Quebrando as barreiras

Rin respirou fundo, já estava anoitecendo mais uma vez e sua paciência parecia cada vez menor. Ele olhou para fileira de demônios esperando seu comando e o peso de toda aquela empreitada parecia cair com mais intensidade em seus ombros, aquilo ia chegar ao fim hoje, e depois disso, ele teria paz.

- Meu príncipe - disse uma voz atrás de si, ele voltou-se para dar de cara com um dos comendantes de seu pai, apesar de ser um comandante direto de Satan o demônio menor parecia verdadeiramente assustado em falar com Rin - meu príncipe... seu pai pede sua presença na morada.

- Por qual motivo? - quis saber o rapaz sentindo uma satisfação interna em ver o demônio vacilar com o som de sua voz.

- Ele não me disse meu príncipe - disse o demônio quase se ajoelhando, Rin estudou os movimentos da situação com maestria, buscando captar cada movimento que entregasse algo não dito. Foi assim que ele havia aprendido, havia sido assim que ele tinha sido treinando e isso é o que havia salvado todos esses anos.

Sem dizer mais nada, ele fez um gesto para que os membros de seu comando se organizassem e saiu em direção a morada. Gehenna não era nada como ele havia imaginado, não era um lugar maravilhoso, o sol não nascia brilhante e soberano como em Assiah, não lá pela manhã o céu era roxo claro sendo mantido por uma estrela de chamas azuis, a maioria das luzes que se tinham no mundo era artificiais. Existia tecnologia desse lado, eletricidade, encanamento e uma serie de coisas que podiam ser identificados do outro lado do portão, mas não eram valorizadas, parecia que os próprios habitantes além do portão haviam se conformado com o atraso desse mundo, parecia que os habitantes de Gehenna não eram a débitos as frivolidades da vida.

Ele chegou na morada rapidamente, apesar de toda Gehenna estar preparada para a 'invasão' as dependências da morada de Satan, estava calmo e protegido, essa era a ordem, no Castelo nada poderia ser notado.

Assim que Rin atravessou os portões ele caminhou até o que seria o salão principal, mas foi detido pelo som da voz de seu pai o chamando.

- Rin, venha aqui - disse a voz forte de Satan, o rapaz de cabelo azul se viu voltando pelo corredor seguindo a voz. Ele passou pelos guardas de prontidão adentrando na biblioteca do castelo, para encontrar o seu pai de pé em frente a uma das extensas estantes de livros segurando-a. O rapaz ainda não havia se acostumado em assistir essa cena estranha onde o Rei de Gehenna se colocava em situações cotidianas, como se eles fossem uma família normal.

- Queria me ver pai? - questionou o rapaz vendo a figura alta de longos cabelos escuros como o seu acenar.

- Sim - disse ele tirando a sua atenção do alto da escada e virando-se para Rin - você vai viajar, não queria que perdesse o nosso ultimo jantar juntos, Yukio insistiu - e Rin se viu com um sorriso brincando em sua face, seu olhar foi arrastado para o topo da escada onde o gêmeo mais novo se esgueirava tentando buscar um livro no topo da estante. Rin revirou os olhos.

- Eu posso pegar o livro se quiser Yuki - informou o rapaz arrancando um sorriso de seu pai - Yukio... - mas para o desespero do mais velho, Yukio largou o livro e começou a deslizar para o fim da escada, aquilo fez o coração de Rin parar, ele correu para escada, mas o mais novo já estava seguro nos braços do pai o segurando com força - eu já disse que eu não quero você descendo a escada assim - retorquiu Rin se aproximando recebendo no ato um sorriso de seu pai.

- Não seja exagerado Rin, eu estava segurando a escada - disse Satan liberando Yukio para Rin o segurar em seus braços, ele deu um olhar de advertência para Satan que ampliou o seu sorriso.

