título: Caminho para o Inferno

autora: Roberta Barros

classificação: PG-13 para essa parte

tipo: AU (começa no episódio Sleeper da sétima temporada e vai AU a partir daí, com algumas semelhanças com os episódios seguintes)

casal: Buffy/Spike e Anya/Xander (pra começar).

spoilers: Nenhum, se você acompanhou a série até o final.

disclaimer: Buffy, Angel e todo o "Buffyverse" pertencem a Joss Whedon, Mutant Enemy, Fox, UPN, etc, etc. Isso significa especificamente que não pertencem a mim. Ah, vai dizer que não sabia... Então, não me processe por ter pegado os personagens e usado em algumas horas de diversão – a produção dessa fanfic.

A visão dos personagens mostrada aqui pertence somente à escritora da fanfic (eu!) e não reflete necessariamente o pensamento do criador da série ou de seus roteiristas. Entendeu?

resumo: Levado pelo Primeiro Mal, Spike é forçado a matar. Isso você já sabe, mas será que Buffy irá conseguir matá-lo desta vez? Essa página contém o prólogo e a primeira parte.


Caminho Para O Inferno

(De boas intenções está pavimentado o caminho do inferno – Ditado Popular)

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Prólogo – Começou...

lasciate ogne speranza, voi ch'entrate(1)

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"Começou... Reúna todas..." Robson, com dificuldade, tentou explicar para seu velho e querido amigo Rupert Giles que o que o Conselho sempre temera já havia começado a atacá-los um a um e não planejava parar apenas nele e em sua pupila.

"Está tudo bem. Eu entendo. Vou cuidar de tudo..." o sentinela de Buffy começou a responder, tentando acalmá-lo. Ele estava chocado com a cena e, por isso, não chegou a ver a figura encapuzada esgueirando-se por detrás de si e mirando o machado na direção de seu pescoço, mas parte de si percebeu o que estava preste a acontecer.

Giles perdeu o controle de seu corpo, cedendo o comando ao outro ser com quem o compartilhava atualmente. Seria melhor se ela cuidasse da situação.

Assim, tudo aconteceu numa fração de segundo. Seus cabelos, seu corpo, seu rosto, tudo nele, enfim, transmutou-se em outra forma; uma forma feminina. Virando-se agilmente e segurando o braço do homem, ela torceu-o violentamente para forçá-lo a soltar a arma. O capuz do atacante escorregou para seus ombros, revelando sua face hedionda. Um esgar de dor cruzou seu rosto, mas ele não gritou. Estava surpreso demais para isso.

"Agora, isso foi muito rude, homenzinho," ela disse a milímetros de distância do rosto de seu atacante. Com um movimento rápido, segurou-o pelo pescoço e esmagou sua traquéia, soltando-o em seguida. Ele caiu ao chão com um som abafado.

De repente, outro a atacou pela frente. Ela facilmente deu um jeito nele também. "Ah, qual é? Vocês não sabem quem eu sou? Eu costumava ser adorada, venerada. Oh, pelo amor de Deus..." reclamou. "... Ou, melhor ainda, pelo amor de mim," completou soltando o segundo corpo no chão, com uma risada um tanto quanto insana.

Logo em seguida, voltou ao vestíbulo. Os sapatos que calçava, agora muito folgados para seus delicados pés, ficaram pelo caminho. Olhando para o espelho na parede revirou os olhos para sua imagem, desagradada com o que via.

Ela rolou seus olhos. Aquilo era tão chato! Ele sabia o quanto ela detestava que ele a trouxesse para a superfície usando aquele tipo de roupa. No meio do caminho, já esquecera completamente o outro sentinela ferido. Aquilo não fazia parte de suas preocupações, mas sim das dele.

"Rupert, você sabe o quanto eu detesto quando você faz isso... Onde estão minhas roupas?" ela reclamou, em um tom quase infantil.

"Você não vai precisar delas. Agora volte para o Robson e veja se ele ainda está vivo, sua garotinha mimada e superficial," uma voz firme ordenou dentro de sua cabeça.

Ela sabia perfeitamente bem o que era melhor para si mesma e então, mesmo de má vontade, obedeceu. Ajoelhou-se ao lado de Robson e tomou-lhe o pulso. "Ele está morto. O que mais eu devo fazer?" ela disse em tom entediado.

"Agora deixe-me tomar o controle de novo."

Ela obedeceu imediatamente. Não queria ficar ali, de qualquer forma. Pelo menos, não sem suas roupas de seda.

Era certo que aquele era um bom hospedeiro. Melhor até mesmo que Ben, com quem tivera uma convivência relativamente pacífica por mais de duas décadas. Porém, às vezes, Rupert Giles conseguia ser absolutamente enervante. Especialmente quando esquecia de detalhes como trazer suas roupas. Mas ele era mesmo muito forte.

Giles, agora de volta de novo ao controle de seu corpo, balançou a cabeça tristemente. Pobres Li An e Robson. Era melhor começar a fazer os preparativos para arrebanhar todas as outras Caça-Vampiros em potencial, conjuntamente com seus respectivos sentinelas, e levá-los para Sunnydale, agora que todos estavam correndo tanto perigo. Porém, ainda não sabia – e nem queria imaginar – como Buffy reagiria quando soubesse que Glory estava de volta. Um pouco mudada, mas ainda Glory. Ainda assim, sabia que era necessário que Buffy soubesse tudo o que acontecera desde que pulara daquela torre e, decidido, resolveu contar para ela assim que tivessem uma oportunidade a sós.

Quando estava deixando o prédio, a coisa toda explodiu. Giles foi lançado a vários metros de distância e chocou-se com um carro, que estava estacionado próximo à guia da calçada e, rapidamente, tudo escureceu para ele.

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Primeira Parte – Beba seu sangue, Spike.

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De volta à casa Summers, Buffy já estava cansada de todo aquele falatório. Aquela era sua casa e Spike iria ficar ali.

E não era que ela não respeitava a opinião deles. Pois é claro que respeitava. O problema é que o tempo estava passando e ela sentia que não estavam saindo do lugar. Além disso, o sol havia acabado de se levantar, logo seria hora de ir para o trabalho e Dawn também tinha aula ainda naquela manhã.

"Olha, Buffy, você acha mesmo que é..." Willow ainda tentou manifestar suas dúvidas, mas Buffy a interrompeu.

"Ele vai ficar aqui e ponto final. Como eu disse, nós não temos uma escolha de verdade. Mesmo que ele seja uma ameaça novamente, não há mais ninguém que possa detê-lo a não ser eu," ela disse rispidamente, mas suspirou em seguida, mudando seu tom de voz. A noite havia sido longa e difícil e ela estava cansada, mas sabia que descontar em seus amigos não iria aliviar em nada seu cansaço. "Olha, pessoal, isso é sério. Ele não tem nenhum lugar para ir, pelo menos por enquanto. Eu não posso pedir que Xander o receba de volta no apartamento. É muito perigoso."

"Não que eu o queira de volta ao armário ao lado de onde eu durmo, mas me deixe ser a voz da razão aqui e perguntar: e quanto a Dawn?" Xander tentou racionalizar.

"Ela estará perfeitamente segura na escola, comigo. Além disso, enquanto estivermos aqui, ele permanecerá no porão. Tudo vai dar certo, vocês vão ver," Buffy interpôs, dando uma olhadinha de relance em direção ao vampiro, que permanecia na mesma posição, completamente alheio ao fato de que, a apenas alguns passos de onde se encontrava, decidiam seu destino por ele, sem ao menos consultá-lo.

"Certo, mas e durante o dia?" o rapaz completou sua objeção. "Quem vai ficar aqui para ver se ele não mata o carteiro e enterra no jardim, ou algo do tipo?"

"Ele não vai fazer nada. Mas eu também não acho que ele esteja em condições de tomar conta de si mesmo agora."

"Spike parecia estar tomando conta perfeitamente bem de si, quando me acertou ontem à noite," Xander respondeu esfregando o queixo, ressentido.

"Eu... eu acho que vou para o meu quarto," Willow levantou e retirou-se da sala, os olhos grandes como pires de chá. Agora que Buffy dera sua palavra final, no que ela poderia objetar? Também era uma hóspede ali e tão criminosa como Spike, em seu entender. Pelo menos enquanto estava matando aquelas pessoas, ele não sabia o que fazia. Será que ela poderia dizer o mesmo de si? Provavelmente não, ela concluiu mentalmente. Com o calor da discussão, ninguém percebeu sua ausência.

