Andando de um lado pro outro da sala, resmungando e praguejando como um velho rabugento, o homem, jovem e bonitão, está começando a me irritar um pouco.
Acabamos de nos conhecer, ele é o namorado da minha mãe aparentemente, e já me disse, assim de supetão, praticamente após eu abrir a porta, que a ama e que suas intenções são as melhores possíveis.
Ele está se explicando pra mim como se eu fosse à mãe de alguma adolescente descuidada quando, na verdade, eu sou a adolescente. Já expliquei que o melhor era esperar minha mãe querer falar com ele, mas não parece querer me ouvir. Afinal de contas, sou só uma adolescente, uma criança, não é? Hunf, quem dera fosse.
-Ouça Régulo, eu sinto muito pelo que aconteceu, mas se eu tivesse sabido teria sido contra desde o princípio. –Eu, que estou de leggin preta e camiseta rosa digo de forma muito direta, enquanto me ajeito e cruzo as pernas debaixo da mesinha de centro, lotada de cadernos, folhas e canetas, ao mesmo tempo em que dou uma mordida generosa num croissant de chocolate. -Eu amo minha mãe, de verdade! Mais do que tudo neste mundo, mas eu também conheço minha mãe. Ela se apavora com compromissos, horários e planejamentos... - Dou um suspiro ao ver as olheiras e o olhar depressivo que ele me lança.
Sacudindo a cabeça, Régulo se aproxima da mesinha pegando papeis que se amontoam dentro de uma fruteira vazia e arregala os olhos. -Se apavora com contas também pelo visto.
-Exato! A gente está sem luz há uma semana. Eu falei que se ela quiser eu vou ao banco, se o preço pra ter luz é ir ao banco eu estou mais do que disposta a pagar. Mas nãoooooooo, ela disse "Eu resolvo". Resolve sim, tá bom.
-Quantos anos você tem, Lene? – Régulo me olha com simpatia.
-Dezessete e meio.- Resmungo terminando de mastigar.
-Sério? Você parece bem mais nova.
-É, sempre me dizem isso. Mas um dia eu vou ter 18 anos e vou a-do-rar mostrar minha carteira de identidade! Esfregar na cara de todo segurança de show que eu encontrar.
-Ahm... então sua mãe te teve com...- Os olhos dele se arregalam mais uma vez enquanto faz as contas.
-Sim, com 15 anos. E pode parar com a cara de espanto. Ela não te contou?
-Bem- diz Régulo ruborizando intensamente- nós não conversamos tão a fundo sobre esses assuntos.
-Argh!- Típico da minha mãe. Não se preocupar em falar sobre a zona que é sua vida, e minha por consequência. Ela é como uma criança grande, quer o quer na hora que quer e dane-se o resto.- Poupe-me dos detalhes sórdidos! Quer saber?
-O quê? - Ele pergunta com os olhos desfocados como se estivesse lembrando-se de algo muito agradável.
-Ai, credo! Pára de pensar nela! – Falo rispidamente querendo arrancar esse sorriso idiota da cara dele. -Quer saber a história toda ou não?
-Quero! Quero sim.
-Foi assim... Meu pai tinha 18 e a minha mãe 15 anos os dois se conheciam a vida toda e aí eu nasci. Eles se casaram, mas se separaram quando eu tinha cinco anos. –Falo muito simplesmente e mordo o croissant de novo, limpando com os dedos o recheio que suja meu queixo.
- Se separaram por quê?
- Meu pai é... - Lambo o chocolate dos dedos tentando ganhar tempo e encontrar as palavras certas para explicar as coisas. -... Centrado demais e minha mãe o enlouquecia e ele, por sua vez, a prendia muito. Eles se amavam de verdade, mas... Não era a hora dos dois.- Reviro os olhos vendo a cara amuada de Regulo quando digo isso.
- Régulo, eu disse que eles se amavam, não que se amam no momento. Aliás, pra ser honesta, ela deve realmente gostar de você, é sério. Agora senta aí que ela já deve estar pra chegar.
Quando minha mãe chega, pego minhas coisas e vou pro meu quarto. Ignorando a cara de insatisfação que recebo quando ela percebe quem está sentado na sala.
É sempre assim, quando minha mãe se apaixona é tudo um mar de rosas, mas, eventualmente, ela acaba perdendo o interesse e nós duas temos de nos mudar porque ela simplesmente não sabe lidar com o desconforto de possivelmente encontrar seus antigos namorados.
