Disclaimer
- Saint Seiya não me pertence, não se iludam tanto assim.
- A personagem Sukhi e os trechos em itálico pertencem à Dark Faye, com muito narcisismo e bom gosto, sim, obrigada.
- Essa fic é uma homenagem à minha momu, e um pedido dela. Só ela pra me faze escrever UA de novo!
Impossível
- Nossas batalhas não possuem nenhuma glória. Elas são sujas e só trazem solidão, dor e amargura.
- Quer dizer então que você se arrepende? Que, se pudesse, trocaria a vida que teve por uma mulher, 3 filhos, um emprego estável e férias anuais?
- Eu... Não, eu não desejaria outra vida. Nem estar em outro lugar, ou com outras pessoas. Sou quem nasci para ser. Eu só... Não sei o que fazer agora que tudo acabou. Coisas que antes eram insignificantes, passaram a ter uma enorme proporção. Sentimentos que eu nem sabia que possuía vêm à tona. Simplesmente me deram uma nova vida... E eu não sei que rumo dar à ela.
- Sei.
- Mas ter uma mulher e 3 filhos não é ruim.
Shura olhou diretamente nos olhos do pequeno pedaço de gente sentado à sua frente. O canto daquela boca tão pequena mal fechava, com um corte fundo e que sangrava, sem parar.
-Eu ainda não acredito em vocês dois.
Capricórnio virou os olhos, o pescoço dolorido exigindo o menor esforço possível. A jovem mulher de cabelos lisos e soltos até os ombros resmungava e xingava a ele de formas e línguas diversas. Sorriu, mas logo gemeu de dor. Sua boca também sangrava.
-Mas mãe...
-Eu me entendo com você depois, mocinho. – ela decretou, e o jovem de cabelos escuros e desfiados decidiu se calar. – Como vocês... arrrg!
Ela terminou o curativo no braço da criança, enfaixando até o cotovelo. Deu um peteleco em sua orelha e mandou que ele fosse se deitar.
Shura seguiu a pequena silhueta do filho pelo corredor, até fechar a porta.
Voltou os olhos para a dona da caixa de primeiros socorros, que o olhava intensamente com um misto de afeto e zanga.
E ele pensou, como fazia todos os dias, como Sukhi era simplesmente linda.
-Você prometeu.
-Sukhi, o garoto ia acabar comigo... Ele está quase no nível dos de bronze.
-Deuses, Shura! Não é disso que estou falando!
Ela pegou um algodão embebido de mertiolate e apertou sobre a ferida no canto da boca do ex-Cavaleiro de Capricórnio.
Exatamente: Ex.
-Acha que eu não gosto de saber que meu filho deu uma bela surra no famoso Shura de Capricórnio? – ela riu, levantando uma sobrancelha.
Ele já estava casado, vivendo uma vida tranqüila e de paz no Santuário. Mas não bastava. Ele queria mais, e queria dar mais a Sukhi também. Uma coisa que nenhum dos dois tiveram: uma vida normal.
Até o dia em que conheceu a amazona, o cavaleiro de Ouro acreditava que isso era, absolutamente, impossível pra ele. As mãos carregavam sangue demais, e nenhuma aliança dourada em seu dedo era capaz de apagar isso.
Mas aquele olhar mandão, com um misto de zanga e apego podiam.
Bastou ela dizer: "Precisamos ficar a sós. De verdade." E de repente tinham aquela casa, à beira do mar, perto do Santuário. A armadura de capricórnio escolheu seu próximo dono. E armadura de amazona de Sukhi, bem, de repente não cabia mais.
-Eu não levei uma surra.
-Claro que não. – ela sorriu, irônica.
Shura a pegou pela cintura, a trazendo para seu colo. Sukhi não desviou nem alterou seu olhar, esperou que ele a ajeitasse na nova posição, e com um novo chumaço de algodão, passou a limpar as feridas do ombro direito e pescoço.
-Eu tentei maneirar, Sukhi... mas o garoto...
Ela o calou com os dedos, os olhos mudos pedindo que ele parasse com aquelas explicações todas. Ela já estava bastante zangada pra elas.