"Aquilo foi diferente. Tudo é diferente agora e eu não acredito que você não tenha percebido isso ainda. Nós precisamos de um plano agora e, nesse momento, apenas Spike pode nos ajudar a descobrir como essa coisa age," a bruxa ainda escutou Buffy responder, enquanto subia a escada.

"E até quando para que as coisas voltem ao normal para Spike volta a ser o que sempre foi?" Xander proferiu baixinho, mais para si mesmo.

Buffy ouviu perfeitamente o que ele disse, mas, sem querer começar uma batalha naquela hora, ignorou. Ao invés disso, forçou um tom de voz mais otimista à voz e disse, "Ótimo, tudo arranjado. Então, só o que precisamos agora de um voluntário para ficar aqui até a tarde..."

Imediatamente, todos olharam para Anya, que estava calada e desinteressada na conversa, pelo menos até aquele momento. Porém, percebendo no que aquilo implicava, imediatamente se defendeu.

"Ah, claro, por quê não? Se você precisa de uma babá para um vampiro louco e assassino, chame a Anya, porque ela nunca tem nada melhor a fazer!" ela exclamou. "Eu sei que todos vocês têm coisas muito importantes para fazer e tal, mas eu também costumava ter uma vida própria. Antes que ela fosse arrancada de mim," a ex-demônio completou baixinho.

"E eu espero que você não esteja falando de sua carreira no mundo dos demônios da vingança, porque você sabe que estaria morta agora, se não fosse pela Willow.", Buffy respondeu. "Além disso, eu vou estar aqui antes do sol se pôr. Prometo," completou, forçando um sorriso confortador.

"Certo. Que seja... Mas eu prometo que, se ele me matar, eu vou voltar e matar todos vocês. Um por um," Anya revirou os olhos, encerrando a discussão e levantou-se, indo para a varanda. Ela não estava falando anteriormente de sua breve volta ao time de D'Hoffryn, mas sim a vida e a independência que perdera quando Willow destruíra a Magic Box. Mas Buffy estava certa, ela admitia. Também devia sua vida à bruxa ruiva.

Xander também se levantou. Ele tinha uma reunião marcada para as sete horas e não podia se atrasar.

"OK, obrigada, Anya. Tchau, Xander," disse Buffy, vendo-os sair e levantou-se também. "Dawn, você pode voltar para a cama, se quiser. Ainda temos duas horas," completou, voltando-se para a irmã.

Dawn, de má vontade, respondeu algo inteligível e se levantou. Olhou longa e atentamente para Spike, mas ele nem pareceu perceber. Ela definitivamente não aprovava essa recente aproximação de sua irmã mais velha com o ex-amante, mesmo que ele tivesse uma alma agora. De fato, não conseguia nem mesmo entender no que uma alma poderia tê-lo modificado tanto assim aos olhos de Buffy. Ou então ela estava apenas procurando uma desculpa apenas para poder receber o vampiro de volta em sua vida? Do tipo de justificativa como 'Oh, ele tentou me violentar, mas ele tem uma alma agora. Tudo ficará melhor.' Dawn não acreditava em nada daquilo.

As coisas não iam mudar, pelo menos do seu ponto de vista. Claro, ele havia sido seu melhor amigo durante os meses em que Buffy não estava por ali, porque estava... bem, morta, e ajudara os outros a tomar conta dela.

Porém, ficara claro que ele só permanecera na cidade por ter prometido para Buffy que assim o faria se acontecesse alguma coisa, não porque dava qualquer valor à amizade dos dois, pois, quando os outros haviam trazido Buffy de volta, o vampiro simplesmente deixara Dawn de lado.

Mais tarde, a adolescente ficara sabendo que isso acontecera porque ele finalmente conseguira realizar seu sonho de se enfiar nas roupas de baixo de Buffy e não precisava mais bancar o bom moço e ser amigo dela. Tudo fizera sentido para Dawn e ela nunca poderia perdoá-lo por isso. Mas aquilo havia sido apenas uma das coisas que a faziam odiá-lo agora porque, depois que ele atacara sua irmã, começara a se sentir tão traída em sua confiança quanto Buffy deveria estar, se estivesse pensando claramente. Porém, como Buffy não estava...

Dawn estalou os dedos na frente do vampiro para conseguir sua atenção. "Spike?" ela chamou.

"Sim?" ele piscou os olhos, olhou para ela e sorriu.

Ela retribuiu o sorriso dele com um gelado. "Você se lembra quando eu lhe disse que eu o mataria se você voltasse a encostar um dedo na minha irmã, certo?" Spike assentiu. Dawn continuou: "Bem, já que você vai morar aqui de agora em diante, eu gostaria que você soubesse que," ela fez uma pequena pausa, "eu estava falando sério."

"Eu sei que você estava, Lil' Bit," foi a resposta dele.

"Ótimo. Tenha isso em mente, se você decidir perseguir a Buffy de novo," sem esperar resposta, Dawn deu as costas a Spike e deixou a sala, indo em direção às escadas.

A mais jovem das irmãs Summers não conseguia compreender verdadeiramente, nem mesmo agora, o que Buffy havia dito sobre ainda 'sentir algo por Spike' quando as duas conversaram sobre esse mesmo assunto enquanto assistiam o treinamento do time de futebol do colégio algumas semanas antes.

Aquela coisa de Buffy ainda estar sob a sombra de seu breve relacionamento com o vampiro louro e ela sentir qualquer coisa que fosse além de desdém ou mesmo asco por ele, deixava Dawn positivamente furiosa, mas um pouco confusa também. Quando Buffy havia dito aquilo tão vagamente, a garota pensara, pelo menos a princípio, que sua irmã estava confundindo pena por causa da provação pela qual o vampiro estava passando atualmente com algo mais profundo. Em qualquer caso, ela decidiu, certamente divergia do julgamento da irmã. O mais rápido que ela se decidisse por enfiar uma estaca no coração do vampiro, não seria cedo o suficiente em sua opinião.

É claro que nunca passara por sua cabeça adolescente que a irmã pudesse estar sentindo, ainda que involuntariamente, um pouco de responsabilidade pelo destino de Spike, por ele ter ido em busca de sua alma para poder ser um homem melhor para ela. Um que não a machucasse jamais.

Enquanto Dawn conversava com Spike na sala de jantar, Buffy foi para a cozinha e abriu a geladeira. Mesmo reconhecendo a inocência do vampiro sobre as mortes recentes, ela sabia que ele não estava com o controle sobre si mesmo e, portanto, não era exatamente prudente deixar Anya sozinha na casa e nada para o vampiro poder beber:

"Hmm, pelo menos Dawn deixou um eletrodoméstico inteiro...", ela disse sarcasticamente para si mesma.

Buffy alcançou um vidro no fundo da geladeira, exatamente onde o deixara tantos meses antes e o abriu. Aproximou o nariz dele e fez uma careta, "Blargh! Eww Eww Eww.", ela exclamou, fechando o vidro de novo, o mais rápido que pôde e o deixou em cima da pia. O cheiro era de podridão. "Yep, você sabe que é uma Caça-Vampiros quando tem dois ex-namorados vampiros e um vidro de sangue de porco estragado no fundo de sua geladeira...", ela comentou para ninguém em especial, pois estava sozinha no aposento. O que ela faria? Então ela se lembrou da bolsa de sangue que Spike deixara no congelador, no dia de sua festa de aniversário. Ela se lembrava que não o deixara se alimentar na frente dos estranhos – Sophie e Richard. Assim, certamente, ainda estaria lá.

Ela sabia que o sangue da bolsa era humano – e nunca havia aprovado os métodos dele conseguir tal sangue – e perguntou-se se faria bem ele ingerir aquilo logo após as mortes mas, riscos à parte, seria cruel demais deixá-lo com fome até que voltasse do colégio e pudesse passar no açougue para comprar sangue fresco de porco. Portando, afastou os pensamentos e levou-a ao microondas.

Somente vendo o estado do aparelho é que ela se lembrou. "Ah, maravilha... E agora?" suspirou, pensando numa solução. Será que ele sugaria de um furinho se ela lhe dissesse que era sorvete? Sorvete de sangue humano... ela franziu o nariz em aversão pela idéia que acabara de ter. Alcançando uma panelinha, a encheu de água na pia e a colocou sobre uma das bocas do fogão, acendendo-o. Depois mergulhou a bolsa dentro da panela e esperou que o conteúdo se liquefizesse. Após alguns minutos, retirou a bolsa da água, abriu um buraco e derramou metade do sangue numa caneca, até completá-la e a carregou até a sala de jantar, onde Spike ainda estava onde ela o deixara.

