CAPÍTULO I

19 de setembro. Completaria 22 anos naquele dia. Já tinha comemorado com sua família em um almoço na mansão de seus pais, com tudo aquilo o que tinha direito, mas à noite seria apenas para os mais íntimos. Preparava uma coisa bem simples em seu apartamento. Teria muita música, comida, bebida, e o melhor de tudo: A companhia de seus onze melhores amigos.

Shaka era uma pessoa que se dizia feliz e com sorte. Era bem sucedido financeiramente - não que isso fosse essencial para ser feliz-, tinha uma família grande e unida, adorava seu trabalho e tinha amigos verdadeiros e maravilhosos. Esses sim eram estritamente essenciais. Tinha os companheiros mais maravilhosos que podia ter. Sentia-se muito querido quando estava rodeado por eles. Eram amigos de infância e não se desgrudaram desde então. Poderiam até se afastar, mudar de cidade ou país, mas nunca perderiam o contado. Sempre arrumavam uma data para se reencontrarem, colocar os assuntos em dia, falar bobagens, beberem, falarem mais bobagens, namorar e beber mais.

Estava sentado em seu sofá, com uma taça de vinho tinto em uma das mãos, e uma fotografia na outra. Estavam todos nela. Os doze. Começou a se lembrar de quando os conhecera. Foi há muitos anos, em um acampamento de verão. Shaka riu e se lembrou do dia em que chegara no "The Sanctuary", como era chamado o tal acampamento. Estava na Grécia já há alguns meses. Viera da Índia, lugar que não queria ter saído nunca, na época. Shaka odiava aquele lugar: Odiava saber que suas aulas de grego não haviam adiantado de nada, quando tentava algum diálogo com aqueles gregos escandalosos. Queria morrer a ter que ficar mais um mês naquele lugar. Foi aí que seu pai teve a brilhante idéia de mandá-lo para aquele acampamento que de acordo com ele, seu filho não se sentiria deslocado, pois crianças do mundo todo estariam lá. O garoto teria uma oportunidade de poucos pois o lugar era extremamente caro, e apenas crianças da classe mais alta da sociedade tinham o privilégio de estar lá. Shaka não dava a mínima. Queria mesmo que aqueles malditos três meses que ficaria por lá passassem. E rápido.

A primeira impressão de quando viu o lugar foi de "o que eu exatamente estou fazendo aqui nesse buraco???". Sim. O garoto dos cabelos dourados era extremamente cricri. Chegava a ser demasiadamente chato quando queria, mas no fundo só precisava de um pouco da atenção das pessoas, como toda criança. Ele preferia ficar isolado. Era muito religioso e tinha o costume de meditar logo depois que ficava nervoso com algo. Tinha muitas qualidades na época. Era brilhante com os números, amava ler, e tinha um dom de cativar as pessoas, mesmo contra a sua vontade. Não gostava das pessoas de lá exatamente. E de nenhum lugar. Poucos tinham o prazer de vê-lo sorrindo, ou animado. Tinha 25 gatos que faziam companhia e que substituíam as pessoas perfeitamente. Não precisava de gente ao seu redor o tempo todo, mas mesmo assim adorava chamar atenção. Típico de um pré-adolescente de 14 anos.

E por tudo que é mais sagrado! O que eram aquelas crianças! Shaka estava assustado de dentro de sua limusine estacionada na porta do acampamento. Vários carros luxuosos estavam estacionados, e dois ônibus tinham acabado de chegar, carregado de pirralhos dos mais diferentes tipos. Todos com uma mochila nas costas, ou malas nas mãos. Corriam para lá e para cá, a fim de explorar o lugar não dando a menor atenção aos monitores que tentavam em vão organizar filas de meninos e meninas, para que esses pudessem se dirigir aos seus alojamentos.

- Me tire daqui Manfred! – suplicou para seu motorista, com seus olhos arregalados, ao mesmo tempo em que fechava o vidro do carro.

- Senhor Shaka, são apenas crianças, como você. – disse tentando acalmar o loirinho.

- Não. Aquilo não são crianças. São verdadeiros... MONSTROS! – e fechou a cara.

- Por Deus... – Manfred achou graça na expressão zangada do garoto. Achava-se tão adulto, mas seu comportamento era na verdade de uma criança, que era. – Não precisa se preocupar. São inofensivos. – disse olhando o garoto pelo retrovisor.

- Como tem tanta certeza? - questionou meio desconfiado e ainda esbravejando.