-Você prometeu que eram treinos básicos... – Sukhi apertou levemente a pele avermelhada do ombro, fazendo Shura cerrar os dentes de dor. – Que era só uma noção de nada, um treino de farra... e vocês dois quase me destroem a casa.
-Como se nós estávamos lá fora!
-E aquele cosmos quebrando minhas telhas da varanda era meu, por acaso!
Shura não se conteve e riu. Riu farto, agarrando a esposa nos braços e lhe beijando a boca.
Era tão absurdo! Ele ali, levando bronca de uma mulher, da sua mulher! Tendo trabalho com aquele garoto de temperamento forte, com a cara da mãe e a força dos dois juntos ou quem sabe, um pouco mais! E ainda assim, era tão divertido... era tão estranho. Acordar de manhã e não pensar em quem deve morrer naquele dia. Ele só tinha que lembrar que o moleque não bebia leite desnatado.
-Eu te devo desculpas?
Sukhi sorriu, ainda de olhos fechados e a boca sobre a dele.
-Não, me deve telhas novas.
-Eu arrumo isso.
Shura a puxou para mais um beijo, ignorando a dor no ombro. Escorregou as mãos na cintura, os dedos apertando a pele que a blusa não escondia. Nota mental: blusas curtas sem legais e não discutir mais por causa disso. Outro puxão, mais forte, arrancou um suspiro fundo da amazona. As mãos subiram pela linha da coluna, com força, a chamando pra mais perto... e Sukhi mordeu seus lábios com força, o parando.
-Como arrumou a pia da cozinha?
-Sukhi... aquela pia não pinga há duas semanas...
-Porque eu consertei!
Sukhi desceu do seu colo, e começou a guardar os objetos da caixa de primeiros socorros. Aquela doida! Deixar ele naquele estado por causa de uma pia!
Ia tentar uma segunda investida, quando uma voz passou cortante por ele, a chamando. Sukhi ajeitou os cabelos, olhando o marido de soslaio. Ele tinha que aceitar que aquele pirralho de voz autoritária – no caso, o filho deles – era um rival à altura. A mulher beijou seus lábios, leve e rápida, e sussurrou:
-Chama o Deba amanhã pra ver essa telha.
Shura viu o corpo esguio da mulher também sumir pelo corredor.
Estava sozinho, olhando os desenhos que se formavam no azulejo da cozinha. Era ele mesmo ali? Era ele, Shura, o Cavaleiro de Capricórnio, que estava ali?
Aquela era a vida dele?
... eu não desejaria outra vida. Nem estar em outro lugar, ou com outras pessoas. Sou quem nasci para ser. Eu só... Não sei o que fazer agora que tudo acabou. Coisas que antes eram insignificantes, passaram a ter uma enorme proporção. Sentimentos que eu nem sabia que possuía vêm à tona. Simplesmente me deram uma nova vida... E eu não sei que rumo dar à ela.
Lembrava exatamente daquele dia.
De como tudo havia se desviado do curso que ele havia planejado. Esperava morrer jovem numa batalha sangrenta qualquer. Planejava viver de tudo um pouco e muito de tudo, como homem livre e dono de si, apenas. Leal apenas à Athena e seus próprios idéias. Viver naquela casa de pedras e morrer nela, defendendo fosse lá o que fosse.
Mas não era assim.
Ele era alguém diferente.
Alguém que ele mesmo acreditava impossível de ser.
Mas ter uma mulher e 3 filhos não é ruim.
Não eram três.
Mas era um único e perfeito. Porque era dele. Porque era dela.
E porque ele e ela eram jogo de palavras que antes nunca pareceu ser tão... possível.
-Shura... alguém está fazendo manha pra dormir, de novo.
O ex-cavaleiro de Ouro, atual conselheiro e professor da Academia de Novos Cavaleiros de Athena, levantou-se, com um sorriso bobo nos lábios.
Buscou as mãos de Sukhi e as enlaçou entre as suas, dando um beijo silencioso e lento em seu rosto.
-Eu dou um jeito nisso. – sussurrou.
Sabia que não daria, enquanto caminhava pelo corredor.
De cavaleiro à apenas um homem com uma família, isso não era tão impossível.
Havia coisas mais impossíveis nessa vida, e ele agora felizmente as conhecia.
OWARI