"Hey," ela disse simplesmente, aproximando a caneca na direção do vampiro.

"Hey", foi a resposta dele, piscando os olhos para sair de seu transe auto-induzido, mas ignorou a caneca que ela lhe oferecia. "Como está isso?" ele perguntou, apontando para o ferimento que infringira ao ombro dela, durante a luta dos dois na noite anterior.

"Ah, isso? Está ok," disse ela casualmente, desviando sua atenção do vampiro para olhar para o próprio braço.

"Dói?" Ele perguntou, preocupado.

"Não muito. Eu vou enfaixar antes de ir para o trabalho, não se preocupe."

"Me desculpe por tudo aquilo..."

"Ah, não foi grande coisa. Mas tenha certeza que vai ter que me dar outra blusa," ela sorriu, tentando demonstrar para ele que estava tudo bem. "Agora, vamos, pegue. Beba seu sangue," ela disse sem nenhum sinal repugnância e, com sua mão livre, alcançou a mão dele e o forçou a segurar o objeto.

"Obrigado, mas eu não quero," Spike respondeu, olhando para seus sapatos. "Eu não estou com fome, Buffy."

"Por favor, Spike, beba logo. Eu tenho que ir para o trabalho logo e saber que você está aqui sem se alimentar é a última coisa com que eu preciso me preocupar..." ela bufou, sem perceber realmente como suas palavras soavam aos ouvidos dele.

"Desculpe. Eu não quero ser um fardo para você e eu não vou ser. Eu vou voltar para o meu porão agora," o vampiro sussurrou, levantando-se e depositando a caneca no assento que estava ocupando anteriormente. Depois, dirigiu-se para a porta, completamente alheio ao fato de que o sol já brilhava forte lá fora.

"Spike, espere, não foi isso que eu quiser," ela disse, interpondo-se rapidamente entre ele e a porta de entrada. Ele ainda tentou contorná-la, mas ela o segurou firmemente pelo braço, forçando-o a encará-la e disse, bem séria, "Spike, primeiro ouça uma coisa, está bem? Você nunca mais vai voltar para o porão da escola. Há algo lá fora que quer você," ela fez uma pequena pausa, "Eu preciso de você para derrotar essa coisa que está nos desafiando. Acha que pode fazer isso?"

"Você quer minha ajuda, Buffy? Minha ajuda não é boa pra nada. Eu estou enlouquecendo cada vez mais, você sabe bem disso. Como eu poderia ajudar? Eu matei aquelas pessoas. Sangue, eu sinto o gosto delas na minha boca agora. O seu sangue também. Eu sinto o seu sangue em minha boca.", ele começou a dizer arrebatado.

Ele soava um pouco como Drusilla e aquilo não escapou a Buffy, mas ela o interrompeu:

"Primeiro, se acalme. Aquela coisa estava te deixando louco, sim, Spike. Mas agora você está aqui e está a salvo, entendeu?" ela reafirmou, ainda o segurando e, por um momento a ironia de dizer aquelas belas e vazias palavras logo ali, em sua sala de estar completamente destruída, a atingiu. Mas conseguir abordar sua irmã na própria casa de Buffy havia sido apenas sorte daquela entidade ardilosa e não aconteceria novamente, ela decidiu. Ou assim a Caça-Vampiros pensava. "Além disso, é plena luz do dia e nenhum convidado meu será transformado em uma pilha de cinzas enquanto estiver morando aqui," Buffy brincou de leve e sorriu.

"Não seria uma má idéia, luv," ele comentou.

"Pare com isso. Não é nem mesmo engraçado," ela parou de sorrir e disse seriamente.

"Buffy, você não acha que seria muito melhor usar a sua estaca para dar um fim em mim? Me deixar um pouco de dignidade?" Ele a fitou com seus olhos azuis assombrados.

"Não. Não, é claro que não. Você sabe que eu não poderia fazer isso. Se eu não pude nem mesmo quando você..." ela começou, mas preferiu deixar a frase sem terminar.

"Por quê não? Eu sou bom para nada, você está vendo."

"Nós precisamos de você, eu já te disse isso. Por isso, procure descansar durante o dia. Você pode ouvir música lá no meu quarto, ou mesmo ler algum livro..." ela ofereceu, tentando desviar o assunto.

"Não, não música!", ele gritou, tampando os ouvidos com as mãos. "Por favor, sem música. Sem música..." ele repetiu sussurrando.

"Por quê não? Eu sei que não é o tipo de música punk que você costuma escutar, mas..." ela começou, sem entender do que ele estava falando, mas ele a interrompeu.

"Não, você não entende. Primeiro ele vem e canta, depois você vem e então..." ele tentou explicar, mas estava começando a ficar incoerente de novo.

"Que tipo de música, Spike? Que tipo de música ele canta para você? É isso que está fazendo você fazer essas coisas? A música?" ela perguntou interessada, sentindo que havia algo por detrás daquilo. Que tipo de música poderia fazer alguém matar?

"Eu não consigo lembrar. Eu não quero..." Spike afastou-se de Buffy e enrolou-se sobre si mesmo, num canto da sala. "Não me faça lembrar de novo, por favor."

Buffy andou até ele e agachou-se ao seu lado. Ergueu sua mão para tocar seus cabelos úmidos de suor, talvez confortá-lo, mas um segundo pensamento a fez interromper o gesto. Embora conhecesse bem o antigo Spike, estava desnorteada em como agir com esse novo ser e não sabia como ele reagiria a seu toque.

"Está bem, não vou. Mas apenas cante um trecho para mim. Você pode fazer isso, não pode?" com a voz mais paciente que conseguiu arranjar, ela ainda tentou convencê-lo, alheia ao perigo que corria se ele atendesse seu pedido.

Ao invés de atendê-la, o vampiro encarou-a seriamente, toda a lucidez surpreendentemente de volta em seu rosto anguloso.

"Você tem que me matar, Buffy. Tem que me matar antes que seja tarde e eu mate mais alguém. Se você pressentir que eu sou uma ameaça à vida de alguém, de qualquer um, você vai me matar, certo?"

"Você não vai ser, eu vou me certificar disso. Por isso, cale a boca e deixe de falar besteira."

"Por favor, você tem que me prometer isso!", os olhos dele cintilaram. Eles não eram mais azuis. Eram dourados agora.

"Spike, eu só... Você não está sendo justo. Você tem uma alma agora. E isso é importante." ela se afastou um pouco, cautelosamente.

"Quando você vai aprender? Alma, sem alma, não importa. Eu ainda sou um monstro desprezível e você tem que me matar. Isso é bem simples e é o seu trabalho. É o seu trabalho, maldição! Faça o seu trabalho, Caçadora!" ele a agarrou violentamente pelo braço e bradou, exaltado.

"Não! Me solta!" ela gritou também, assustada com a veemência com que ele dizia aquelas palavras e fez o que já estava acostumada a fazer quando o que ele dizia não era exatamente o que ela queria ouvir – o atingiu no rosto com toda a força, arremessando-o para o outro lado da sala.

A discussão atraiu a atenção das outras moças. Willow e Dawn desceram correndo as escadas e Anya entrou correndo. "O que está acontecendo?" ela disse.

"Nada aconteceu. Eu vou me aprontar para o trabalho," ela dirigiu-se às escadas e, quando passou pelo vampiro, sibilou em sua direção, "Pare de sentir pena de si mesmo e beba seu maldito sangue, porque eu vou te trancar no porão, até eu voltar."

Ela estava realmente possessa com ele, desta vez. Como ele podia falar daquele jeito com ela, como ousava sugerir que ela... que ela... fizesse seu trabalho? Não isso, na verdade, mas a mera sugestão de que ele não passava de trabalho para ela era quase ofensiva.

Foi quando aquilo a atingiu e ela percebeu. E suas próprias palavras;

"Eu estou usando você e isso está me matando..."

"Eu preciso de você para derrotar essa coisa que está nos desafiando..."