- Ora Shaka. Como eu disse, são apenas crianças se divertindo. Tudo perfeitamente normal. Você vai ver quando os conhecer melhor. Aposto que logo fará amizades. – se virou para encarar o rosto do menino e continuou, sorrindo. – Eles são legais. Vão gostar de você também.

- Eu duvido muito... – virou-se para a janela e continuou a observar as crianças que lá estavam. – Além do mais eu não quero ser amigo deles. Já tenho os meus gatos, e meus amigos lá do meu país... Eu espero... – disse finalmente.

- Mais é claro que tem! Eles não te esqueceriam.

- Será mesmo Manfred? Eu ainda não recebi nenhum telefonema deles, NENHUM! Acredita? E agora eu estou aqui nesse bendito país se eles a quilômetros de distância! Com certeza já não lembram mais de mim... – continuava fitando as crianças lá fora, mas com lágrimas nos olhos ao lembrar de seus dois únicos amigos da Índia, que tanto amava e sentia falta.

- Como eles poderiam esquecer uma pessoa tão especial como você? – por fim, Shaka sorriu pela primeira vez naquele dia, ao ouvir as palavras de seu motorista que até então era seu único amigo humano desde que chegara na Grécia.

- Obrigado Manf. Só você mesmo para me fazer sorrir em um momento tão fúnebre e traumático como esse.

Manfred riu. Shaka estava fazendo uma tempestade em um copo d'água e o que achava mais graça é que sentia que o garoto tinha vergonha de dizer que estava apenas...aflito.

- Não seja tão dramático senhor Shaka. – divertiu-se ao ver a careta que recebera do menino. – Está com medo. É perfeitamente natural... – o provocou, pegando em seu ponto fraco.

- NÃO ESTOU COM MEDO! – esbravejou. Não daria o braço a torcer. Nunca dera. Não o Shaka.

- Está bem. Mas então porque ainda está aqui e não lá fora?- perguntou ao garoto enquanto ajeitava sua gravata.

- Bem... É que eu preciso... eu acho que...eu... Ta Ta! Você venceu! Eu não estou com medo. Eu estou APAVORADO! Olhe só para elas Manf! – o motorista começou a observar junto de Shaka a criançada que não paravam nem um instante. – Estão todos se divertindo, já tem seus grupinhos formados, e eu? O que eu tenho? Droga! O que eles vão achar de mim? Eu não sei exatamente ser social, se eles fossem gatos eu até os entenderia, mas NÃO! ELES NÃO SÃO! Manf! Eu já estou até vendo eles perguntando as coisas e eu não respondendo nada! E com certeza vai ter aquela clássica: "Existem indianos loiros?" E tem também aquela que todos SEMPRE perguntam...

- Antes que você continue a tagarelar... – interrompeu o garoto, depois de ter contado até dez mentalmente tentando se acalmar e a ter paciência com aquela criaturinha adorável. – Tente manter o controle e se acalme. Eu tenho certeza que vão gostar de você. Você sabe que é um garoto muito especial não sabe? – Shaka bufando de nervoso, assentiu. – Não adianta ficar assim! Vamos! Trate de melhorar esse seu rostinho e ao menos TENTE ser simpático se alguém vier lhe cumprimentar. E não se esqueça daquelas dicas que eu te dei sobre quando estiver afim de alguma garota. – Piscou com um sorriso no rosto.

Shaka rolou os olhos, mas acabou rindo logo depois junto com seu amigo motorista da limusine.

- Pode deixar Manfred. Está tudo guardado aqui. – apontou com o indicador para sua cabeça. Tinha decorado tudo mesmo. – Bom, como eu não tenho outra escolha... Eu vou indo. – abriu a porta do carro, como se estivesse abrindo a porta para o inferno ou coisa parecida. – São só três meses, Shaka... três meses e seu sofrimento acaba... – disse a si mesmo em pensamento enquanto ia a direção ao porta-malas, onde Manfred já retirava as suas cinco malas enormes de lá de dentro.

- Acho que não é necessário tudo isso. Mamãe é um pouco exagerada. – sorriu de canto para o motorista que estava coberto pelas malas que carregava em seus braços. – Eu só preciso dessa...Aqui. – pegou a mala que estava por cima, abriu apenas checando se era essa mesma. Tinha o número necessário de roupas que precisaria, e te alguns livros que o ajudariam a passar o tempo.

- Então eu te vejo daqui a uns... Noventa dias. – disse Manfred, olhando para o rostinho tristonho do menino.