- Como se isso me tranquilizasse - disse ele fazendo a checagem básica. Ele olhou para o rosto calmo e sereno de Yukio, desde que eles estavam em Gehenna o semblante tenso e preocupado do rapaz havia sumido, ele ainda conseguia lembrar dos primeiros dias do rapaz naquele lugar. Pálido, doente, choroso e machucado, havia sido complexo, foram necessários dois anos para que o rapaz se readaptasse a nova vida e a sua nova condição. Haviam se passado 5 anos, eles agora estavam com 21 anos e como as coisas haviam mudado.

- Por que você está vestido com as roupas de batalha? - questionou Yukio olhado de relance para a espada na cintura do irmão, Rin retirou uma mecha da face do irmão que agora tinha exatamente sua altura, o cabelo dele nunca havia sido muito longo, o seu papel de exorcista exigia que o cabelo dele passasse por manutenção constante, mas agora, longe de qualquer preocupação ele estava livre para deixá-lo crescer.

- Estou pronto para viagem - disse simplesmente - você sabe que não é uma missão diplomática.

- Eu sei - murmurou o rapaz mordendo o lábio inferior, e coçando seu braço esquerdo com um tímido sorriso em sua face - eu só não quero que algo ruim aconteça com você.

- Não é com Rin que você tem que se preocupar Yukio - disse Satan abraçando o rapaz por trás o fazendo sorrir com a demonstração de carinho - seu irmão é muito forte.

- Eu sei que ele é - respondeu - não me preocupo com isso.

- Não se preocupe com nada - disse Rin pegando a mão do irmão - eu volto antes que você consiga sentir minha falta.

- Eu duvido - rebateu o rapaz revirando os olhos - a ultima vez que você saiu ficou quase dois meses fora, e nem se despediu de mim - Rin respirou fundo temendo que isso poderia começar mais uma discussão sem fundamento que revelaria mais do que ele pretendia.

- Isso é totalmente minha culpa - disse Satan salvando a situação - eu pedi para ele ir sem se despedir, achei que você receberia melhor a saída dele.

- Vocês e suas suposições - disse o mais novo tirando a franja da face.

- Dessa vez eu vou me despedir corretamente - disse o rapaz sorrindo - Ni-san Amaria-kun já deve estar finalizando a sobremesa, por que você não vai na frente e pede a ela um musse do jeito que você quiser - Yukio pareceu meio desconfiado, mas aqueles anos o ensinaram a não questionar. Ele acenou de leve e saiu do conforto dos braços de seu pai, quase que instantaneamente sete sombras se locomoveram seguindo o mais novo quando ele saiu da biblioteca, Rin ainda assistiu o irmão sair quando a oitava sombra se materializou ao lado de Satan.

- Meus senhores.

- Eu não quero que ele perceba nada do que esta acontecendo - disse Satan ao segurança - se você perceber que algo está transparecendo, leve ele para cripta e o sele, não deixe que nada o perturbe.

- Sim majestade - disse virando novamente uma sombra seguindo os demais seguranças do menor, quando os dois ficaram sozinhos o rei de Gehenna virou-se para seu filho.

- Como estão os preparativos?

- Estamos prontos - disse respirando fundo - temos portais se abrindo por toda Assiah, nossas tropas estão em posição e estamos em posição nas acadêmicas.

- Ótimo - disse andando até a cortina da biblioteca e abrindo a cortina - quando teremos noticias do vaticano?

- No final da tarde - disse serio - já neutralizamos parte dos exorcistas...

- E Angel? - questionou fazendo a expressão de Rin escurecer.

- Eu vou me encarregar dele pessoalmente - disse agarrando sua espada com mais força.

- Eu quero que o traga para Gehenna.

- Não vou deixá-lo perto dele - vociferou Rin, mas foi repreendido pelo olhar frio do pai.

- Ele não vai se aproximar dele, mas eu o quero aqui onde eu possa fazer justiça - disse o rei do inferno, Rin estudou a face de seu pai e por fim rebateu.

