Prólogo

Tudo que sentia naquele momento, passou a ser nada. Toda dor, angustia, medo... Tudo se tornou um vácuo. Não havia o que fazer... Não que eu pudesse fazer algo, mas aos poucos meus sentidos foram voltando e antes que eu raciocinasse, um grito escapou pela minha garganta.

O primeiro sentimento que veio a tona, causando-me dor física, foi o da impotência, logo em seguida, a dor da perda e da culpa.

Por mais que me doe-se aquela cena, eu não conseguia desviar os olhos. Era tudo surreal, era difícil acreditar.

Fechei meus olhos com força e fazendo suplicas internas para que não passasse de um pesadelo, lentamente os abri, somente para constatar que era real.

Meu momento de espanto e choque foi cortado pela gargalhada alta e que com certeza ficaria para sempre em minha memória. Virei vagarosamente meu rosto e pousei meus olhos naquele que era o causador de todos os sentimentos vividos por mim. Ele se aproximou e selou seus lábios aos meus.

Naquele instante, eu senti nojo e repulsa de meu próprio corpo, mas gritos de horror e indignação foram brotando de meu subconsciente. Tinha certeza que minha vida havia acabado, junto com a dela.

Capítulo 1

Mais um dia infernal que enfrentarei com um sorriso no rosto, dizendo que está tudo bem, quando não está.

Olhar para aquele rostinho lindo, lembrando de meu passado, porém, tendo que sorrir, quando na verdade, minha vontade era de sair gritando, pedindo por socorro, clamando para que alguém me mate.

Eu sei que pode parecer drama de minha parte, mas eu não consigo esquecer! Já faz três anos que as imagens daqueles dias me atormentam. A vontade que tenho é de mandar a puta que pariu todos que dizem "o tempo irá apagar".

Isso é impossível, quando você tem um pedaço de seu passado, lembrando você do que mais deseja esquecer.

Sinceramente, odeio ter que acordar de manhã e enfrentar a mesma dor, as mesmas perguntas, os mesmos sonhos... Sonhos não, pesadelos.

Quando dei por mim, o inevitável de todas as manhãs iniciava-se. Eu chorava enquanto recordações invadiam minha mente.

Sentei-me na cama e abaixei minha cabeça, deixando lágrimas escorrerem pelo meu rosto e caírem no cobertor que ainda me cobria pela metade. Provavelmente, estaria encharcado quando e terminasse e recolocasse minha máscara de todas as manhãs.

Geralmente faço isso, para assim poder aguentar até o final do dia sem nenhuma lágrima caindo de meus olhos.

Eu não tinha consciência de nada a minha volta, apenas de minha própria dor e das lágrimas que desciam lentamente pelos meus olhos. Senti um toque em meu rosto, que já era mais do que conhecido.

Droga, droga, mil vezes droga!

Esqueci de trancar a porta. Senti as mãozinhas de minha pequena, secando as gotas salgadas.

Não queria que me visse assim.

- Saia! – Disse em voz baixa e falha, por causa do choro.

- Não chora, por favor, mama.

- Saia daqui, Jennyffer! – Mandei um pouco mais alto e decidido. Sabia que ela não merecia, mas era preciso.

Ela enlaçou seus pequenos bracinhos em meu pescoço, afundando seu rosto em meus cabelos.

- Mama, me deixa ficar? – Pediu, olhando-me com seus olinhos cheios de lágrimas. Aquilo me partia o coração, mas olhar em seus olhos no estado em que me encontrava, não era nada bom. Os olhos dela eram idênticos aos dele e antes que pudesse dizer algo, um grito saiu de minha garganta e logo em seguida, clamei para que saísse e me deixasse em paz.

- SAI! – Gritei por fim, assustando-a. Jennyffer desceu rapidamente da cama, correndo até a porta e acabando por tropeçar pelo caminho.

Droga! Minha pequena não merece o que acabei de fazer. Continuei com meu choro copioso e afundei meu rosto no travesseiro ao meu lado, abafando os gritos atrevidos que me escapavam. Eu tinha plena consciência que naquele momento, meu estado encontrava-se deplorável. Porém, deixaria para me importar com isso depois. Agora eu apenas rezava silenciosamente para que meu coração parasse de bater.

- Não, não faça isso... Você tem que ser forte por ela. Não se culpe pelo que aconteceu, se você decidiu tê-la, terá que ser forte. E não aguentaria perder mais uma filha – Proferiu meu pai, sentando-se ao meu lado e alisando meus cabelos. Somente um soluço saiu de meus lábios, eu não conseguia dizer que tudo que eu queria era ser forte, contudo, não conseguia.

- Shiu, minha pequena, não chore, eu estou aqui e sempre vou estar.

Acho que fiquei cerca de uma hora com o rosto enfiado no travesseiro, enquanto meu pai dizia palavras que aos poucos iam me reconfortando e acalmando.

Era sempre assim, quando eu tinha uma crise, meu pai sempre estava lá, desta vez não foi diferente, porém, havia sido a primeira vez que Jenny tinha me visto assim.

Eu realmente admiro meu pai por ter sido forte e superado tudo, para assim, me dar apoio. Eu realmente queria ser como ele.

- Como você consegue? – Perguntei com a voz rouca.

- Eu só penso que ainda tenho alguém que precisa de mim. Deus me levou uma, mas eu tenho você e minha netinha linda.

- Não foi Deus que a levou... – Falei com amargura e uma lágrima solitária voltou a escorrer pelo meu rosto.

- Nós já conversamos sobre isso, querida – Avisou. Ele queria evitar que voltasse ao mesmo estado que estava mais cedo, e ficava grata por isso.

Abaixei meu rosto para não encarar o olhar advertido de meu pai.

- Acho que você tem alguém que precisa ganhar suas desculpas – Comentou, olhando para a porta de meu quarto. Uma figura pequena estava só com metade de seu corpinho para dentro, ainda vestindo o pijama da Pucca.

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Segurava a barrinha da blusa com suas mãozinhas pequeninas. Podia ver a marca das lágrimas que ela provavelmente derramou por minha causa. Seu cabelinho vermelho acobreado e todo desgrenhado mostrava que havia acabado de acordar.

Ela me olhou com seus olinhos e fiz um movimento para que ela viesse até mim. Jenny veio correndo e pulou em meu pescoço, enfiando o rosto em meus cabelos. Ela sempre fazia isso quando me abraçava, dizendo que adorava o cheiro de morango deles.

- Vou deixar vocês duas conversarem sozinhas – Disse meu pai, saindo do quarto.

Coloquei-a sentada em meu colo de uma maneira que pudesse enxergar seus lindos olhos verdes assustados.

Dei um sorriso, mostrando que agora tudo estava bem, e ela retribuiu com um sinal que me machucava profundamente, um sorriso torto, idêntico ao daquele monstro.

Respirei fundo, seria uma longa conversa.