- Assim você me desanima mais. – então correu para abraçar o motorista, com todo o carinho que conseguia demonstrar. – Cuide bem dos meus gatos tá? – disse ainda abraçado ao amigo.

- Claro que sim. Como se fossem meus. – soltou o garoto e se abaixou um pouco, para olhá-lo nos olhos, que já estavam marejados.- E você não esqueça de ser você mesmo. E me telefone quando precisar de algo.

- Está bem.– sorriu, dando o ultimo abraço no seu amigo. – Até mais Manf.

E se afastou um pouco e observou a limusine preta se afastar. Acenou apenas com uma das mãos, e continuou a caminhar em direção a porteira de entrada com a sua mala em mãos, decidido a não ser tão rude com as pessoas e tolerá-las. Faria de conta que elas eram como seus bichanos, e os trataria bem, na medida do possível.

"Meditar, meditar e meditar. Vou precisar usar muito essa arte." – Pensou enquanto colocava os pés para dentro do local. Observou o lugar onde ficaria nos próximos meses, e viu que não era tão mal assim. Na verdade não era nada mal. Tinha pontos muito belos, tinha muito verde, muitas flores e pássaros por toda parte. Viu que teria muitos lugares sossegados para meditar, se não fossem aquelas malditas criaturas barulhentas!

Até que elas já estavam mais controladas, se dirigindo as filas que lhes eram indicadas. Ficou pensando em como elas eram diferentes. Meninas e meninos que nunca tinham se visto, já estando tão enturmadas umas com as outras. Adoraria conhecer pessoas de outros paises, e outras culturas, mesmo que achasse muito difícil que alguém o agüentasse. Tinha noção o quanto era insuportável quando queria. Shaka foi tirado de seus pensamentos quando sentiu alguém lhe cutucando os ombros. Virou-se e não encontrou ninguém. Arqueou uma sobrancelha e deixou pra lá, voltando a caminhar em direção a um mural pensando estar tendo sensações estranhas e inúteis.

Começou a ler um papel que continha algumas regras do lugar. O The Sanctuary era um local conceituado demais para o seu gosto e queria achar algum erro ali só pra poder reclamar com seu pai depois.

Sentiu novamente um cutucão no seu ombro e virou-se mais rapidamente pegando no flagra um garoto que corria até uma árvore, escondendo-se lá. Shaka estreitou o olhar com uma certa irritação. Pensou em deixar quieto, mais não agüentaria de curiosidade se não visse o rosto de quem o importunara. Foi em silêncio até o lugar onde aquela pessoa tinha se escondido, decidido em pegá-lo de surpresa pelo outro lado da árvore.

- Ahá! – tentou assustar o seu alvo, mais ele não estava mais lá. Ficou pensativo, imaginando o que o garoto queria com ele, e como conseguia ser tão rápido e atrevido.

- Que diabos... Pra onde ele f... – Virou-se, mas deu de cara com o garoto, que gritou. Então Shaka gritou também, tamanho foi o susto que levou. – Ei! Espere! – o menino tinha corrido dele em direção a uma multidão, não dando tempo de Shaka raciocinar e correr atrás dele. Seu coração ainda estava acelerado, tamanho foi o susto, mas também sentira outra coisa estranha ao encontrar aqueles olhos intensos. O garoto era diferente. Tinha os cabelos cor de lavanda, e cheirava bem. Tinha traços belos e marcantes e uma face rubra que Shaka achou extremamente...fofo. Não entendeu o que aquele garoto queria com ele, mas não conseguiu parar de pensar naquele pestinha. Andou em direção a sua mala, que havia deixado perto do mural que estava lendo antes de ser importunado, e seguiu para onde estava aquele monte de crianças, para tentar encontrar um lugar onde ficaria.

- OS MENINOS VENHAM AQUI COMIGO! E AS GAROTAS SIGAM A LANA ATÉ ALI POR FAVOR! – um cara que Shaka achou muito estranho, cheio de mala e se achando o tal, falava no microfone com os garotos para que o acompanhasse até um lugar um pouco mais afastado da parte da entrada. Shaka o seguiu, junto com vários outros garotos tagarelas.

- Bom. Deixe-me apresentar para os novatos. Meu nome é Shion, e eu vou ser o instrutor de vocês. Aquela que está com as meninas é a Lana, e eu sei que vocês prefeririam ficar com ela e não comigo, por ela ser mais gostosa e tal... – risos – Mas eu juro que vou tentar ser o melhor instrutor e amigo de vocês. Eu peço que me perguntem tudo que quiserem e eu estarei disposto a responder com prazer se eu souber. Ergam as mãos quando quiserem. Um de cada vez.

