A Escuridão e a Diversão

Recentemente eu e o meu melhor amigo fizemos uma exploração e encontramos um local estranho que estava abandonado perto de um terreno pantanoso que cheirava a animais mortos. Parecia um antigo parque de diversões, suas cores perdidas com o tempo, os sorrisos das pinturas sugados pelas trepadeiras e as esculturas enterradas no chão lamacento.

Ficava escondido entre as árvores atrás das casas da nossa rua, mas, infelizmente, quando chegamos lá percebemos que os portões estavam trancados a correntes e cadeados. Procuramos algum local de possível acesso e antes que encontrássemos qualquer buraco na cerca percebemos uma figura peculiar que disse poder abrir as portas para entrarmos, mas teríamos que procurá-lo em outra noite. Era esguio, escondia o rosto com uma cartola de aba longa e a pele do corpo com uma casaca escura e luvas. Intitulava-se o dono do terreno. Ele foi embora da mesma maneira que surgiu e nos deixou na curiosidade, tentamos procurá-lo pelas árvores ou na rua movimentada mais a frente, mas não o vimos mais.

Buscamos localizá-lo por dias, vigiamos o parque das janelas altas e com binóculos, perguntamos as pessoas que passavam por aqui e ali, entretanto ninguém conhecia ou se lembrava de tal pessoa.

O tempo passou e nossa rotina voltou, esquecemos aos poucos da nossa descoberta até aquela noite. O quarto estava escuro quando entrei,antes que pudesse esticar a mão para ligar o interruptor da lâmpada o telefone tocou, atendi e aquele meu amigo me dizia ter encontrado um cartão negro e dentro um ingresso meio amarelado com arabescos e letras desenhadas como se feitas a mão e pena.

Acendi a luz do cômodo e olhei em volta. Em cima do travesseiro havia um cartão igual ao descrito por ele que escorregou por conta da brisa que movia a cortina ao lado da cama. Li-o e decidimos nos encontrar antes da densidade das árvores. Puxei a cortina e olhei aquele antigo local. Existiam luzes trêmulas e amareladas, pequenos pontos destacados na escuridão. Horas depois andávamos tensos e calados até a entrada, iluminando o caminho com lanternas. As luzes eram de lamparinas a gás e iluminavam primeiramente um painel bem na entrada, com as mesmas letras e desenhos dos ingressos escritos em vermelho:

"Sejam todos bem-vindos ao grande e magnífico Parque da Noite. Depois de muitos anos estou reabrindo-o para curiosos e corajosos que buscam uma diversão diferente de tudo o que já experimentaram!"

Até então não achamos nada demais e continuamos a ler.

"Adentrem na casa dos espelhos quebrados e no labirinto hospitalar para descobrirem que nem tudo o que veem ou escutam pode ser verdadeiro. Nada mais sutil que nosso navio pirata ancorado na beira do lago com uma tripulação que faz jus a sua bandeira protegendo um grande tesouro."

Continuamos ali enquanto algumas figuras humanas, de máscaras, passavam entrando no local. Dando risadas e sussurros, nada muito claro aos ouvidos.

"Sintam-se cavaleiros montando nos cavalos do carrossel e deliciem-se com as iguarias das nossas barraquinhas de comidas. Vocês podem ver alguns dos poucos trabalhadores sorridentes vendendo bexigas com formatos de animais e souveniers..."

Havia uma última parte apagada e suja de lama que não conseguimos terminar de ler. Encaramos-nos por um momento com a pergunta lançada no ar mesmo sem pronunciá-la. Entrar? Olhei pra frente respirando fundo e andando devagar. Um senhor de uniforme e boné estendeu a mão e pediu nossos ingressos. Tremendo ele os pegou e fez um furo em cada um e nos indicou a continuar.

Havia música, pessoas por todos os lados e crianças correndo e se divertindo. Novamente, todos de máscaras. Por um momento achamos que nos encaravam, mas tentamos ignorar esse fato. Passamos pelas barraquinhas de comida. Havia panelas com líquidos borbulhantes e comidas esverdeadas. Pedimos o que mais familiar aos olhos, conseguindo um saco de pipoca para cada um.

Começamos a comer antes de decidirmos em qual brinquedo iríamos primeiro. Até que queixei de um gosto diferente na comida, meu amigo olhou pra mim e desesperado largou o próprio aperitivo: saiam grilos e baratas de entre os milhos estourados, coloquei a mão na boca e olhei o meu pacote,largando-o no mesmo momento enquanto meu amigo virava para vomitar e eu o ao banheiro e tentamos nos livrar daquele horror indigesto. Voltamos para protestar com o dono dos lanches e não só ele, como toda tenda havia desaparecido.

Demos algum tempo sentados, mas então escolhemos ir ao maior e o mais ao fundo brinquedo, a montanha russa. Era de madeira, daquelas antigas e clássicas, não tinha quase ninguém na fila e foi rápido entrar e escolher um lugar no carrinho. O rapaz uniformizado prendeu-nos no banco e sorriu antes de dizer: "Boa sorte!".

Ligou e ela deu um tranco começando a se mover, devagar, subindo e logo usando do movimento para começar o percurso. Éramos arremessados de um lado ao outro, aos trancos. Tínhamos a sensação das vigas balançando e do carrinho cada vez mais rápido, estávamos nos divertindo sim e provavelmente vomitaríamos ao descer. Era o que eu um estrondo e um golpe mais forte para a lateral quando o carrinho passou das travas do início do percurso e continuou acelerando. As vigas e os trilhos começaram a se soltar e quebrar, gritamos agarrando o que podamos quando senti o cinto desamarrar. Fomos lançados ao chão.

Quando recuperei os sentidos sentia muita dor de cabeça. Levei a mão até a testa e constatei um corte que sangrava, levantei e olhei em volta buscando meu amigo na escuridão, já que algumas luzes haviam apagado. Andei cambaleante até que esbarrei o pé em algo, ou melhor, em alguém.

Horrorizado vi o corpo do meu colega, o pescoço torcido de forma improvável, os olhos esbugalhados e a boca escancarada. Uma grande tora partira-se e atravessava então o corpo imóvel e gélido do meu parceiro. Comecei a chorar e gritar, senti um embrulho no estomago e inconscientemente coloquei-me a correr de volta a entrada.

"Preciso sair, preciso sair!". Ecoava o desespero em minha mente, mais ainda quando as percebi que o portal estava no estado que o encontramos da primeira vez, trancado.

Olhei em volta e as luzes estavam se apagando. As figuras mascaradas sumiram e os brinquedos estavam todos parados e parcialmente deteriorados. Ainda assim se ouviam risadas, mais altas e macabras. Virei para tentar escalar a cerca e me deparei com o velho de cartola e casaco.

"Olá..." Sorriu e levantou o chapéu o suficiente para poder ver seus olhos brilhantes e amarelos. "... seja bem vindo, meu novo empregado!"

Um grito ecoou pela noite que se fosse escutado causaria terror e incômodo ao ouvinte. O parque antes cinzento ganhou uma cor: vermelho vivo e agora as últimas palavras do mural podiam ser lidas.

"...aproveitem, porém não muito. Se conseguirem escapar dos brinquedos aposto que nunca mais voltarão aqui. Se não, aguardo-os do outro lado meus futuros empregados!"