O Livro Vermelho

Contos do Livro Vermelho - Dani de Rohan

1482 da Quarta Era

Colinas das Torres

Samwise Gamgi conhecia bem o sabor das despedidas, um gosto amargo servido em um cálice doce. Paciente viu a propriedade de sua filha mais velha, Elanor, a bela, e sorriu.

Ele viveu o suficiente para ver seus filhos crescerem e terem seus próprios filhos. Assim como o vento soprava para amenizar os efeitos do clima e fechar o círculo da natureza, Sam foi contemplado em ver e desfrutar das lutas de uma época em que por um momento tudo poderia ter sido perdido.

Frodo.

Sim, a coragem de um determina a vida de muitos. E Sam Gamgi nunca esqueceu ou deixou de agradecer a força de Frodo. Quando ele deixou de ser servo para ser amigo, Sam não sabia precisar, mas aquela amizade mudou sua vida e seu destino.

Ele contemplou as plantas do jardim, Elanor herdara as qualidades de Rosinha, o bom senso, a inteligência e a beleza, contudo, Sam sentiu uma satisfação ao ver o seu amor pelas flores na bela casa da filha.

Sua perna tremeu um pouco, a idade pesava no corpo, mas o ex-prefeito do Condado não se importava, ele teve uma vida plena. E feliz.

E chegara sua vez de encontrar o seu caminho, mas antes faltava algo a fazer.

Ele abriu a porta da casa, a sala bem decorada, no estilo do Condado, um sorriso surgiu em seus lábios, Gandalf com certeza teria de curvar sua cabeça ao entrar. Quantas vezes ouviu o Peregrino Cinzento resmungar, pois se esquecera de calcular a diferença de espaço de uma casa hobbit de uma casa comum.

Talvez fosse uma vaidade sua, mas uma parte sua sempre acreditou que Gandalf amou o Condado mais do que qualquer outro lugar de suas viagens.

-Tolices, Samwise Gamgi. – falou consigo mesmo

-Pai, está falando sozinho? – Elanor surgiu na sala com sua beleza radiante. Gamgi sorriu, sua filha parecia com Rosa, mas ela também lembrava uma elfa. Assim como várias das crianças.

A passagem dos elfos pela Terra Média nunca seria esquecida, a Mãe Natureza se encarregou do fato, e Samwise sempre seria grato por isso. De todos os desafios, despedir-se era a tarefa mais dura.

-Filha, eu vim me despedir! – Samwise viu o rosto da filha perder a cor.

Elanor sentiu o aperto em seu coração, seu pai não conseguia enrolar nas conversas, essa era uma das muitas habilidades que ele não possuía. O universo dos seus pais cativava Elanor desde cedo, uma série de contradições e complementos que fizeram parte da sua infância.

Seu pai era um homem simples, mas o rei Elessar tratava-o com reverência, fora eleito prefeito do Condado várias vezes, mas em seus longos anos ouviu-o dizer que deviam tudo a Frodo Bolseiro.

Lady Arwen a recebeu como dama de honra e em várias situações, com sorriso nos lábios e estrelas nos olhos falou de seu pai e de como ele e seus amigos foram presentes de Ilúvatar para a Terra Média e em especial para ela e seu rei.

E trocava um olhar repleto de amor com rei Elessar acompanhado de um sorriso confidente compartilhando um segredo apenas deles.

A história era conhecida por todos, mas cada um deles: seu pai, Merry, Pippin, a rainha, o rei, o elfo Legolas e o anão Gimli compartilhavam algo que escapava a todos. Uma união especial. Uma sociedade.

Sem poder evitar, Elanor sentiu as lágrimas marejarem seus olhos. Ela sabia que esse dia chegaria, sua mãe sabia disso, e após a morte de Rosa Villa Gamgi, Elanor pressentira que seu pai partiria. Que palavras dizer para proibir o rio de correr em direção ao mar?

- Pai, não é possível ficar mais um pouco? – Elanor ouviu as palavras escaparem de seus lábios. E viu um sorriso triste surgir no rosto impressionantemente jovem do pai.