Então, na segurança de seu quarto, Buffy encostou-se na parede e fechou os olhos, suspirando. Será que algum dia ele seria capaz de entender que ela não poderia simplesmente dar um fim em sua existência? Mesmo se ela entendesse – e ela honestamente acreditava que entendia – o sofrimento no qual ele estava imerso?

Seria realmente uma surpresa que ele pensasse assim? Que ele se visse pelos olhos dela? E, mais importante, seria ela capaz de mostrar a ele que as coisas estavam mudadas agora?

Talvez, algum dia ela contasse a ele. Um dia.

Um pouco antes de trancá-lo no porão, Buffy esvaziou o aposento de qualquer objeto de madeira e retirou suas armas velhas de lá. Apenas por precaução.

Alexia saiu de casa apressada. Ela estava atrasada para a aula.

Ela tinha apenas dezesseis anos e se mudara com a família para Sunnydale há apenas três meses. Eram originalmente de Nova York e, antes disso, da Espanha, onde Alexia e sua irmã Sophia haviam nascido. Sophia havia se envolvido com os garotos errados e havia morrido baleada na cabeça numa guerra entre gangues de rua. Era por isso que a família havia se mudado para aquela cidadezinha da Califórnia em busca de um pouco de paz...

Naquele dia, Alex havia dormido um pouco a mais. Seus pais haviam se tornado surpreendemente complacentes desde que a filha mais velha havia morrido – não deveria ter sido o contrário? – e não estavam sendo tão vigilantes quanto deveriam nos estudos dela. Como resultado, as notas de Alex, antes uma aluna exemplar, haviam caído vertiginosamente e, naquele dia, ela tinha um compromisso com a conselheira do colégio.

"Merda!" a jovem exclamou sem cerimônia, apressando ainda mais as passadas.

Praticamente agora correndo pela rua, Alexia desviou seus olhos por apenas um instante do trajeto para seu relógio de pulso. Foi quando trombou na estranha figura encapuzada que vinha subindo a rua no sentido oposto. Os livros que ela carregava foram parar do outro lado da calçada.

"Oh, me desculpe, senhor. Eu não estava..." ela sorriu sem jeito, enquanto se aproximava para ajudá-lo a se levantar, mas o resto de suas palavras não conseguiram encontrar o caminho para fora de sua boca. Pois, olhando casualmente para ele, percebeu que ele não possuía olhos. Símbolos tatuados cobriam o lugar em seu rosto onde deveriam estar os olhos. Não, não tatuados, uma parte de seu cérebro protestou; parecia que haviam sido gravados ali. E as pálpebras? Ela pensou que estava enlouquecendo, porque pareciam costuradas. Mas quem costuraria as próprias pálpebras? Não gostaria de descobrir.

Mesmo assim, parecia que ele a estava vendo. Como se ele pudesse olhar para dentro de sua alma e a profanasse fazendo isso. Aquela foi a sensação mais desagradável que ela já havia experimentado em todos os seus dezesseis anos de vida. Até ali, é claro.

Cautelosamente, mas com o coração aos pulos dentro do peito, Alexia começou a se afastar do estranho e esqueceu completamente de apanhar seus livros. Desde que se mudara para Sunnydale, seus amigos haviam lhe alertado sobre coisas estranhas que simplesmente esbarravam em você naquela cidade, mas sempre imaginara que esse tipo de coisa só acontecesse durante a noite.

Ela virou-se para correr, mas não conseguiu, pois, nesse momento, duas outras figuras encapuzadas surgiram e a agarraram. Ela tentou gritar, mas um deles tampou sua boca.

Eles a carregaram, ainda se contorcendo e tentando inutilmente gritar, para uma viela.

"... Veja nas notícias internacionais de hoje: Explosão de dois prédios no centro de Londres. Especialistas acreditam em manobra terrorista, mas ainda nenhum grupo assumiu a autoria do atentado..."

"Isso foi legal, cara. Muito legal!" o rapaz louro desviou sua atenção da pequena tela de TV para olhar com uma admiração quase devotada seu companheiro.

"Obrigado. E essa foi apenas a fase A do plano."

"Legal! Quando você disse que voltou da morte e que nós íamos dominar o mundo, eu não acreditei, mas agora. Wow!"

"Yeah, yeah, yeah. Agora cale a boca, que eles estão falando da chuva de fogo em Los Angeles.."

Não vai dizer que isso é obra sua...?"

"Bem..." o espectro respondeu com ar de falsa modéstia.

"Wow! Muito legal!" Andrew arregalou ainda mais os olhos em admiração. Ele quase parecia um garotinho que havia encontrado um pônei embaixo da árvore de Natal. Se o garotinho tivesse recém degolado seu melhor amigo, que fique claro.

Spike e Anya estavam no sótão, sentados um defronte do outro; o vampiro sentado na cama de armar que Buffy deixara para que ele pudesse dormir durante o dia e a ex-demônio numa cadeira bem defronte. Enquanto ele lia seu livro, ela não conseguia tirar os olhos dele, parecendo fascinada. Por fim, o vampiro desviou sua atenção do livro e a encarou. Limpou a garganta e, sentindo-se desconfortável, disse:

"Sabe, quando Buffy pediu para que você ficasse aqui, vigiando para que eu não fizesse algo idiota, eu não acho que tivesse isso em mente."

Ela piscou os olhos, como se só percebesse o que estava fazendo, naquele momento:

"O quê?"

Ele levantou uma sobrancelha cheia de significado para ela.

"Oh. Isso... Eu aqui com você e tal e coisa..." ela desviou o olhar por uns instantes e alisou a própria saia, pensativa. "Eu não estou querendo fazer sexo com você, se é o que está pensando. É só que eu nunca havia visto uma alma dentro de um vampiro, antes. Me diz; como é?"

"Como é o que? Você quer dizer, ter uma alma?" o vampiro perguntou surpreso. Ninguém havia feito aquela pergunta a ele ainda, mesmo todos já sabendo do que havia acontecido com ele. Por quê aquela garota, entre todos, iria se importar com sua situação atual? Mas, aparentemente, ela se preocupava ou, pelo menos, estava curiosa a respeito, pois assentiu.

"Você me diz primeiro, tem a sua a mais de um milênio, não é?" ele disse pendendo levemente a cabeça para o lado e lhe dando um meio sorriso, que não chegou aos seus olhos.

"Isso é diferente. Vampiros supostamente não deveriam ter alma."

"E eu estou começando a ter uma boa idéia do porquê disso..." disse ele baixinho, falando mais consigo próprio do que com ela.

Anya ainda estava olhando para ele. "Então..." ela gesticulou para que ele continuasse.

"Então... é uma agonia vinte e quatro horas por dia, sete dias por semana, como um maldito canal de TV a cabo ou algo do tipo, dentro da minha cabeça. Me acusando, gritando pelo que eu fiz. E me deixe te dizer uma coisa, pet, eu fiz umas coisas bem ruins em minha existência."

"Eu posso imaginar isso. Ex-demônio da vingança, lembra?" ela disse apontando para si mesma, quase orgulhosa. O vampiro a olhou curiosamente e ela continuou, "Você vai aprender logo a contornar sua alma."

"E como eu poderia contornar a maldita coisa? É como se ela estivesse gritando o tempo todo comigo. Como uma mãe dentro da minha cabeça, ou algo do tipo e..." Spike começou a explicar, mas Anya o interrompeu:

"A-há! Exato!", ela exclamou, apontando para ele, como se quisesse reter as palavras que acabavam de sair da boca do vampiro.

"Exato... o quê?" ele não fazia idéia do que ela estava falando.

"Ora vamos, Spike. Em alguma parte de sua vida você teve uma mãe, certo? Uma mãe humana, eu quero dizer."

"Siiiiim...", ele concordou propositalmente lento e olhou-a atentamente, incentivando-a a continuar.

"E o que você fazia quando ela se tornava insuportavelmente chata, tipo, 'Aud, já alimentou os coelhos?' ou 'Aud, aquele Olaf não presta, melhor você parar de se encontrar com ele ou Deus me perdoe, mas eu irei...'' ela começou a divagar, mas calou-se quando percebeu o olhar do vampiro.

"Quem são Aud e Olaf!"

"Deixa pra lá." Anya disse, fazendo um gesto vago. "A coisa importante é que, mesmo quando você ainda era pequeno, já sabia como se desligar de todo o falatório da sua mãe, exceto quando era importante, como, vamos dizer, leve um casaco, não esqueça o guarda-chuva, certo? Oh, e escove seus dentes."

