Ato I – O Baile de Formatura
Safely away from the world
In a dream, timeless domain
A child, dreamy eyed,
Mother's mirror, father's pride
'Posso ter uma dança com você?'
'Não.' A resposta da garota fora ríspida, rápida e honesta.
Ríspido.
Ríspido como seus olhos se fitavam naquele momento e sempre se fitaram. Com dureza, rispidez e hostilidade.
Rápido.
Tão rápido quanto veio a simples imagem de uma dança com aquela garota na sua mente. Tão rápido quanto vinha a palavra Sangue-Ruim na sua boca ao vê-la.
Honesto.
Honesto como o pedido que ele fez a ela sem mesmo perceber. Com tamanha honestidade que até a própria garota pareceu surpresa com o convite.
Por quê? Por que ele havia pedido uma dança áquela garota Sangue-Ruim, grifinória e intragável?
Nostalgia.
Forte, pura e simples.
A sensação de que não se pode mais reviver certos momentos da vida. Sensação que aumenta ao entrar em contato com a causa e não diminui seu efeito. A sensação de que está ficando tudo para trás.
Nem mesmo ele imaginou sentir nostalgia quando seus olhos grafites se encontraram com o Salão Principal de Hogwarts devidamente bem decorado para o Baile de Formatura.
O Great Hall estava reluzente, brilhando pelos lustres de cristais no teto mágico de Hogwarts, chandeliers nas paredes de pedras e candelabros nas mesas redondas para os formandos. As mesas estavam cobertas em dourado e branco, aumentando o brilho do salão e de seus convidados. Havia enfeites de rosas amarelas e rosas brancas nos pilares e arcos de pedras do castelo e algumas estátuas e bustos complementavam o ambiente interno enquanto chafarizes enfeitavam o grandioso jardim. O teto refletia a noite sem nuvens e com a lua em sua fase quarto crescente.
Crescente.
Nostalgia crescente, quase desesperadora, ele sentiu ao vê-la descer as escadas do Salão Principal para o Baile de Formatura. Era o último baile que eles teriam em Hogwarts. Era o último baile que ele teria em sua vida.
Era o último baile que ele a veria.
E o último baile estava acabando.
Eram duas horas da manhã.
O Baile de Formatura de Hogwarts começara ás sete horas da noite.
Seu par naquela noite tinha sido Astoria Greengrass. Era belíssima. Alta, 1,81m, olhos verdes na tonalidade de azeitonas, cabelos castanhos escuros, lisos e longos. Inteligente, independente, madura e estável. Dançara com ele quatro músicas e agora estava dançando com Blaise Zabini.
Ele não se importara.
Ele se importara quando viu o par da intragável Sangue-Ruim.
Weasley. Weasel. Weaselbee.
Aquele garoto com nome de fuinha, ruivo, sarnento e desengonçado era o par da imunda. Aquele garoto era o namorado da imunda.
Ele não entendia como uma garota poderia namorar aquele ser.
Ele não entendia como aquela garota poderia namorar aquele ser.
Estava ele há mais de horas só a observando. Só se perguntando porque estava a observando. Só imaginando se naquela noite ela lhe poderia aceitar uma dança. Por uma música. Por infames três minutos.
Ela dançara seis músicas com o namorado. 18 minutos. Dançara três com o melhor amigo, Harry Potter. 9 minutos. Dançara duas músicas com Justin Flinch-Fletchey. 6 minutos. Por Deus, ela dançara com Neville Longbottom!
Não daria três minutos para ele?
'Não.' A resposta da garota fora ríspida, rápida e honesta.
Ele piscou os olhos azuis sentindo algo latente, crescente e quente num ponto acima do estômago. Esperara horas em vão. Esperara os amigos da imunda se afastarem para pedir-lhe uma dança em vão. Esperara um sim em vão.