- Minha querida Elanor, eu fiz tudo o que precisava ser feito. Chegou a hora de partir e tenho muita sorte, pois posso abraçá-la, antes de ir.

A tristeza de Elanor encontrou a determinação nos olhos do pai, sim, ela sentiria saudades para sempre e talvez um pouco mais do que isso, mas seu pai fora pleno e completo na vida. Talvez ela desconhecesse quem era o Samwise das histórias do Condado, mas com certeza, Elanor conhecia o pai admirável, a mão sempre forte e segura, em sua vida.

- Eu trouxe o Livro do Senhor Bilbo para você, - Sam viu o espanto nos olhos da filha, assim como seus amigos, Sam contava as histórias daqueles anos, mas o Livro Vermelho era guardado como tesouro ao qual apenas Sam, Merry e Pippin podia tocar e ler. – Acho que o senhor Frodo gostaria que ficasse com você, a primeira a nascer após a Guerra do Um.

Em sua memória mais antiga, Elanor nunca ouvira o pai mencionar a palavra anel, tal fato fazia parte até mesmo das brincadeiras entre eles, pois o pai dizia qualquer palavra, fazia uso de sinônimos e ela desconfiava que até inventasse algumas palavras para não dizer aquela.

-Pai, eu vou cuidar dele muito bem!

-Não espero menos de você, menina, cuide bem dele, Elanor, e antes de começar a lê-lo para outros, primeiro, leia-o e se prepare, há várias histórias nesse livro, algumas são cativantes e maravilhosas, outras são cheias de terror e desespero, mas acima de tudo todas são cheias de vida. Viver é um dom, Elanor, todos nós recebemos, mas muitos de nós esquecemos do dom, e o tratamos como se fosse pouca coisa. Não quero que você esqueça, filha, muitos se sacrificaram pela paz que temos agora.

Elanor tomou o Livro Vermelho em suas mãos e sentiu a lágrima que tentava controlar rolar em sua face.

- Minha filha! – Sam abraçou sua menina sem qualquer outra palavra, ele não tinha jeito com as palavras, o senhor Frodo sabia como elas eram especiais, mas para Sam, no momento de real necessidade, como aquele, as palavras sempre ficavam devendo.

Em silêncio, Elanor seguiu o pai e pediu para acompanha-lo.

-Aqui nossos vidas tomam rumos diferentes, lembre-se de nós, Elanor e não se esqueça da sua parte na história.

Samwise caminhou com segurança e cantando uma música, ele não estava alegre, mas também não estava triste. Foi a primeira vez que Elanor viu não seu pai, mas o Samwise das histórias, o Samwise que usou por um breve momento, o Um Anel.

Ela fechou a porta e teve vontade de chorar, mas as lágrimas, tão presentes quando o pai estava perto, se transformaram em outra sensação, um afeto profundo, e ela apertou o livro em seus braços.

E nessa tarde adormeceu com os sussurros das histórias narrada pelos hobbits, que tiveram sua parte e clamavam para serem lidas.

A noite chegou calma e estrelada e Elanor lavou o rosto com as lágrimas já secas, ainda bem que as crianças estavam na casa de Cachinhos Dourados. Chegaria o momento de ler para seus irmãos, mas agora, queria ter um pouco para si mesma.

Elanor seguiu até a janela e a abriu permitindo que o cheiro das flores invadisse sua casa, uma boa história ganhava mais vida quando a natureza participava dela.

Com certa reverência, abriu o Livro Vermelho, a letra caprichosa e aventureira de Bilbo espalhava-se pelas páginas bem tratadas.

Um sorriso brindou os seus lábios e ela avançou as páginas e assim como o tempo que traz novos personagens, a letra de Bilbo foi substituída pela narração prática e eficiente de Frodo, e essas páginas fizeram a filha do prefeito do Condado tremer, pois as letras permitiam visualizar um outro mundo, uma vez nele, as portas da sensibilidade e imaginação permitiam ao leitor vivenciar dor, coragem e aventura, mas acima de tudo uma imensa compaixão.