E já perdi a conta das cidades em que morei, mas dessa vez está sendo diferente porque ela não quis fugir. De acordo com Régulo tem evitado se encontrar com ele e ignorado todos os seus telefonemas e mensagens, até que em desespero o pobre infeliz bateu na porta de casa e se deparou comigo.
Jogo meu material na cama, coloco o tênis e pulo a janela. Vou ao parque, gosto de ter um lugar pra me esconder quando minha mãe tem de terminar os relacionamentos ou, nesse caso, assumir o relacionamento. Porque é óbvio que ela gosta dele. Deus sabe o por quê.
Ele é bonito, tá bom, admito, de um jeito soturno e meio angustiado, mas tem lindos olhos azuis e um belo nariz.
Sentada no balanço começo a me mover lentamente. Talvez, dessa vez, a gente não precise se mudar...
Uma vez, quando eu tinha oito anos, mamãe decidiu que nós íamos nos voluntariar pra morar numa base de estudos na Antártida, depois de ela ter terminado com o gerente da loja em que ela trabalhava e com quem estava saindo. Eu fiquei tão apavorada que fugi de casa. Era nossa quinta cidade em menos de três anos, eu não suportava mais ter que recomeçar todas às vezes, perder amigos, ficar longe do meu pai. Estava de saco cheio, decidi que aquela mulher descompensada não ia mais dominar minha vida de forma tão tirânica e absurda.
Foram me encontrar só de noite, dormindo enrolada dentro de uma casinha de brinquedo num parque perto de casa. Eu sei lá, eu era uma criança, fugir de casa pra mim não tinha a mesma conotação que pra uma pessoa adulta. Acordei assustada com os braços do meu pai me apertando, ele estava chorando muito, foi horrível. Mas, por outro lado, foi ótimo. Minha mãe tinha dito chorosa que nunca me obrigaria a nada e eu só precisava dizer que não queria me mudar e ela atenderia. O que não era bem verdade.
De outra vez quando já tinha 12 anos, nos mudamos pra além da fronteira porque o cara com quem mamãe estava saindo não tinha aceitado muito bem o fim do namoro. Ele surtou! Ficou violento, apareceu em casa uma noite, bêbado como um gambá, esmurrou a porta, gritou impropérios, chorou e por fim ameaçou se matar. Papai foi nos buscar e a obrigou a voltar.
Ele ficou tão bravo! Nunca tinha visto meu pai daquele jeito, ameaçou tirar minha guarda dela e proibi-la de me ver sem acompanhamento. O que eu, honestamente, achei bem feito.
Isso foi o fim das mudanças. Pelo menos das mudanças para fora, agora nós só mudamos de cidades e cidades que fiquem próximas de onde meu pai mora. Não sei muito bem a razão de nunca a ter abandonado e ido morar de vez com papai, ele sempre me pediu e eu sempre disse não. Acho que, no fundo, sempre acreditei que ela precisava mais de mim do que eu dela, que eu tinha de tomar conta da minha querida e imatura mãe.
Nem percebi que havia parado de me balançar. Olho o relógio no pulso direito e vejo que talvez seja hora de voltar pra casa. Espero mais uns cinco minutos, me levanto e então vou.
Noto que ela deve ter pagado a conta finalmente, pois a luz do meu quarto está acesa. Estava tão sem esperança de que ela fizesse algo que desisti de tentar ligar qualquer coisa faz tempo. Estava tomando banho na academia da esquina. Quando pulo a janela minha mãe está esperando sentada na cama com uma expressão muito estranha no rosto.
-Mãe, o que aconteceu? –Minha voz sai ligeiramente mais aguda devido a minha súbita preocupação.
-Lene, eu sei que isso é repentino e eu não vou fazer nada com que você não concorde.
-Pra onde nós vamos agora? - Pergunto cansada. É sempre esse o discurso quando ela quer me convencer a mudar de novo.
-Quê? – Ela parece realmente espantada, seus olhos verdes arregalados e seu bonito rosto parecendo confuso.
-Vai mãe, fala logo! Sempre que você vem com essa história de que não vai fazer nada com que eu não concorde é porque a gente vai se mudar.
-Ai, Marlene! Nem é tanto assim!- Minha mãe se levanta indignada e começa a andar de um lado pro outro.
-Aham, mudar quatro vezes em três anos não é tanto assim. Exagero meu.- Concordo derramando sarcasmo em cada palavra.
-Bom, é diferente agora. – Ela tenta se manter calma, mas não consegue parar de sorrir. -Lene, amor, eu vou me casar.
-Como é?-Pergunto chocada depois de alguns segundos de consternação, minha voz vários tons mais aguda pelo choque.