- Se por acaso eles sugerirem um tratado, podemos colocar isso como fator condicional? - questionou passando os dedos pelo cabo da espada, todos esses anos vivendo em Gehenna ele havia aprendido que um pouco de diplomacia sempre era necessário, apesar de nos últimos anos isso não ser determinante.

- É uma ótima ideia - disse o Satan voltando-se para Rin - estou colocando toda essa operação em suas mãos, me decepcione.

- Não irei - disse o rapaz sentindo o peso daquele pedido - pela memoria da minha mãe e por um mundo onde o Yuki consiga viver sem medo, eu não vou falhar - Satan olhou para seu filho e sorriu, Rin havia crescido nesses cinco anos, e apesar de ter muitos filhos ele estava muito orgulhoso do rapaz. Ele já havia decidido há tempos, se tudo correr bem, o rapaz seria seu sucessor e se esse era o caminho que ele sonhava para Gehenna, ele o apoiaria em todos os passos.

- Eu confio em você - disse Satan - vamos antes que Yukio venha nos buscar - Rin revirou os olhos e saiu com o pai da biblioteca, aqueles eram seus últimos minutos de paz antes da tormenta.

Cinco anos atrás

- Isso não é justo - gritou Yukio a plenos pulmões para o tribunal, Rin estava do seu lado observando o face dos membros do Vaticano. Ele já havia entendido que tudo estava perdido, que eles estavam perdidos, mas Yukio em uma postura completamente alheia a seu comportamento corriqueiro estava protestando com toda a veemência que conseguia, ele parecia verdadeiramente irritado com as colocações dos anciões e isso lhe dava uma ponta de orgulho, mas ele sabia a hora de recuar.

Seu olhar correu pela arquibancada onde todos os seus amigos Exwire, Shura e até alguns professores o observavam, mas todos pareciam assustados demais para dizer alguma coisa.

Mephisto havia desparecido após o ataque mal sucedido de Satan, ele provavelmente havia percebido mais cedo do que eles que as coisas iam ficar muito complicadas para demônios, principalmente para os filhos de Satan. Seus olhos baixaram para seus pulsos, as algemas agora o prendiam muito apertado cortando a circulação da palma de suas mãos. Yukio havia sido algemado também, mas suas algemas pareciam, se possível mais apertadas, eles sabiam que o rapaz era um exorcista treinado, fugir de algemas talvez não fosse problema para ele.

O salão de julgamento estava em silêncio o único som que se era ouvido era a voz de Yukio que parecia uma bala cortando as feridas dos clérigos do vaticano, seu manto de exorcista havia sido removido o deixando de camisa branca e calça preta, seu cabelo estava uma bagunça e seus óculos estavam na ponta do nariz, ele nem percebia que estava gritando a quase meia hora.

Foi quando o novo papa se ergueu e fazendo um gesto para o rapaz se calar.

Quase como um clique, Yukio parou de falar respirando fundo, ele parecia exausto e muito irritado, seus nervos estavam alterados e Rin temia que a qualquer momento as chamas dos olhos do irmão atacassem e as coisas ficassem pior do que estavam.

- Jovem demônio... - começou o Papa, mas Yukio parecia se enervar mais ainda com o início do discurso.

- Com todo respeito santidade, você sabe nossos nomes, use-os - vociferou o rapaz, e Rin podia ver Shura se encolher, se eles sobrevivessem aquilo ela com certeza mataria Yukio.

- Jovens Okumura - repetiu o papa a contra gosto - ouvimos todos os seus argumentos, alguns completamente infrutíferos, mas esse conselho não pode negar o fato de vocês dois serem filhos de Satan, que vocês dois são uma arma em potência e um portão para Gehenna, frente a isso eu tomei a minha decisão - Rin respirou fundo e esperou, ele sentiu a mão de Yukio segurando a sua e foi por alguns segundos que ele nem conseguia ouvir o que estava para ser dito, apenas observou a expressão de tristeza de seu irmão, de dor e agonia - amanhã pela manhã, os filhos de Satan devem ser executados por essa corte ao amanhecer. O gêmeo mais velho deve ser levado para seu antigo dormitório onde será vigiado até a sua sentença e o gêmeo mais novo, com ex-exorcista deve ser interrogado pelo Paladino atual onde deverá confessar seus pecados antes da execução.