'Por quê?' Nada. Sua voz não mostrara nada. Nem rispidez, nem honestidade, nem rudeza ou fragilidade. Ele só queria saber o motivo pelo qual sua nostalgia seria aumentada.
'Porque jurei odiar-te por toda a eternidade.'
Eternidade.
Ela passaria a eternidade odiando-o. Passaria a eternidade com o Weaselbee.
Ele passaria a eternidade odiando-a. Passaria a eternidade sozinho.
Ele passaria a eternidade esperando que ela dissesse sim... Em vão.
'Jamais terei a intenção de lhe retirar tal ódio já que o mesmo é recíproco.' Ele disse rápido, ríspido, frio e honesto.
'Então por que me pediste uma dança?' Ela perguntou com certa curiosidade sem abandonar a rispidez em sua garganta. 'Por que quer dançar comigo?'
'É só uma dança.' Ele respondeu colocando uma pitada de seu desdém característico na voz.
'Comigo.' Ela repetiu no mesmo tom. O dedo indicador da garota levantou-se e ela apontou para uma garota da Lufa-Lufa sentada em uma das mesas reservadas á casa de Helga Hufflepuffle. 'Ela se chama Emily e está sem dançar com alguém já faz quase uma hora. Se seu pretexto é apenas uma dança, porque não a pede que lhe acompanhe em uma valsa?'
Era uma boa pergunta. A mesma pergunta ele fazia em sua cabeça. Por que estava pedindo uma dança áquela garota? Por que não estava dançando com Astoria, Pansy, Emily, Anna ou Maureen? Por que o sentimento de nostalgia estava se referindo aquela garota de sangue imundo e não as outras de sangue-puro?
'Por que deveria dançar com ela?' Ele perguntou querendo que a garota respondesse suas próprias perguntas. Mesmo sem que ela soubesse quais eram.
'Pelo mesmo motivo que supostamente queres dançar comigo.' Ela respondeu arqueando uma das sobrancelhas. Ela tinha feito as sobrancelhas. Ele notara. Eram grossas, mas estavam bem feitas e delineadas, complementando o penteado que a garota estava usando. 'É só uma dança, não é? Ou tem algo a mais por detrás disso?
Detrás? O que se tem por detrás de uma dança? O que se tem por detrás de um pedido de valsa?
'Contemple o último baile de Hogwarts. É a última chance que tens para dançar comigo.' Ele respondeu convencido ao mesmo tempo que levava a conversa para outro rumo.
'Contemple o último baile de Hogwarts. Eu não tenha a mínima intenção de dançar com o moço para quem jurei ódio eterno.' Ela respondeu estreitando os olhos castanhos para os azuis do garoto. 'No entanto, tenho a certeza de que Emily ficará muito contente se no último baile de Hogwarts ela dançasse com o Sangue-Puro chamado Malfoy.'
Ele inclinou a cabeça um pouco para trás e seus olhos azuis fitaram a garota Emily sentada num dos sofás brancos que serviam como decoração ao Salão Principal. Emily não era muito alta, não chegaria ao 1,62m talvez, não era extremamente bonita, possuía algumas sardas sobre o nariz fino e as orelhas eram um pouco pontudas, o que lhe dava a impressão que se parecia mais com um elfo do que uma garota de verdade. Uma leve careta de asco se fez no rosto do loiro quando a garota lhe sorriu.
'Ela não é muito agradável.' Ele disse convicto voltando os olhos para os castanhos da garota imunda. Aquela Granger também não era muito agradável. Era tolerável, mas não o suficiente para tentá-lo como Astoria ou Maureen. Altura média, talvez 1,65m, olhos castanhos escuros quase cor de café, cabelos castanhos cheios, uma voz um pouco aguda e irascível. Mas o porquê dele pedi-la uma valsa, nem ele próprio conhecia.
