecia prejudicada.
Ele arqueou uma sobrancelha quando sentiu o olhar de Scorpius.
— Ainda não vejo o porquê de a minha estonteante presença estar carimbando com meu traseiro o seu estofado caro e refinado, — Albus disse, a acidez vazando sem escrúpulos. Pensaria depois em sua grosseria. Agora só queria voltar para a sua cama e descansar pela primeira vez em meses.
Scorpius suspirou.
— Eu sei que seus problemas financeiros são piores do que os meus, Albus. — O louro ignorou o olhar exasperado que recebeu do outro e prosseguiu com uma voz mais cautelosa, — Essa mansão vale muito mais que aparenta. Qualquer bruxo no mundo sonharia em ter suas mãos sobre a renomada casa dos Malfoy. O dinheiro seria o suficiente para que eu desse a mim e minha irmã uma vida decente pelo resto de nossas vidas.
— Certo. Só que desculpe a minha falta de inteligência, Malfoy, mas ainda falho em encontrar o que meusproblemas têm a ver com os seus.
Scorpius teve de se esforçar para que não risse maliciosamente. Enganara-se ao pensar que o moreno não mudara durante os anos a parte. A língua afiada de Lily Potter viajara até o irmão de uma maneira notável. Agora lhe restaria esperar para ver se gostaria ou não dessa mudança drástica. A imagem de um Albus alegre e descontraído sempre fora a única coisa que guardara de seu passado execrado.
— Sei que seu primo Louis mudou-se para Paris ano passado e vendeu sua pequena propriedade na Cornualha a você e desde então vem vivendo sozinho lá. — Scorpius pegou com maestria a taça de vinho e sorveu o líquido rubro em um profundo gole. Seu convidado teve a educação de continuar calado, algo que agradou o anfitrião. Ele não é ainda um caso totalmente perdido como Lily, cogitou. — E acredito que seria de seu interesse aceitar a proposta que tenho para oferecer.
— E qual seria ela? — Albus perguntou, de repente sem sentir fome alguma.
Os dentes brancos e perfeitos de Scorpius – perfeitos até demais, o outro notou – reluziram em um sorriso fraco, mas ainda existente. Era revigorante poder sentir uma fagulha de esperança explodir em seu peito.
— Sagitta e eu não teremos onde morar após a venda da mansão. Assim, se concordar, quero que me ceda dois quartos de sua casa. — Sentindo a expressão de aversão passar pela fronte de Albus, Scorpius tentou escolher com mais cuidado suas próximas palavras. — É claro que por um preço justo. E levarei Ilsyl conosco.
A parte da Ilsyl é tentadora, a mente de Albus alegrou-se. Se não tivesse de cozinhar e passar e fazer todas as coisas detestáveis que uma vida de solteiro exigia, poderia aguentar um ou dois hóspedes temporários.
Mesmo que um deles fosse Scorpius.
Ele te deixou por dois anos, Al, a parte sana de si sussurrou em seu ouvido. Sim, o louro havia incinerado sua amizade de diversas formas. Ignorara suas cartas, deixara de visita-lo, nunca mais se importara em procura-lo. Agora o tinha ali, apenas a um passo de implorar pela a sua ajuda. E eu irei ajudar. É claro que iria. A parte boa de Albus, aquela que quase o havia feito ficar cego de um dos olhos, nunca o abandonaria. Ele nunca abandonaria Scorpius.
— E é por isso que o Chapéu estava errado durante todos esses anos; tem muito mais da Lufa-Lufa em mim do que Sonserina. — Albus rebateu, quase de maneira retórica. Ele precisou fechar os olhos e massagear com as pontas dos dedos as suas têmporas para evitar uma dor de cabeça que parecia cada vez mais próxima. Em um momento estava sendo congelado pelo inverno, noutro via-se cedendo aos pedidos de um amigo não merecedor de sua compaixão. — Cadê o meu sangue frio quando eu mais preciso dele?
— O destino é uma merda, não é? — Scorpius sugeriu com sarcasmo. Albus havia se esquecido do quanto o colega sonserino podia irritá-lo. — E não se preocupe, é apenas temporário. Depois disso, será como se eu nunca tivesse retornado à sua vida.
Antes que o outro pudesse dizer algo, ambos ouviram o som de uma porta abrindo sem delicadeza e passos furiosos reverberando pelas paredes de pedra.
