A Ira dos Deuses
Andar pelo porto de Bravos era mais que dever do seu trabalho, era ali que tinha notícias vindas do continente esquecido pelos deuses. Eles chegavam aos montes em Essos, pelo que diziam na cidade, sempre cheios de malas, animais, mantimentos e medo. Cada navio que desembarcava em Essos, logo poderia saber que mais dez chegariam nos próximos dias, mas logo perceberam que Bravos não era cidade para qualquer pessoa, principalmente para ladrões westerosi. Várias cabeças rolaram pelas praças, assim como outros membros decepados quando eram pegos em alguma atitude suspeita. A cidade escondida não tolerava ladrões, contrabandistas, traficantes de escravos, estupradores ou corruptos, parecia que ela resistia magicamente e forçava seus habitantes a não aceitarem comportamentos que se tornaram comum em Westeros.
Atenta, a Gata dos Canais passava pelos portos em busca do que acontecia por lá. Havia perguntado para o seu mestre na Casa do Preto e Branco...
...mas de nada adiantou.
Ainda não era uma capitã da organização, embora seja esta a sua vontade. Arya se tornara, com muito esforço, uma sub-capitã que deveria obedecer ordens de seus superiores sem questionar, e assim passar para os indivíduos que ficavam sob sua responsabilidade. Por mais que fosse merecedora do lugar de capitã, como Jaqen sempre deixou claro para si, não tinha idade o suficiente para assumir um cargo tão importante quanto aquele. O próprio amigo se tornou um dos membros da organização quando tinha por volta da idade que ela estava no momento, no auge dos seus catorze anos, e então só assumiu o posto de sub-capitão aos vinte e dois anos e chegou até um dos sete capitães há apenas um ano. O serviço secreto que cumprira em Westeros foi o suficiente para o mestre da Casa do Preto e Branco depositasse toda confiança no homem. Não estava engando, Jaqen era o melhor assassino que Arya já conhecera.
Mas o problema de não ser capitã significava não ter autoridade de permanecer nas reuniões mensais, ou seja, todas as informações que eles conseguiram ao redor do mundo não passavam nem perto da consciência dela. Eles sabiam quem ela era, mas isso não importava na organização assim que se torna um membro dela, e foi o que Arya Stark fez. Não havia a quem recorrer, e finalmente encontrou um lugar no mundo para si. Era duro ter que pesquisar sozinha, e perguntar de vez em quando para o amigo Jaqen recebendo sérios alertas sobre a curiosidade como resultado, mas fazia um ótimo trabalho para quem fica na ignorância. Não compreendia o quanto seus subordinados preferiam a ignorância, talvez fosse porque a vida os ensinou a se portarem daquela forma já que...
...a curiosidade matou o gato.
Matou o gato, mas este pelo menos morreu sabendo.
Naquele mundo da Casa do Preto e Branco, ela costumara que presenciar cenas horríveis, interessantes e até cômicas. Vários eram as tarefas que um membro da organização cumpria, o problema para Arya era o seu gênero: uma menina. Poucas faziam parte daquilo, sendo mais velhas que Arya e com funções não compatíveis com que a própria agora exercia. Eram espiãs disfarçadas das mais diversas formas, faziam o papel de esposas de mercadores prósperos, sacerdotizas de outras religiões, prostitutas por todos os cantos e até mesmo membros de famílias importantes, como os elefantes de Volantis e a Harpia de Ghis.
"Mulheres engravidam de um novo ser, minha criança, talvez não devam matar porque é uma contradição à natureza".
Era isso que os capitães costumavam falar para ela, que não dava a mínima para o que eles pensavam pois tudo que queria era saber como que aquele continente esquecido pelos deuses estava funcionando.
Westeros pode estar fazendo tudo, menos funcionando.
Como Arya não tinha talento para ser uma prostituta ou uma esposa dedicada, o posto de assassina sub-capitã caiu-lhe muito bem e até mesmo os mesmos capitães que a criticavam conseguiam elogiá-la. Era uma faca de dois gumes, tinha que ser habilidosa e extremamente competente para manter sua posição tão disputada lá dentro da organização. As pessoas que ali faziam o seu 'Valar Dohaeris' eram tenebrosamente fantásticas em suas habilidades, aprendeu usar todos os tipos de armas, aguentar todos os tipos de temperatura e resistir aos instintos mais animalescos.
Tolerei a fome, a sede e a solidão.
Era um dos testes principais, e ela havia passado facilmente. Não era à toa que se tornara a mais nova pessoa a conquistar um cargo como aquele. No melhor de tudo, seu sangue da lua ainda não havia descido e isso adiava cada vez mais a necessidade de colocá-la para ser uma 'espiã de cama'. Aprender a matar era bem melhor do que aprender a foder com quem não se tem atração nenhuma, ou seja, preferia queimar uma cidade inteira do que abrir as pernas para qualquer idiota. Não era um assunto que ocupava muito sua mente.
