Esta fic é um presente de aniversário para meu preciosíssimo amigo Orphelin, baseada no manga/anime Uragiri wa Boku no Namae wo Shitteiru (traduzível para o português como "Eu sou aquele cujo nome a traição conhece"), também conhecido como Betrayal Knows my name. O anime, o manga e os personagens não me pertencem, esta é uma história criada por fã para fãs (ou curiosos, quem sabe?).Para quem não conhece, o casal Hotsuma/Shūsei pode ser visto em imagens ou vídeos pela Internet. Boa leitura, abraço!

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Os olhos de Deus

Meus olhos parecem se perder de mim mais uma vez. Imóveis, impassíveis. Minha visão se fixa em algum ponto qualquer em meio à coloração azulada da parede. Mas ainda assim, o enxergo. Perto ou longe, o enxergo. Não bastasse enxergá-lo, posso sentir também a angústia que ele sente. A voz dele estrangulada na garganta, provavelmente no mesmo local onde se instalou em mim um nó faz com que eu não consiga comer ainda que conseguisse sentir fome. Fujo, mas ele me cerca. Cerro meus olhos para fingir que durmo enquanto ele invade meu quarto e instala-se silenciosamente em minha cama. Como um felino, ele se move à espreita, sou sua presa. Não posso suspirar quando a mão quente toca meu rosto com suavidade, nem quando as pontas dos dedos acariciam meus cabelos. Não posso deixar de respirar quando a voz de Deus me murmura um "durma bem", nem quando ele pousa seus lábios quentes e úmidos sobre os meus. Adormeço instantaneamente, encantado pelo poder que ele tem de se fazerem cumprir as suas ordens.

Acordo antes do amanhecer. Neste momento eu gostaria de ter a capacidade que ele tem de chorar e de sorrir com sinceridade. Eu gostaria de sorrir com sinceridade por ter sido agraciado com o amor dele, e de chorar com sinceridade por ser incapaz de curar as chagas abertas em seu coração. A minha sinceridade está concentrada no amor que sinto por ele, mas esmagada pelo medo que aumenta na proporção em que se aproxima o momento em que precisarei deixá-lo. Através dos olhos de Deus posso ver que Yuki Giou, o detentor da luz de Deus, é o único que poderá curar as feridas na alma de Hotsuma. Posso ver o encantamento de meu amado por ele. Posso ver que ele brindará o mais jovem Giou com o sorriso que era somente meu, e isso me entristece profundamente. Somente uma pessoa cruel poderia se entristecer em ver sua pessoa amada sorrir. Me tornei um monstro?

Assim como ele, carrego um dom que é também uma maldição, e renasci neste mundo com uma missão. Mas minha missão é também um desejo: o desejo de lutar ao lado dele e de ampará-lo enquanto ele necessitar de mim. Renascemos juntos por incontáveis vezes, e sofremos juntos em cada uma delas. Porém, ele é infinitamente mais forte do que eu, embora em seu próprio julgamento pense o contrário de si. Mal sabe ele a intensidade com que os olhos de Deus me revelam o seu verdadeiro sofrimento. Nesta vida chamado de monstro pelos próprios pais, e abandonado por eles em razão do dom que não consegue de todo controlar. Vive escondendo-se e evitando as pessoas ao seu redor para não machucá-las, perdendo as esperanças de ser aceito pelos pais aos poucos, quando eles o vinham visitar em busca de dinheiro. Chateado por manter expectativas ainda que tenha sido traído tantas vezes por seus próprios pais, e por julgar ser a sua função aquela de um peão em um jogo de xadrez.

Quão doce criatura é meu amado apesar de se esforçar para demonstrar o contrário! Apenas eu sei o quanto ele amargurou por render-se à sua grande bondade – que julga fraqueza – e ter protegido aquela infeliz criança agredida pelos colegas de escola. Como ele poderia ter previsto que atearia fogo ao corpo de todas aquelas crianças e que faria queimar depois logo aquela a quem pretendia proteger? Pergunto-me porque Deus escolheu Hotsuma para o dom de Sua voz. Logo ele, que em sua inocência acaba por ferir sempre àqueles a quem deseja proteger!

Eu também fui ferido por ele, profundamente. Não que as cicatrizes adquiridas quando ele ateou fogo a si mesmo ainda me doam. As marcas em meu corpo deveriam ser para mim motivo de orgulho, porque tive sucesso em impedir o suicídio dele ao suplicar que me levasse consigo e me recusar a soltá-lo no meio das chamas. Porém, essas cicatrizes se transformam em grilhões quando ele se aproxima de mim. Em toda sua ingênua sinceridade, ele é incapaz de encará-las. Ele sofre a cada vez que as vê, se sente culpado, e desvia o olhar delas sem que perceba o quanto isso me machuca. Embora o nosso amor seja recíproco, sou um estorvo para ele. Yuki é diferente de mim, é amoroso e dócil. Ele não sabe dissimular. Sabe sorrir com siceridade, e será capaz de ensinar Hotsuma a sorrir novamente, da mesma forma como no dia em que ele me sorriu ao me mostrar a beleza as estrelas. Mas eu não serei capaz de ver o sorriso dele novamente nesta vida, e isso me entristece. Sinto ciúmes, embora não devesse... já me tornei completamente inútil para ele. É chegada a hora de ir embora. Enquanto eu estiver perto dele, ele jamais irá se recuperar. Meu coração deve parar de bater para que o dele seja liberto de toda essa dor? Eu morreria com prazer para libertá-lo.

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Continua...