Albus começou a se virar para encontrar a razão dos barulhos, entretanto, tudo o que viu foi uma maré de cabelo louro-pálido chocando-se com o seu rosto, enquanto o pescoço era agarrado por braços pequenos e gentis. Um corpo se jogara em seu colo e ele podia sentir o cheiro de sândalo e rosas levando embora o odor pungente da refeição a sua frente.
— Olá, Sagie, muito bom ver você também! — Albus riu, abraçando a menina de volta com todo o carinho que tinha por ela. Ao contrário de Scorpius, o garoto havia se encontrado com a menina em algumas ocasiões anteriores a agravação do estado de saúde de Astoria há cerca de um ano, quando a família Greengrass fora finalmente obrigada a tomar a sua herdeira e interna-la em St. Mungus. Por alguma razão desconhecida, Sagitta desenvolvera uma adoração quase palpável pelo auror nesse interim e nem mesmo o irmão mais velho dela podia mantê-la longe do Potter.
Quando a menina se afastou, Albus encarou os olhos tão verdes quanto os seus. Eles eram grandes e vivos, exatamente os opostos de Scorpius. Onde ela expirava felicidade, o irmão consumia-se por sentimentos em ruínas. Era difícil entender como alguém tão nova quanto Sagitta houvesse sobrevivido a tantos acontecimentos ruins em seus cinco anos de vida sem qualquer avaria enquanto que o irmão tinha de esconder os danos visíveis gravados em sua alma. Talvez Malfoy esteja nesse estado porque deixou que tudo recaísse sobre as suas costas para protegê-la.
— Quando Scorpie disse que você viria hoje, achei que ele estivesse mentindo outra vez. Ele sempre promete coisas para me fazer obedecer! — ela explicou, sorrindo largamente. Ainda pequena, ela já parecia um retrato feminino da criança que um dia Scorpius fora. A pele pálida, os traços finos e o corpo que só se tornaria mais notável quando atingisse a puberdade. Albus percebeu com certo choque o quanto já entendia sobre a linhagem daquela família. Observara seu antigo amigo por tantos anos que agora revendo Sagitta, tudo voltava como uma explosão.
— Se obedecesse Ilsyl como deveria, não haveria a necessidade de prometer qualquer coisa a você — Scorpius rebateu de seu lugar, parecendo entediado. Ele não olhava para os dois deliberantemente; ocupava-se em analisar com um interesse forçado o brasão dos Malfoy cravado no fundo da lareira. O fogo crepitava a sua frente, como se quisesse engolir cada pedaço do símbolo. Pode muito bem transformá-lo em cinzas e mesmo assim não ligarei, ele quis dizer, contudo, manteve-se calado. Fazia isso com tanta frequência agora que não se pronunciar havia se tornado um hábito.
Sagitta ignorou o irmão e desceu do colo de Albus, apenas para puxar uma cadeira e arrastá-la até que ficasse perto da dobra da mesa como uma parede entre os dois velhos amigos.
— Astoria comentou da última vez que fui visita-la que seu irmão está agora tutorando o seu ensino. Como tem sido? — o auror interrogou bondosamente e tomou uma atitude menos prudente em sua postura. Esperava que dessa forma a conversa se afastasse de qualquer tópico mais profundo envolvendo Scorpius e ele. Não estava preparado para assuntos os quais traziam imagens nostálgicas à sua mente.
A menina sorriu de maneira travessa e desatou a explicar graficamente o quanto suas aulas eram tediosas. Contou a vez em que Scorpius tentara lhe ensinar álgebra avançada, ainda que ela não possuísse idade o suficiente para aprender contas de dividir; das lições tediosas de história da magia e gramática. Até mesmo fatos não bruxos – isso havia impressionado Albus. O garoto que havia sido forçado a atender Estudos dos Trouxas agora ensinava para a irmã sobre carros, Iluminismo e refrigerante?
Durante todo o tempo, nenhuma palavra escapou dos lábios cerrados do herdeiro dos Malfoy. Albus olhava-o de lado quando pensava que Sagitta não estava prestando atenção, tentando encontrar algo que pudesse odiar no loiro. Não devia ser certo tudo o que havia acontecido. Tinha de existir alguma coisa que o auror pudesse agarrar-se e ressentir pelos erros de Scorpius.
Mas tudo o que podia pensar naquele momento era o quanto havia sentido falta do melhor amigo.
Tradução da Letra: Tenho de partir enquanto ainda há esperança / Aprender a apagar o amor que eu conheço / E deixar você partir.