A quantidade de prostitutas aumentou verticalmente nos últimos meses, muitas delas westerosi que fizeram sucesso quando achavam que Bravos e Westeros tinham várias coisas em comum. Como sempre, a chantagem e o roubo não faziam parte da rotina dos braavosi.
O que mais a marcou foi ver o extremo desespero que todos chegaram nos portos, não importava se eram miseráveis, burgueses ou membros da aristocracia, o alívio em suas faces quando chegavam ali chamou-lhe a atenção. Várias vezes insistiu em conversar com eles, e todos diziam a mesma coisa.
- Os deuses se zangaram, menina – murmurou uma velha magrela que tampava o rosto com um sobretudo surrado da cor verde-musgo, estava acompanhada das filhas, netas e invádilos no navio – O Inverno chegou, assim como o lema de alguma Casa importante daquele canto do mundo.
O lema da minha Casa.
A velha não parecia querer falar sobre o assunto, algo a perturbava e Arya via em seu olhar que aquela mulher presenciara o tal terror de perto. Foi aí que deixou-a de lado, não precisava perturbá-la mais ainda com sua curiosidade nada saudável, e abordou a mais jovem de todas. Vestida em azul-claro, seus cachos dourados pertenciam obviamente à classes melhores do que a da velha magrela.
Tinha provavelmente a mesma idade que Arya, que estava com suas vestes neutras e masculinas de sempre. Não era preciso guardar segredo de Bravos o seu posto, como sempre a ensinaram na Casa do Preto e Branco, agora era uma autoridade
- Você responderá minhas perguntas sem questionar – ordenou a Gata dos Canais para uma versão loira de Sansa Stark, ou melhor, Sansa Lannister. Arya sabia que a irmã estava em Pentos com o anão, e que a relação dos dois era famosa por ser... tórrida. Mal conseguia imaginar a irmã em uma situação daquela – Está bem?
A 'Cachinhos Dourados' ergueu uma sobrancelha em um tom esnobe, olhando para Arya dos pés à cabeça como se estivesse avaliando se era digna de conversar com a versão loira da própria irmã. Era uma das coisas que a Gata dos Canais não sentia saudade nenhuma de sua vida na Corte.
Ela cedeu quando Arya mostrou o cabo de sua espada, que ficava em suas costas para deixá-la com os movimentos mais livres. Ganhara aquela espada na sua promoção para o cargo de sub-capitã e era feita de aço valiriano forjada especialmente para o seu tipo de físico, tendo como prioridade a leveza de movimento e discernindo completamente de espadas normais. Mas o que a 'Cachinhos Dourados' viu era nada mais, e nada menos, do que o símbolo dos Homens Sem Rosto com algumas fitas brancas amarradas, descendo em uma curta cascata em suas costas.
Sorriu internamente.
Parece que estamos visados em Westeros.
- Sim, minha senhora – respondeu obedientemente.
Adorava o modo com que as pessoas se comportavam ao descobrirem o que Arya fazia da vida.
- Esse navio veio de onde? – perguntou centrada, dando uma olhada para o próprio.
- Viemos do Vale, minha senhora – continuou obedientemente – Paramos aqui em Bravos por acidente, ir para Pentos ou outras das Cidades Livres está difícil. As tempestades em alto mar não deixam, sem falar que ficamos com muito medo dos traficantes de escravos.
Pentos está assolada de tanta gente, mas todos da aristocracia.
- Por que resolveram partir? – insistiu firme – O Vale costumava ser o local mais pacífico naquele continente nos últimos anos.
- Era, minha senhora – concordou tão mansa quanto um cachorrinho – Tivemos sorte, as pessoas da nossa vila foram todas mortas por... por...
Os olhos azul-claro da menina lacrimejaram e era possível enxergar o medo através daquelas órbitas inseguras.
- ...por? – insistiu novamente.
Já tinha uma ideia do que era, mas precisava confirmar suas suspeitas.
A 'Cachinhos Dourados' mordeu o lábio inferior.
- Um dos nossos comandantes nos informou que a lenda dos Outros é verdadeira, de início rimos, mas agora choramos.
Então é isto que estão escondendo no conselho?
Os treinos de variação de temperatura e fome foram reiniciados nos últimos meses, e agora Arya sabia o que viria logo em seguida.
N/A: Eu não queria publicar essa fic, já tinha no meu notebook desde o ano passado e por ser diferente da minha linha de escrita, fiquei com receio de postar. Não envolve grandes cenas de sexo, não por enquanto, porque o foco é a história mesmo. Obs: deletei as outras fics pelo simples fato de que meu pendrive não quer abrir porque foi corrompido por vírus. Não é desculpa, é meu desespero. Meus trabalhos de faculdade estavam todos lá. Mas é só. Beijos.