"Minha mãe era realmente silenciosa. Estava sempre doente, a pobre. Mas eu sei o que você quer dizer... A mesma coisa que eu faço com o meu demônio, quando escutar o que ele quer não vai me ajudar em nada."

"É, eu acho que é exatamente isso," ela sorriu largamente concordando.

Spike mordeu o interior de sua bochecha, meditando sobre o que Anya havia acabado de dizer. Por mais simplista que pudesse parecer, o conselho que ela acabara de lhe dar poderia muito bem funcionar.

A estudante agendada para as quatorze horas não apareceu e Buffy, então, afundou-se em sua cadeira. Examinou a ficha da jovem novamente: Alexia Fernandez, segundoanista, notas brilhantes até recentemente, com a morte da irmã mais velha. Na foto, a garota sorria, quase sonhadoramente. Buffy examinou a foto pensando que daria qualquer coisa para ter aquele olhar de novo, mas sabia que era impossível. Olhou para o relógio de parede novamente – 14:25 – e fechou a pasta, percebendo que, se não viera até aquela hora, não apareceria mais. Olhou seu próximo caso: Joy Smith. Joy estava tendo alguns problemas de comportamento, desde que os pais se separaram. Agora, aquela era uma coisa com a qual podia se identificar.

Melancolicamente, Buffy pensou que devia ser algum tipo de piada – uma de mau gosto, é claro – esse seu novo trabalho na escola, aconselhando os alunos. Metade do tempo ela não tinha idéia do que dizer àqueles garotos e na outra metade, oh, bem, melhor não dizer nada a respeito. Mas o salário era razoavelmente confortável e o dinheiro era bem-vindo, especialmente agora que Dawn usara seu machado para "remodelar" metade do primeiro andar da casa. Eles tinham três pessoas morando na casa, Anya e Xander estavam lá o tempo todo e isso para não mencionar o novo-vampiro-com-uma-alma-louco-de-pedra que ela tinha como inquilino em seu sótão agora. Não podia mesmo dispensar o dinheiro.

O telefone tocou. Ela atendeu: "Alô. Buffy Summers falando."

"Oi, Buffy. Como estão as coisas?"

"Hey, Xander. Está tudo bem, eu acho. Eu conversei com a Anya um pouco antes do almoço e ela me disse que está tudo quieto no porão, então eu acho que ele deve ter dormido o tempo todo."

"Eu não estava realmente falando de seu convidado vampiro, mas é bom saber que ele não matou ninguém. Ainda."

"Sim, eu também acho. Então," ela fez uma pequena pausa, hesitante. "Então, eu estive pensando..." ela disse, pretendendo pedir para que ele usasse seus talentos para instalar um jogo de correntes no porão.

"Não, espere," ele a interrompeu. "Eu estou ligando porque um negócio aconteceu."

"O que aconteceu? Anya ligou? Como está...?" mas antes que ela conseguisse completar 'Spike', Xander a interrompeu:

"Acabamos de encontrar o Jonathan aqui no prédio de Ciências. Eu pensei que você gostaria de dar uma chegada aqui para olhar. Mas você tem que se apressar, porque já chamaram o Wood também."

"Então eles voltaram. Talvez tenham perdido o medo da Willow. O que você acha, ele disse alguma coisa?"

"Engraçado você mencionar, porque ele está morto."

"Oh..."

"Isso. E, pelo cheiro, eu diria que ele está morto há mais de uma semana. Talvez, mesmo duas, eu não sei," o rapaz terminou a explicação.

"Eu já estou indo aí," ela disse, desligando o aparelho em seguida e preparou-se para sair.

Na porta, Buffy ainda teve que se desvencilhar de Joy, que chegara mais cedo para o aconselhamento, mas, cinco minutos depois, já adentrava o edifício inacabado, do outro lado do campus. Xander a esperava na porta.

"Então, onde está o corpo?" ela já foi perguntando, enquanto ele a guiava.

"Um dos caras novos o encontrou bem aqui, escondido atrás de uma pilha de material. Ele pensou, a principio, que era algum animal morto. Você devia ver a cara dele, quando veio me contar."

Andaram até uma das salas que estavam servindo de depósito para o material de construção. Xander destrancou a porta.

"Aqui está," ele disse, parando ao lado do corpo, que já estava, misericordiosamente, coberto com um lençol. Infelizmente, isso não o deixava nem um pouco com um cheiro melhor.

"A coisa está feia, então?" ela perguntou e retirou o pano. Pela segunda vez no mesmo dia, franziu involuntariamente o nariz, em sinal de repulsa.

"É, bastante. O cara que o encontrou estudou com a gente, talvez você se lembre dele. É o irmão daquele garoto da jaqueta, qual é o nome dele? Lance, é isso aí," ele deu um tapa na própria coxa, ao lembrar-se. A administração queria que a obra terminasse antes dos feriados de fim de ano e Xander havia sido obrigado a colocar a companhia a todo vapor e novas contratações haviam sido obrigatórias. "E ele também conhecia o Jonathan," continuou falando, enquanto ela examinava o corpo.

"Yeah. Hmm, sem marcas no pescoço, mas esfaqueado e, parece, drenado... mas sem nenhum sangue por aqui. Quem iria se importar de matá-lo e depois arrastar para cá? Com tantas mortes sem solução aqui na cidade, não é como se a polícia fosse se incomodar de ir muito a fundo nesse caso," ela disse mais para si mesma, meditando sobre a estranheza da cena e sem prestar muita atenção no que o amigo estava dizendo. Levantou-se e Xander cobriu o corpo novamente.

"Sabe, às vezes eu quase tenho pena do Jonathan. Não agora porque ele morreu, eu quero dizer, mas antes disso, quando a gente ainda estava no colégio. Ele sempre estava tentando, eu não sei, ser alguém importante, mas nunca conseguindo. Eu acho que ele não era tão mau quanto o Andrew e Warren. Entretanto, ninguém o forçou a se associar com eles. Você sabe o que eu quero dizer, certo?" Xander disse, seus olhos cheios de piedade sincera pelo antigo colega de escola.

"É, acho que sim," ela respondeu pensativa, lembrando-se que fora justamente Jonathan quem a alertara sobre os globos de poder que Warren estava usando para conseguir super-força. Mesmo agora, Buffy não tinha certeza se teria conseguido escapar daquela se não tivesse sido pela ajuda inesperada dele. Era engraçado que tudo o que havia acontecido depois daquela luta parecia ter acontecido tanto tempo antes, como o assassinato de Tara e a conseqüente loucura de Willow, depois a deserção de Spike, embora não se tivessem passado ainda seis meses desde tudo aquilo.

"Senhorita Summers, o que está fazendo aqui?" uma voz surpresa soou atrás dos dois. Era Robin Wood, o diretor do colégio, que acabara de chegar junto com os policiais.

"Eu? Nada." ela respondeu afetando extrema inocência e depois disse para Xander, "É, você está certo. Esse aqui não vai precisar de nenhum aconselhamento. Está mesmo morto. Vou voltar agora para a minha mesa agora. Vejo você em casa," ela deu as costas tranqüilamente ao grupo de homens e deixou o ambiente.

"Que moça estranha..." Wood comentou, quando Buffy saiu pela porta.

"Você nem sabe a metade disso." foi a resposta de Xander.

"Como foi o seu dia?"

"Foi bom. O seu?" Spike comentou, esperando pacientemente enquanto ela terminava a tarefa que a trouxera de volta ao porão.

"Ótimo." ela respondeu, desatenta. "Agora, tente escapar," ela pediu, gesticulando em direção às correntes que o prendiam à parede.

"Tem certeza que essa é uma boa idéia?" ele disse, usando toda sua força para arrancar as correntes da parede, mas elas não saíram do lugar. Tentou novamente. Nada.

"A única que eu tenho no momento. Por favor, tente lembrar da música..."

"Tem certeza?" ele tornou a perguntar, ainda achando tudo aquilo uma péssima idéia, mas ela assentiu, resoluta.

Spike começou a cantar:

"Bem cedo uma manhã, na hora em que o sol se ergue

Lá embaixo no vale, ouvi uma jovem a cantar

Oh, não me engane. Oh, nunca me deixe

Como você pôde, uma pobre donzela enganar?"(2)

"Parece uma... hum... uma bonita canção," ela comentou cautelosamente, dando um passo para trás, na espera de que ele tentasse atacá-la. Porém, isso não aconteceu.