Uma terceira letra surgiu em folhas avulsas costuradas ao Livro, Elanor não teve dificuldade em reconhecer a letra precisa do pai.

E sentiu seu coração bater mais forte ao ler as primeiras linhas:

Queridos filhos,

Eu fiquei um pouco constrangido de escrever no livro que pertenceu ao Sr. Bilbo e ao Sr. Frodo, afinal não sou um talentoso amante das letras, ou ao menos ela não sai bela e cativante como de seus primeiros escritores.

Mas me lembro dos Portos Cinzentos, quando me despedi de ambos, e Sr. Frodo me deu o livro... a parte da história continua e cabe a nós continuá-la, chegou minha vez de partir, sei disso pois Rosinha não está mais comigo.

Acho que a primeira história que devo contar a vocês foi quando senti no meu coração que casaria com Rosinha Villa.

Outubro de 3018 – Terceira Era

Valfenda... o lar do elfos

No começo, eu estava infeliz, era o lugar mais lindo, uma parte do mágico, dos sonhos que nem sabia que tinha sonhado surgiram no momento que meus pés tocaram aquela graciosa terra.

Passolargo nos guiou com a firmeza e segurança, se me permitem dizer nunca conheci ninguém como ele. Sua seriedade ultrapassa a nobreza nos atos, a principio fiquei desconfiado, muito desconfiado, mas suas escolhas e especialmente sua preocupação com o Sr. Frodo após sua partida com o Glorfindel, o maravilhoso e terrível guerreiro élfico, era visível e ao mesmo tempo austera.

E por causa do Sr. Frodo que o meu coração não consegue encontrar a felicidade nesse encanto.

Os dias se passaram e ele continua entre a vida e a morte. E todos pareciam preocupados com ele, o Sr. Elrond – um elfo muito distinto e extremamente gentil – era estranho ver tanta gentileza e alguém tão poderoso, mais acredito que talvez esse seja o verdadeiro poder, compartilhar um dom.

O senhor Gandalf apareceu aqui e devo confessar que o meu coração ficou mais esperançoso ao vê-lo nessa bela cidade, pois não cabe a mim a fazer perguntas sobre o motivo de sua demora, deixo isso para o Sr. Frodo, quando ele despertar, porque ele vai despertar.

Penso nos dias do passado e de nossa amizade, da distinção com ao qual sempre me tratou, nas letras que muitas vezes me ensinou e em como compartilhou comigo muitos de seus pensamentos. Apesar de todos os comentários sobre as esquisitices dos Bolseiros, e sei que o Feitor concordaria comigo, eles são a melhor família do Condado.

Então, naquela manhã em particular, o sol brilhou com mais intensidade em Imladris e o senhor Frodo despertou.

Foi uma grande alegria, e realmente acreditei que nossa parte naquela história havia terminado, contudo estava apenas começando.

Com a melhora do senhor Frodo, eu pude me permitir desfrutar daquele pedaço de harmonia. Pois essa é única forma com que posso defini-la.

As águas tem sua voz e brindam a margem com formas diversas em Valfenda, as cascatas lembram um sonho de criança no qual tudo é possível.

Mas a beleza de Valfenda está representada em uma pessoa, Quando a vi, eu senti o meu coração bater mais forte, meus olhos se fecharam diante da luz que ela emitia, eu não fui o único, Merry e Pippin ficaram boquiabertos e muitos dos senhores que visitavam a cidade parecerem hipnotizados pela sua beleza.

Ao fechar os olhos, vi claramente o rosto de Rosinha Villa, pois a bela de Imladris nos fazia pensar no amor, naquele que guardávamos escondido dentro do peito, muitas vezes escondidos de nós mesmos.

A Estrela Vespertina, Lady Arwen, uma música em movimento, com seus longos cabelos negros brilhava em Valfenda e acima de tudo despertava o nosso coração. Foi assim que eu soube... O quanto amava Rosinha Villa. E rezei para voltar.

Mas levaria muitas luas até que isso fosse possível."