Uma Questão de Cabelo
Lily nunca deixou seu cabelo crescer muito mais que um palmo abaixo dos ombros. Era comprido o suficiente para prender de várias formas e curto o bastante para não deixar aparecer aquelas pontas secas e esquisitas. Ela costumava cortar duas vezes por ano, uma nas férias de verão e outra no período de natal. Prático, simples e bonito. Desde pequena a garota mantinha essa rotina e mesmo quando, aos 11 anos, embarcou pela primeira vez rumo ao castelo de Hogwarts, não via motivos para mudar.
Até que o quinto ano começou, e com ele dezenas de frascos das mais variadas cores, perfumes e tamanhos que prometiam de tudo um pouco, começaram a habitar o banheiro do dormitório que dividia. Lily achava aquilo tudo muito curioso, mas nunca pensou realmente sobre assunto até que, numa noite de domingo, enquanto Marlene discursava sobre os milagres que a Poção HidraBrilho Madame Mimi Bangles havia praticado em seu próprio cabelo, se viu alvo da conversa capilar.
"Finalmente vou ter um cabelo lindo e brilhoso igual ao da Lily!" exclamou Marlene com um suspiro de triunfo enquanto sentava-se na cama.
A ruiva riu, divertida. "A última coisa que você quer, Marlene, é ter um cabelo parecido com o meu."
"Todas querem ter o cabelo igual ao seu, Lily querida" repetiu a loira com uma certa inveja na voz. Mary, no canto, concordava furiosamente. "E se eu tivesse esse cabelo, com essa cor, o deixaria crescer para sempre".
Lily bufou um pouco contrariada, não via nada demais nos seus fios. "Mas eles já são longos!" protestou. E ficou mais contrariada ainda quando as amigas gargalharam.
"Lily, Marlene tem razão. Seu cabelo é fantástico. Porque não o deixa crescer... mais?" ponderou Mary.
"Exato!" vibrou a loira "Não pode ficar com esse corte sem graça de criança para sempre, Lily. Está precisando mudar o visual, somos quase maiores e idade e você já é até Monitora!"
As duas meninas pareciam exultantes em imaginar uma Lily com os cabelos compridos, tanto que nem perceberam a perplexidade no olhar da própria. A conversa logo mudou de tópico quando Dorcas entrou correndo pela porta avisando que alguém havia explodido uma bomba de bosta no corredor do quarto andar. Porém, a questão agora perseguia Lily toda vez que se olhava no espelho. Porque não deixar o cabelo crescer e abandonar aquele velho corte que por anos emoldurou seu rosto?
Quando voltou para casa no natal pediu para o cabeleireiro cortar um pouco menos do normal, um teste. Entretanto, ao chegar em casa no final do quinto ano, estava mais introspectiva. Respondia brevemente as perguntas de seus pais e passava mais tempo perdida em seus pensamentos do que aproveitando os ensolarados dias de verão. Quando sua mãe a levou para cortar cortar o cabelo olhou firmemente para o profissional e disse "Estou deixando crescer. Não posso mais usar o mesmo cabelo infantil. Quero mudar o visual.".
O sexto ano em Hogwarts começou mais chuvoso do que o normal. Lily agora demorava vinte minutos adicionais no banheiro, se atrasando para o café da manhã praticamente todos os dias. O tempo era necessário para secar as longas e brilhantes madeixas vermelhas que a ruiva agora ostentava. E por mais belas que elas fossem, Lily intimamente ainda se perguntava se todo aquele trabalho valia a pena. Na segunda semana letiva, durante uma complicada aula de Poções, a ruiva percebeu que havia esquecido de levar qualquer coisa para prender o cabelo enquanto tentava, em vão, manter os fios longe do caldeirão fumegante. Mechas caiam teimosamente nos seus olhos enquanto a ruiva jogava-as para as costas com irritação. No momento em que se concentrava no corte perfeito da raiz de repolho chinês glutão sentiu alguém puxar uma das ponta dos seus cabelos. Olhando pelos ombros rapidamente não pode deixar de se surpreender ao notar James Potter encarando uma mecha de fios ruivos entre os dedos.
"Sabe Evans, não sei se você percebeu o quão longo seus cabelos estão." comentou o moreno, pensativo.
"Meu cabelo está te incomodando, Potter?" perguntou a ruiva com um pouco mais de agitação do que gostaria. Eles estavam desde o início do período letivo sem discutir ou brigar e ela gostava da recente paz estabelecida.
"Você praticamente me chicotear com ele toda vez que se mexe? Não, nem um pouco." disse James soltando a mecha que segurava. Lily sentiu o rosto arder e, em um hábil movimento, passou todo o cabelo por cima de um dos ombros enquanto voltava para as raízes.
"Sabe," ela ouviu o rapaz começar, parecendo tímido "não me entenda mal, seu cabelo é lindo, você sabe disso. Pode deixar solto, é só se empenhar menos na tentativa de furar meu olho com ele."
A ruiva não respondeu e nem devolveu as madeixas para as costas. Apenas continuou cortando e medindo como todo o resto de concentração que ainda lhe restava.
Dias depois, enquanto secava o cabelo, Lily admirava o intenso brilho de suas mechas. Fios de um vermelho vivo único que agora se estendiam sedosamente até abaixo dos seios. Contemplando seus belos cabelos compridos, não pensou no tempo perdido de café da manhã.