Os olhos castanhos da garota estavam mais estreitos e um curioso brilho de âmbar parecia mostrar que ela estava irritada com algo. 'O que chama de agradável? A aparência de certa pessoa? E se ela for a pessoa com quem mais tiver afinidade e respeito? Isso não será o suficiente para uma dança e ainda uma amizade?'
'Não.' Ele respondeu com certa frieza.
'Você é, sem dúvida, a pessoa mais intragável, esnobe e fútil que já conheci!'
'Não tenho a intenção de fazê-la mudar de idéia.' Ele repetiu piscando os olhos azuis. 'Você é a pessoa mais intragável, suja e metida que já conheci.'
'E queres dançar comigo? Há no mínimo três garotas de Sangue-Puro livres esperando serem convidadas para dançarem enquanto você estar a chamar uma grifinória, intragável, suja e metida para dançar. Decida tua prioridade.'
Prioridade. Qualidade do que está em primeiro lugar. A própria preferência.
O que está em primeiro lugar? A nostalgia crescente em seu corpo? O sangue que borbulha de raiva ao tempo em que encontra aquela garota? A sua educação, princípios morais e índoles? Uma valsa com a garota que mais detesta? O que ele realmente preferia?
O que ele realmente preferia? Nem em seus sonhos ele saberia dizer.
Ele nunca havia se arrependido de suas ações. Era algo ensinado pelo seu pai e sua mãe desde quando era pequeno. Agora, já homem formado, ele havia aprendido a separar as coisas boas das coisas sábias. Havia aprendido a domar seus sentimentos e controlá-los de modo que ele não era tomado por suas próprias fraquezas. No entanto, o rosto daquela garota intragável de sangue imundo nunca desaparecera de seus sonhos por todos esses anos. Ela era a única pessoa que de certa forma o encantava. Embora ele nunca descobrira, nem aprendera, o porquê.
'Você está namorando o Weaselbee.' Ele disse com a voz implementada de frieza e rouquidão. O brilho cor de âmbar nos olhos castanhos se tornou mais intenso.
'Não chame Ron de weaselbee.'
'Casará com ele. Viverá com ele. Terá filhos com ele. Passará a eternidade com ele. Não pode doar três minutos de sua eternidade a minha pessoa e me acompanhar em uma dança?'
Se ela estava irritada com algo, a suposta irritação pareceu desaparecer. O brilho cor de âmbar abandonou seus olhos castanhos e o que os inundou foi uma área de perplexidade e surpresa.
'Explicite.' Ela disse com a voz firme. 'Explicite a razão ou a circunstância para que queira dançar comigo. Explicite bem a razão para que eu deva dar três minutos da minha eternidade a você.'
'Estamos na última semana de Hogwarts. Restam-nos três dias para terminarmos Hogwarts e jamais voltarmos. Esta é a última vez que nos veremos. Esta é a última vez que nos falaremos. Este é meu último momento para fazer algo que sei que não me arrependerei depois. Então não seja tão esnobe a ponto de me negar três minutos da sua eternidade por toda uma vida de desprezo.'
Uma leve perturbação interior ela sentiu ao ouvir o garoto dizer aquilo. Os pêlos do corpo se enrijeceram enquanto os músculos de seu corpo se contraíram ao mínimo e surpreendidamente o coração bateu de sobressalto. A perturbação esquentou os pontos indevassáveis do corpo enquanto os próprios batimentos do coração eram sentidos das pontas dos dedos das mãos até os dos pés.
'São três horas da manhã. Quase todos já foram embora. Potter deve estar com a Weaslette enquanto a prioridade de Weaselbee é babar no travesseiro. Ninguém saberá que dançaste comigo.' Ele explicitou mais uma vez.
Ela parou, fitando os olhos azuis do garoto, ruborizada, hesitada e em silêncio. Ele não poderia estar falando sério. O sentimento de que ela era inferior, de ser a própria degradação do mundo bruxo e a inclinação para uma nova sociedade se opôs a uma inclinação elevada a ponto de convidá-la para uma valsa? Concluiu então que era impossível aquele garoto estar querendo apenas uma dança. Talvez fosse uma aposta. Talvez fosse uma maneira de levá-la a uma azaração.