Buffy olhou para ele inquisitivamente. Ele deu de ombros – ou, pelo menos, o quanto conseguiu dar de ombros, visto que estava firmemente preso à parede.

"Parece que não funcionou, não é? Agora, se puder me soltar..." ele sugeriu suavemente, sacudindo de leve as correntes que o prendiam. Ela se apressou a atendê-lo, mas quando olhou para ele, seus instintos lhe disseram que aquele não era o mesmo Spike que ela acorrentara pouco antes. Aquele ali parecia muito confiante, muito satisfeito consigo mesmo. Voltou à mesma posição que estava e o olhou atentamente. Por fim, decidiu entrar em seu jogo.

"Pena..." ela comentou vagamente, mas sem tirar os olhos dele um só instante.

"É, é sim, ducks," ele concordou, enquanto olhava para um ponto atrás dela.

Ela imediatamente percebeu isso e evitou olhar para trás, intuindo que havia algo lá com eles novamente – muito provavelmente a mesma entidade que o fizera matar e transformar em vampiros todas aquelas pessoas do porão. Talvez ele estivesse dizendo para Spike fingir que estava tudo bem, até conseguir que ela o libertasse.

Buffy não estava planejando fazer aquilo assim tão já. Primeiro ela precisava medir a influência daquele ente sobre o vampiro e trazê-lo de volta, depois disso. Ela não podia bancar a gentil ali. Afinal, aquele não era nem mesmo o 'seu' Spike. Aquele era muito mais perigoso e imprevisível, se é que aquilo era possível. Decidiu que também podia jogar daquele jeito. Já estava odiando tudo aquilo.

"Caçadora, vai demorar muito? Estou com fome," ele deu mais um puxão na corrente. Desta vez, bem mais forte.

"Então... vou te dizer uma coisa, Spikey... Se não me contar o que quero saber, o único sangue que você vai ter vai ser o que sair do seu nariz. Agora, me diga: o que te fez matar aquelas pessoas?" Buffy perguntou, com a voz falsamente doce.

"Eu estava entediado. Agora, se você puder...", ele sorriu maldosamente para ela. Não estava nem mesmo tentando disfarçar agora.

Buffy o socou no nariz, como prometera e disse: "Eu avisei que detesto repetir as coisas, mas eu vou fazer isso, dessa vez. Por quê você matou aquelas pessoas?"

"Por quê você fez isso, sua cadela?" o vampiro gritou, surpreso.

Ela levantou o punho novamente e ele provou, desafiadoramente, o sangue que escorria de seu nariz. Buffy estremeceu involuntariamente e Spike riu de novo. "Tem certeza que prefere que eu fique amarrado? Eu posso ser muito mais divertido, se você me soltar..."

"Não duvido disso. Caso é que eu prefiro você do jeito que está. Por isso, seja um bom menino e... conte tudo."

Os dois trocaram um olhar hostil e ficaram se encarando por alguns segundos.

"Buffy. Está tudo bem aí embaixo?" uma voz preocupada soou da porta do porão. Era Xander, que ouvira os gritos lá da cozinha.

"Sim, Xander, está tudo bem. Mas já que está aí, traga essa caneca de sangue de porco, que está em cima do balcão."

"Eu não quero nenhum sangue de porco!" o vampiro protestou.

"Por quê não? Não costumava fazer nenhuma diferença para você antes. Depois, nessa casa, é o máximo que vai conseguir.", Buffy contrapôs.

"Você mesma disse, luv. Tudo está diferente agora."

A resposta a pegou de surpresa. Ela não imaginava que aqueles dois Spikes compartilhassem lembranças. Se aquilo era verdade, então porquê ele não conseguia se lembrar quando estava em seu estado normal? Ela não possuía resposta para aquilo, mas tencionava descobrir."

"Ótimo. Então fique aí e morra de fome!", ela respondeu e subiu para a cozinha, deixando-o sozinho.

Não completamente sozinho, é claro, sua 'princesa da escuridão' estava lá para lhe fazer companhia, embora Buffy não conseguisse vê-la. Spike podia.

Estava quase no final do turno da enfermeira Adelle Dickenson, quando ela foi chamada ao quarto 401. Na verdade, não era nenhuma emergência real. Apenas Johana Atkins, sua colega de turno, que queria lhe mostrar o quão atraente era o novo interno.

"E você me chamou aqui apenas para isso?" Adelle disse, moderadamente de mal humor embora admitisse interiormente que o homem era, de fato, muito bonito, ainda que com o rosto bem machucado e contusões espalhadas pelos braços e pernas. Ela estava morrendo de curiosidade em saber qual era a cor de seus olhos, mas ele estava inconsciente, embora já fora de perigo e o resto de seu corpo estava coberto pela camisola fina do hospital, mas Adelle não se importaria muito de dar uma olhada por ali também. Ela não conseguiu segurar a falsa carranca por mais tempo e acabou soltando uma risadinha. Johana, que a estava olhando fixamente à espera de uma reação, a acompanhou no riso.

"Bem que eu te falei..."

"Então, já conseguiram contatar a família dele?" Adelle tentou manter sua postura profissional, mas falhou miseravelmente.

"Você não me engana, Adelle. Eu sei que a única coisa que você está interessada em saber é se ele é ou não casado."

"Bem, isso é verdade, mas você não pode culpar uma garota por tentar," Adelle piscou para a colega.

"É," Johana respondeu e andou até a porta do quarto, fechando-a. Depois disse com ar conspiratório: "Você sabia? Acharam dois números de telefone no bolso dele, mas um era justamente de um escritório no outro prédio que explodiu e o outro é de um telefone nos Estados Unidos, mas ninguém atende."

"Verdade? Não estão achando que ele teve alguma coisa a ver com as explosões, certo?" Adelle arregalou os olhos, surpresa.

"Disso eu não sei, mas a polícia quer ser avisada imediatamente, assim que ele acordar. Você não viu os dois policiais que estão montando guarda no final do corredor?"

A Scooby Gang ainda estava reunida na casa na casa de Buffy, embora já fosse noite fechada.

Enquanto Xander reparava as janelas e a porta quebrada, Anya, Dawn e Buffy juntavam os cacos dos objetos triturados e ensacavam para o lixeiro levar na manhã seguinte. A única ausente, Willow, só chegaria bem mais tarde. Ficara na biblioteca do instituto de psicologia tentando descobrir o que poderiam fazer para evitar que Spike tornasse a ser afetado por aquela música, se é que era aquilo que o estava afetando. Buffy achava que era e, no momento, era a única coisa que tinham.

Todos trabalhavam em silêncio, imersos em seus próprios pensamentos. De tempos em tempos, ouviam o vampiro esbravejar furiosamente enquanto forçava as correntes que o prendiam.

"Eu odeio quando ele está desse jeito..." Buffy disse baixinho, para si mesma. Horas haviam passado desde que o deixara sozinho lá embaixo. Na verdade, o que ela odiava era sua impotência em lutar com o que quer que estivesse subjugando o vampiro naquele momento. Sem ter mais o que fazer, continuou anotando mentalmente os objetos que teria que repor. Um brilho captou sua atenção e ela logo viu o que era. Silenciosamente, ela abaixou-se para pegar do chão o porta-retrato quebrado. Nele, ela, sua mãe e Dawn sorriam. Ela afastou cuidadosamente os pedaços de vidro e afagou a foto, pensativa. Suspirou e fechou os olhos, lembrando-se que aquele havia sido um dia muito feliz e especial; a foto havia sido tirada alguns dias depois da cirurgia de Joyce e a senhora Summers ainda estava com a cabeça enfaixada. Buffy não conseguia acreditar que a mãe havia morrido há quase dois anos e o quanto sua vida havia mudado desde então. Ela sabia que, mesmo com o fator sobrenatural de ser a mãe da Caça-Vampiros, Joyce sempre inspirara uma aura de normalidade a casa em que moravam. Silenciosamente, Buffy jurou para si mesma continuar fazendo o mesmo pela irmã.

"O que fazemos agora, Buffy?" Xander perguntou sem olhar para ela, enquanto trocava a vidraça da sala.

"Hu?" ela o olhou surpresa ao ser arrancada de seus devaneios. "Oh. Eu não sei, Xander. Realmente não sei..." ela suspirou e cruzou os braços. "Mas tem alguma coisa lá com ele. Eu quase... quase conseguia sentir essa coisa, na escuridão, rondando, sussurrando coisas, sabe? Queria saber como impedir isso."