Várias mãos se levantaram, então Shion respondeu uma a uma pergunta. Shaka prestava atenção em todas elas, para não correr o risco de perguntar coisas repetidas.

- Agente dorme onde? – o garotinho dos cabelos vermelhos e pele sardenta, questionou o instrutor.

- Nós iremos fazer uma divisão primeiramente. Vamos dividir vocês por ordem de inscrição, e em cada alojamento cabem exatamente doze garotos. Eles são logo ali. – e apontou para um lugar meio distante, onde havia mini hoteizinhos muito simpáticos segundo Shaka.

- Não vamos dormir junto das garotas? – um outro garoto -que Shaka não conseguiu ver o rosto, pois estava muito na frente – perguntou, com uma feição de que tinha alguma esperança, apesar de já saber a resposta.

- Infelizmente garotos, é a lei da casa. Nada de quartos mistos. – disse Shion, certo de que se os garotos tivessem tomates em suas mãos, o alvo seria certamente ele.

O abalo foi geral, todos vaiaram, inclusive Shaka, que também entrou na brincadeira, já mais descontraído, mesmo sem ter feito nenhuma amizade, além do garoto dos cabelos cor de lavanda, que não trocou nenhuma palavra com ele a não ser um "AHHHHHHH" com o susto que levou naquela hora.

Shion pediu silêncio e continuou. – Mais alguma pergunta moçada? Nada? – silêncio - Então fim das perguntas. Acompanhem-me até aquela mesa e me digam seus nomes e eu direi em que alojamento você ficará.

Todos o seguiram, fazendo uma fila na frente da mesa. Shaka exatamente o ultimo da fila, e já não agüentando mais aquela mala em sua mão, deixou-a no chão e suspirou.

Vinte minutos de espera e então chegara a sua vez. Fitou o instrutor que mostrava um belo sorriso.

- Então meu rapaz, você deve ser o... Shaka não é mesmo?

- Como sabe? – estava mesmo sem entender como aquele cara sabia seu nome sem nunca ter visto.

- Como eu sei? – riu – Bom, você é o nosso maior visitante desse ano. Seu pai é um grande amigo do dono daqui e por isso você passa a ser um celebre convidado. – abriu ainda mais o sorriso.

- Mas como sabe que sou EU exatamente? Nunca me viu, ora essa! – Shaka se estressava cada vez mais com Shion, que cada vez sorria mais.

- Me disseram que tinha a aparência que têm. Cabelos loiros e compridos, olhos claros, rosto afeminado – Shaka bufou nessa hora -... E um mau humor excessivo, mas que se controla rapidinho com uma bela meditação. – Shion não se agüentou e riu da cara dele.

- Me diga de uma vez por todas qual é o maldito alojamento que eu vou ficar! – e lá se foi o que restava do seu bom humor, se é que ele tinha vindo alguma vez...

- Alojamento número 77. É aquele ali – apontou – perto dos jardins de rosas brancas.

- Quem vai ficar lá comigo? – Shaka queria saber quem serias as pragas que aturaria durante aquele verão.

- Er... deixe me ver... – procurou em algumas páginas do livro onde os nomes estavam marcados e sorriu. – Meu caro, você teve muita sorte... Eles são muuuuito legais. Tenho total confiança neles. Já estiveram por aqui várias vezes e eu os conheço bem. A não ser um outro novato como você... Mas que não deve ser má pessoa...

- Quem são?? – irritou-se. - Quero os nomes. Nomes!

- Pergunte a eles quem são. Não quero estragar a surpresa. – sorriu maliciosamente. – Só posso dizer que eles são adoráveis.

- Se forem adoráveis como você, então eu estou no céu, certamente? – perguntou com o sarcasmo pingando em suas palavras, logo depois seguindo ao local dirigido.

Shion apenas o seguiu com os olhos, sorrindo. Mais um novato que cairia na armadilha de 'boas vindas' daqueles dez malucos. Sim, Shion sabia que Shaka penaria com eles durante o verão, mas talvez fosse merecido. Aquele nariz empinado sairia dali logo, logo.

Continua...

Notes: Olha só, quem diria! Eu, postando uma fic MINHA ainda por cima OOmedo

Eu espero que gostem dela, então. Beijos pra todos, e reviews são bem vindas