-Eu vou me casar, Lene, querida! Com o Régulo! – Minha mãe está sorrindo de orelha a orelha, os dedos entrelaçados e vislumbro um anel em sua mão direita, em seu dedo anelar. Um anel de ouro com um diamante do tamanho do meu punho.
-Mas vocês mal se conhecem! Quando chegou aqui ele sequer sabia que eu existia!- Me levanto num rompante e também começo a andar pelo quarto. Passo as mãos no cabelo me sentindo acuada e muito nervosa.
-Sabia sim, amor!
-Então porque estava tão espantado?
-Bem, porque aparentemente eu dei a impressão de que você era um bebê. Mas eu acho que deve apenas ter ocorrido um pequeno desentendimento. -Quando conversa sobre mim com outras pessoas, o que faz com irritante frequência, sempre me chama de Leninha ou de Lenezinha ou de Lele e faz parecer que eu tenho quatro anos e não 17.
Ela para em frente ao espelho que fica pendurado na minha porta e fica se admirando, está linda como sempre, usando um vestido verde escuro discreto que realça a cor da sua pele e ressalta o rosado das suas maçãs do rosto, o maldito sorriso ainda lá e seus olhos brilham. Quero matá-la!
-Mas... mas e o papai? – Pergunto por fim apertando minhas mãos do lado do corpo para não estrangulá-la.
-Que tem seu pai? – Me pergunta indiferente.
-Ele - engulo em seco- ele sabe?
-Bem, não. Mas eu não preciso da permissão de ninguém pra casar. – Sua voz, seu rosto e sua postura endurecem e parece muito altiva e decidida. Mas logo depois se suaviza e acrescenta: -Quer dizer, preciso que você concorde. O que você acha?
Ela me olha com uma cara tão esperançosa, embora receosa, e parece tão genuinamente feliz que não consigo me forçar a dizer o absurdo que é isso tudo. Então forço um sorriso e a abraço.
-O que te fizer feliz está bom pra mim.
-Ah, Lene! Que bom que você concorda!-Minha mãe diz me beijando na testa.
Escuto o tagarelar animado dela enquanto arrumo as coisas da escola e seguro a vontade de chorar. No fundo eu sempre achei que minha mãe e meu pai ficariam juntos no fim, não importando quantos namorados ela tivesse. Afinal, Helena e Alexandre foram feitos pra ficarem juntos. Homero já sabia disso! Eu sei disso, mas parece que minha mãe não sabe.
Ela sai do quarto dizendo que vai fazer a janta e eu parto pro banho. Choro desconsoladamente debaixo do chuveiro, mas me maquio com esmero tentando esconder, não quero que ela perceba.
Enxugo o cabelo e me visto rapidamente quando ouço o chamado alegre de que a janta está pronta. Tem pizza de tomate seco com rúcula sobre a mesa de jantar, coca-cola e Régulo está sentado ao lado dela.
Essa também é uma das horas em que tenho vontade de matá-la! Porque não me avisa que ainda tem gente em casa? Estou usando meu pijama de pezinho e quero morrer de humilhação. Bom, ao menos me maquiei e sequei o cabelo.
Mas Régulo nem parece me notar de tão embevecido que está em olhar sua noiva. Minha mãe é realmente linda. Os olhos verdes são grandes e expressivos, tem o cabelo castanho aloirado e um sorriso que faz todo mundo ficar enfeitiçado por ela.
Eu já sou mais parecida com meu pai de cabelos escuros e olhos verde acinzentados, uma beleza fria, como papai sempre disse, que mantém os adoradores à distância. Engraçado que sempre acreditei nele, mas, pensando melhor agora, talvez seja o fato de eu nunca parar o tempo suficiente em qualquer lugar para quem quer que seja me adorar ou talvez eu simplesmente não seja o tipo que causa tal fervor.
Como rapidamente, engolindo a comida sem as menos sentir o gosto, quero ir pro meu quarto e nunca mais sair de lá. Parabenizo Régulo pelo casamento assim que termino, levo me prato pra cozinha e me retiro deixando os dois sozinhos. Me afundo na cama, enrolando o edredom em torno de mim como um casulo protetor e aí sim choro um monte. Até dormir.
Nota:
Oi! Olar!
Então, eu tava postando essa fanfic muitos anos atrás com outro casal, decidi deletar. Postei no fictionpress com meu casal original, tá lá e eu vou atualizando a cada dez anos... Mudei de rumo, atualizei a censura, voltei pra cá...enfim...você tira a garota do fanfiction, mas não tira o fanfiction da garota.
Tamos aí.