"Ou talvez não tenha nada lá e você esteja imaginando coisas. Já pensou que Spike tenha pirado mesmo e esteja fazendo essas coisas sozinho?"

"Sim, já pensei em tudo isso. Essa é uma possibilidade também e temos que estar preparados para isso. Mas eu não acho que seja tão simples assim..." ela discordou, embora em tom neutro.

"Talvez você não queira admitir que seja... que ele ainda seja tão maligno quanto antes," ele se virou e a olhou atentamente por um momento.

"Eu... eu o vi, Xander. Você não acredita em mim, eu sei, mas ele está mudado."

"É. É claro que sim. Ele está matando de novo, transformando pessoas. Quase conseguiu matar você, noite passada... É, está realmente mudado," o rapaz contrapôs sarcasticamente, dando as costas para ela novamente e voltando à sua tarefa.

"Sabe, eu não quero chover na parada de ninguém mas, Buffy, eu acho que o Xander está certo..." Dawn se intrometeu, vindo para perto.

"É. Hmm, eu acho que vou dar uma olhada nele, agora. Por favor, tranquem a porta atrás de mim, está bem?"

"Hey, hey, hey, o que você pensa que está fazendo?" Xander perguntou surpreendido, soltando suas ferramentas no chão e interpondo-se entre sua amiga e a passagem para a cozinha.

"Eu vou tentar trazer ele de volta. É isso o que eu vou fazer."

"Pensei que você não soubesse como fazer isso.", ele ainda objetou.

"Eu não estou absolutamente certa, mas eu acho que eu sei um jeito."

"S-será que nós não deveríamos esperar a Willow voltar? Talvez ela tenha descoberto alguma coisa," Dawn sugeriu, mordendo o lábio inferior com ar de dúvida.

"Tudo vai ficar bem, Dawnie," Buffy se forçou a sorrir e acarinhou de leve o rosto da irmã. "Enquanto eu estiver lá embaixo, tente ligar para Londres e descobrir onde está o Giles, ok?" pediu.

"Eu não estou gostando nada disso," Xander respondeu para ela, olhando apreensivo para Buffy. Quando ela fechou a porta atrás de si, ele girou a chave na fechadura. "Nada mesmo."

Buffy desceu os degraus cuidadosamente, carregando a caneca de sangue consigo. Não era sangue de porco e sim humano – o resto da bolsa que ela abrira naquela manhã – mas ele não precisava saber daquilo. Aproximou-se silenciosamente dele.

O vampiro parecia estar dormindo, com a cabeça pendida ligeiramente e os olhos fechados. Ela levou a mão em direção a seu rosto e tocou-o de leve. Ele abriu os olhos e sorriu para ela. Não era um bom sorriso. Ela deu um passo involuntário para trás.

"Voltou para brincar um pouco mais, Caçadora?" ele perguntou sardonicamente, sua voz ligeiramente rouca.

"Eu pensei que você pudesse estar com sede..." ela disse e ouviu a leve tremulação em sua própria voz. Odiou-se por causa disso.

Spike farejou o ar e a encarou vivamente.

"Hmm, sangue humano. Eu estou começando a gostar desse serviço de quarto," ele riu.

Como ele poderia...? Mas é claro que podia. Pelo cheiro, eis como descobrira. Ela se chutou mentalmente por não ter pensado que Spike poderia identificar o sangue apenas com seu olfato apurado. Seu blefe estourara bem em sua cara.

"Eu pensei que seria melhor se eu o trouxesse de volta agora..." ela aproximou a caneca dos lábios do vampiro, mas ele não mostrou nenhuma intenção de tragar o conteúdo.

"Vamos, Spike, eu tenho muita coisa para fazer. Você sabe disso!" ela protestou perante a irredutibilidade do vampiro.

"Isso é muito tocante, mas eu estava pensando exatamente o contrário, embora, se você me oferecesse o seu pescoço, o jogo poderia ser outro..."

Ela riu. "Em seus sonhos garotão..."

"Ou nos seus..."

"Que seja. Agora, beba!" Buffy exclamou, forçando mais uma vez a xícara contra os lábios dele. Ele sorveu o primeiro gole e seu rosto se modificou, assumindo a máscara do vampiro. Ameaçadoramente, Spike arreganhou as presas sanguinolentas para ela, como uma fera selvagem, mas acabou cedendo e por fim bebeu todo o sangue, até a última gota. Ela apenas o observou, mantendo o rosto cautelosamente inexpressivo.

Depois de um tempo, ele pendeu a cabeça para o lado: "Eu lhe disse que não ia dar certo, luv. Talvez apenas ele possa me controlar usando a canção."

A declaração a pegou despreparada, ela não estava esperando por aquilo. "Então, você quer dizer que não se lembra? Não se lembra de nada?" ela disse, olhando para ele atentamente. Talvez fosse apenas uma encenação, afinal.

"Por quê? O que aconteceu? Eu contei algo? Algo útil?" ele disse, genuinamente esperançoso e ficou aguardando a resposta.

Por fim, ela sorriu, acreditando nele. "Nada muito útil, infelizmente, mas nós podemos trabalhar nisso," ela disse, alcançando as chaves e se preparando para soltá-lo.

"Não!" ele exclamou, sacudindo vigorosamente a cabeça. "Não faça isso!"

"O que? Por que não? Quer dizer, a experiência acabou, você não precisa mais ficar preso," ela disse, surpresa com a veemência naquelas palavras.

"Pet, eu..." Por onde começar? Ele não queria assustá-la, mas ela não estava vendo um fator importante ali. Continuou: "Nem mesmo eu confio no que eu poderia fazer, se você me libertar. E se alguém passar na rua assobiando essa canção? E se...", ele abaixou o olhar, envergonhado. "E se ele vier e me fizer machucar você? Ou a Nibblet? Eu preferiria morrer a colocar em risco qualquer uma de vocês mas... m-mas eu sou fraco, Buffy. É isso que eu sou," ele gaguejou, chorando agora, desesperadamente tentando engolir os soluços.

Titubeante, Buffy levantou a mão, mas, ao contrário do que acontecera naquela manhã, desta vez não a recolheu de novo. Delicadamente secou as lágrimas do vampiro e depois afagou seu rosto, dizendo: "Eu sei que você não machucaria nenhum inocente por vontade própria. Eu acredito em você."

"Você não sabe disso. Você nunca saberá o que eu sou, o que fiz, o que eu ainda estaria fazendo se eu não...", ele fechou os olhos, tentando afastar as lembranças amargas de seu passado e deixou as palavras morrerem no meio do caminho, mas ela sabia o que ele deixara implícito. O que ele seria se nunca a tivesse conhecido e o amor que sentia por ela não o tivesse modificado. Ela finalmente entendeu o que ele dissera algumas noites antes, não era o chip. Nunca fora o chip, mas sim sua alma. Buffy havia sido sempre a alma do vampiro e quando aquilo não fora o suficiente e ele a atacara, saíra para reconquistar sua própria alma e voltara para ela.

Buffy engoliu em seco, tentando dominar os sentimentos confusos que a estavam rasgando em duas. Ele parecia tão fragilizado e derrotado. Aquilo era demais para Buffy suportar. Ele sempre fora confiante e ela nunca o vira naquele estado, mesmo quando ele fora capturado pela Iniciativa e tivera aquele chip implantado em seu cérebro.

Spike finalmente abriu os olhos e encarou. "Fraco.", ele repetiu pesaroso. "É o que eu sempre fui, fosse como humano ou vampiro, luv." A dor era quase palpável em sua expressão.

Ela tentou sorrir, sentindo as próprias lágrimas no fundo de sua garganta. "Não, você não é. Você sempre foi o mais corajoso de nós dois. E agora você tem que se lembrar disso e voltar a ser forte. Por mim," ela inclinou-se e beijou-o ligeiramente nos lábios para assegurar sua confiança nele e olhou para dentro de seus olhos perturbadoramente azuis. Lá dentro, ela viu uma mistura de amor e paixão, mas também confusão e medo. Espantada por ter sido carregada pelo momento, Buffy desviou o olhar e deu um passo para trás. "Eu... hmm... Eu vou voltar mais tarde para ver se você está bem, ok?" ela disse, sentindo seu rosto em brasas e o coração dando pinotes dentro do peito. Sem esperar resposta, ela lhe deu as costas e subiu correndo as escadas que levavam até a segurança de sua cozinha.