Então, se recompôs da perplexidade, dando lugar a profunda raiva, e reunião coragem o suficiente para respondê-lo com paciência e conjectura.
'Eu devo perguntar, Malfoy, por que, com tão evidente sentimento de raiva, nojo e repulsa a mim, você me escolhe para uma valsa sendo eu completamente o contrário da sua vontade, da sua própria razão e da sua própria personalidade?'
'Eu tenho toda a razão para odiar-te. Não posso negá-lo. Assim como você não pode negar o fato de que não dançar comigo é uma censura sua por capricho e instabilidade e que mais tarde isso se tornará a sua maior miséria.'
'Miséria? Como pode dizer que minha maior miséria será a de não aceitar uma dança com você?' Ela perguntou indignada com o jeito que ele havia dito.
'Estou sendo gentil com você, Granger. E para com você estou sendo mais gentil que comigo mesmo.' O estômago se contorceu minimamente com a sua própria resposta. Instintivamente, suas mãos se fecharam com um pouco mais de força.
'Está enganado, Malfoy. Se você acha que se em algum momento, por mais gentil e amável que você fosse, eu aceitasse uma valsa com você, perdeu completamente o juízo!' Ela respondeu sentindo cada vez mais raiva das palavras do loiro. Esperou que ele respondesse, mas ao vê-lo apenas piscando os olhos decidiu continuar. 'Suas ofensas podem ter sido esquecidas por você, mas jamais esquecerei a sua honesta inescrupulosidade em me chamar de Sangue-Ruim ou suas repulsas perante Ron, Harry e até meus pais! Desde o momento em que lhe conheci – desde suas maneiras, suas impressões sobre os outros, o preconceito sobre mim, sua arrogância, seu egoísmo e seu desdém para com os sentimentos dos outros – o sentimento de desaprovação de desprezo jamais se modificou; e eu posso lhe garantir que não me arrependerei de negar-lhe nada. Muito menos uma valsa!'
A boca entortou-se um pouco para o lado esquerdo. A surpresa e o espanto que tomara conta do corpo ao ouvir as palavras da imunda o fez engolir em seco. Então, convencido, ele abaixou a cabeça e fez um leve aceno. 'Disse muito bem. Eu compreendo perfeitamente seus sentimentos, Sangue-Ruim, e agora me sinto desonrado, envergonhado e sujo por ter lhe convidado para uma dança. A vergonha que sinto não se mede em palavras e peço que aceite meus pedidos de desculpas bem como um desejo que seja feliz ao lado de Weaselbee.'
Feliz. Felicidade. O que era felicidade? Ele não sabia. Ele nunca sentira. Ao mesmo tempo, ele realmente desejava que aquela garota tivesse felicidade. Que ela não fosse vazia de nada. Que ela não perdesse a própria alma e se tornasse apenas um contêiner. Que ela não fosse como ele.
Ele se afastou e só então percebeu que ele e ela eram os únicos ainda no Salão Principal. O Baile de Formatura havia acabado. A sua chance havia acabado. Ele abaixou a cabeça e colocou as mãos nos bolsos, marchando para as masmorras pertencentes á Sonserina.
'Malfoy?' Ela chamou e ele parou, apenas estancando e fitando os sapatos pretos luxuosos. 'Por que quer dançar comigo?'
Nostalgia.
Forte, pura e simples.
A sensação de que não se pode mais reviver certos momentos da vida. Sensação que aumenta ao entrar em contato com a causa e não diminui seu efeito. A sensação de que está ficando tudo para trás.
'Porque sentirei sua falta...'
I wish I could come back to you
Once again feel the rain
Falling inside me
Cleaning all that I've become – Beauty of the Beast, Nightwish.