Xander a estava esperando perto da porta da sala. Ele andou a passos largos na direção dela. "Eu estava para chamá-la e...", ele a percebeu excessivamente corada e se interrompeu. "Hey, espere um pouco. O que estava acontecendo lá embaixo?" perguntou, por fim.

"Hu? Ah! Oh, nada, nada aconteceu," ela respondeu, com a melhor cara inocente que conseguiu simular. "Por quê?".

"Porque você não acreditaria em quem veio fazer uma visita..." ele começou a explicar, sendo interrompido por Buffy.

"Giles?", ela perguntou, arregalando os olhos em expectativa. Estava tão preocupada com a falta de notícias dele que, sem perceber, acabou segurando a respiração.

"Desculpe, Buffy, mas não. Ainda não temos nenhuma notícia. Talvez tenha alguma coisa a ver com o fato do seu telefone estar desligado."

"Merda!" ela exclamou e foi pisando duro em direção à sala. "Dawn! Dawn! Venha aqui, já!" ela gritou furiosa pela irmã. Uma semana antes, havia dado o dinheiro para que ela pagasse a conta no banco. Se ela esquecera e a companhia houvesse desligado a linha por falta de pagamento...

Dawn veio correndo. Ela sabia por que a irmã estava gritando. "Eu juro que eu paguei, Buffy! Aparentemente, alguém andou mexendo na ligação do telefone lá na rua."

"Além disso", disse Anya, "Estava funcionando hoje à tarde, quando conversamos, lembra?"

"O que, aliás, nos leva ao visitante misterioso, que estava me espionando na biblioteca," Willow completou, afastando-se um pouco para que Buffy visse quem estava amarrado numa cadeira.

Ao mesmo tempo em que Buffy conversava com Spike no porão de sua casa, Alexia acordou. Tudo estava completamente escuro e ela sentiu que uma venda cobria seus olhos. Estava sentada numa cadeira dura, mas logo descobriu que cordas ásperas envolviam firmemente seus pulsos e tornozelos. Havia também uma fita adesiva cobrindo sua boca.

A jovem estava aterrorizada e desorientada. Há quanto tempo estava presa ali? Não fazia idéia, tanto poderia estar ali há minutos quanto horas. Ou dias, ela não poderia dizer. A única coisa que ela sabia com certeza era que seus pulsos estavam ardendo horrivelmente por causa das cordas e que ela poderia até mesmo matar por um copo d'água. Sua cabeça estava latejando e a garganta estava tão seca e áspera que doía apenas em pensar nela, quanto mais respirar.

Ela não conseguia lembrar muito, apenas que trombara com um estranho homem sem olhos e depois fora carregada para um beco em plena luz do dia. Depois disso, apenas a escuridão e depois acordar ali.

Apurando o ouvido, ela notou um gemido vindo de sua esquerda. Virou-se, sentindo sua esperança crescer. Talvez alguém estivesse preso ali junto a ela. Ou então um maníaco amolava seu facão para cortá-la como manteiga, ou mesmo fazer algo pior. Sentiu-se fisicamente doente, apenas por pensar no que poderia acontecer com ela, pelas mãos de um louco pervertido. Depois de um tempo, o mesmo ruído se repetiu e ela percebeu que se tratava de um gemido de dor, não algo que pudesse ter saído da garganta de alguém que estivesse sentindo prazer ao observá-la ali, amarrada e indefesa.

Logo, Alexia começou a perceber outros ruídos no ambiente: indistintos gemidos, sons abafados, possivelmente provenientes de outras vítimas que também estavam ali presas como ela – Alexia, ou Alex, como seus amigos costumavam chamá-la, não poderia saber, mas havia ali quatro mais adolescentes; uma amarrada à uma cadeira como ela e as outras três acorrentadas às paredes, bem afastadas entre si – e um grupo mais afastado, provavelmente em um cômodo contíguo, entoando freneticamente em uníssono um cântico numa língua que ela não compreendia.

Havia outra coisa que Alex também não sabia: ela e as outras garotas naquela sala eram tudo o que restara de todas as Caça-Vampiros em potencial no mundo todo.

Por uma falha do Conselho dos Sentinelas, ela era a única naquele grupo que ainda não sabia de seu destino. Tinha apenas dezesseis, mas retirara aquela marca de nascença horrorosa de seu seio esquerdo quando tinha doze anos e ainda morava na baía de San Sebastian, Espanha. Desafortunadamente, isso não fora o suficiente para mantê-la a salvo dos monges encapuzados, que a foram encontrar justamente ali na Boca do Inferno.

"Andrew?" Buffy disse aturdida, franzindo o nariz.

"Como eu disse para eles, eu não vou contar nada," o rapaz disse obstinado, mas dava para se ver que ele já estava começando a se apavorar.

Buffy aproximou-se felinamente de seu refém e sentou em seu colo.

"Você sabe, Andrew," ela disse enganadoramente calma, embora seus olhos verdes faiscassem, dando a medida de sua irritação. "Você não sabe o quanto um telefone é importante para a vida social de uma garota com a idade de Dawn? Saber que você andou mexendo nos fios... tsc tsc tsc..."

"Eu... eu..." ele começou, mas ela o impediu.

"Não me interrompa, eu ainda estou falando. Sabe, algo invadiu a minha sala de estar, maltratou minha irmãzinha, destruiu as obras de arte da minha mãe. Algo está fazendo meu namorado agir como um louco e matar pessoas," Buffy nem percebeu que acabara de se referir a Spike como seu namorado, mas os outros a olharam abertamente curiosos. Ela estava tão furiosa, que nem percebeu isso também. "Algo," ela continuou, determinada, "que pensa que pode me derrotar. Mas não pode e bem cedo ele vai perceber que cometeu um grande engano vindo para minha cidade e se metendo com as pessoas que eu amo. Por isso, se eu descobrir que você tem uma coisinha a ver com tudo o que está acontecendo, vou acabar deixando escapar da minha memória que eu não mato humanos. Ou, melhor ainda, eu poderia simplesmente deixá-lo junto com o Spike, lá embaixo. Tenho certeza que ele vai gostar de saber que você tem algo a ver com o que o está fazendo enlouquecer. Estou sendo clara até aqui?"

"E-está," ele gaguejou. "Mas, ainda assim, eu não vou falar nada. Ele vai me matar, se eu fizer isso."

"Como você matou seu amigo Jonathan?" Andrew estremeceu quando ela disse isso. "Sim, eu estou sabendo disso também. Ah, mas eu tenho tempo e quando eu terminar com você, vai direto pra prisão, se sobrar alguma coisa de você pra ir pra lá," ela disse sorrindo cruelmente. Seu sorriso mandou arrepios pela espinha de seus próprios amigos. Eles sabiam que ali não restava muito de Buffy. Ela era puramente a Caça-Vampiros agora.

"Você pode me matar se quiser, mas não vai arrancar nada de mim," ele disse, virando o rosto numa tentativa de ocultar seu medo avassalador.

"Quem falou em matar? Pelo menos, não assim tão rápido... Mas se você não disser tudo o que eu quero saber, vai desejar exatamente isso. Eu tenho outros planos pra você. Sabe por que Spike tem esse apelido, Andy?", ela perguntou e ficou esperando.

Ele balançou a cabeça energicamente para os lados. Não fazia a mais vaga idéia.

Buffy se colocou de pé. "Não se preocupe. Vai descobrir," ela disse e andou em direção à sala. "Alguém," disse ela das escadas, "Fique com ele até eu voltar. Eu estou indo buscar alguns brinquedos."

"Por quê? P-por que ele tem esse nome?", Andrew guinchou aterrorizado, olhando de Xander para Willow. "Que tipo de brinquedos?" Andy tentou mais uma vez.

Os dois se entreolharam nervosos, mas nenhum respondeu.

Por fim, Willow seguiu Buffy, deixando Xander sozinho com o refém.

Em Londres, Glory acordou. Quando viu onde estava, ficou furiosa.

Ela estava também extremamente faminta.

(continua...)


(1) Deixai toda esperança, ó vós que entrais.

A Divina Comédia, Canto III

(2) NT: Early one morning, just as the sun was rising/

I heard a maid sing in the valley down below/

"Oh don't deceive me, Oh never leave me/

How could you use, a poor maiden so?"/