Aconteceu em segundos, em um momento eles estavam juntos, no outro os dois estavam sendo separados, Rin não viu onde estava sendo levado, apenas sentiu o mundo girar e por fim apagou.

Seus olhos se abriram ele estavam em uma sala completamente branca onde uma figura alta e pálida de longos cabelos brancos o encarando, internamente, imediatamente o rapaz descobriu quem era.

- Satan...

- Rin - disse o rei do inferno - antes que questione isso não é um sonho, estou usando o seu subconsciente para me comunicar com você enquanto está desacordado.

- Entendo - disse o rapaz estudando a face do homem - e o que você quer aqui? Dizer que eu te avisei?

- No fundo é realmente isso que eu quero fazer, mas infelizmente eu não tenho tempo - disse sem rodeios - eu vou fazer uma oferta, apenas uma oferta. Eu vou salvar a sua alma e a alma de Yukio para que ela renasça em Gehenna, vocês terão os seus corpos exatamente do mesmo jeito que estão hoje, e mas serão filhos de Gehenna, não de Assiah, viverão comigo em meu reino como meus herdeiros - Rin congelou com a oferta, aquilo era loucura, eles haviam acabado de derrotar Satan, como podia ele ser tão generoso.

- Eu não entendo...

- Você e Yukio são meus filhos - disse por fim - e por mais que tenha frustrado meus planos de tornar esses dois mundo o lugar de paz para os demônios e humanos, eu não posso deixar que vocês morram pelo julgamento desses homens estúpidos.

- Eu... o que devemos fazer? - questionou Rin agora sentindo que aquilo era o ultimo recurso - o que devemos...

- Hoje a noite, quando eles devolverem Yukio para o quarto de vocês, sua espada vai estar embaixo do assoalho de seu quarto, tire-a e com um só golpe atravesse o seu coração e de seu irmão.

- O QUE? VOCÊ QUER QUE A GENTE SE MATE?

- Isso mesmo - disse Satan - a espada te conecta a Gehenna, assim que ela atravessar o coração de vocês dois ela vai sugar a alma de vocês e vai se teletransportar para Gehenna, nos vamos usá-la para traze-los de volta.

- E nossos corpos? - questionou.

- Eles vão permanecer em Assiah, mas assim que despertarem em Gehenna, eles vão desaparecer - Rin pareceu indeciso, mas havia um desespero naquela situação, em seu coração, ele sabia que pela manhã nada nem ninguém poderia salvá-los, ele tinha que salvar Yukio, ele tinha que proteger o seu irmão, era seu dever como irmão mais velho.

- Se eu não aceitar e nos dois morreremos? - perguntou tentando meditar sobre essa questão.

- Vocês vão morrer, vão para Gehenna como demônios que são, mas eu não vou poder salvá-los dos estágios do inferno que o aguardam - disse por fim - eu sei que não tem motivos para confiar em mim, mas eu prometo a você Rin, se me der a chance, se me permitir cuidar de você e do Yukio eu juro nunca te decepcionar, eu não pude ser pai de vocês antes, me permita ser o pai que vocês precisam agora, eu não vou decepcioná-lo - Rin respirou fundo sentindo seu coração afundar - é sua escolha meu filho, até o dia amanhecer eu esperarei, por você seu irmão de braços abertos.

E então ele acordou.

Muito depressa ele sentou-se em sua cama percebendo que estava no dormitório, seu olhar foi direto para o relógio em cima da cabeceira: 03:15 da manhã, ele havia dormido por quase cinco horas, cinco horas, depressa ele sentou-se na cama para só então se deparar com um vulto sentado no chão do outro lado do quarto.

O vulto ofegava o que parecia ser uma mistura de choro e gemido de dor, Rin se ergueu odiando-se por saber que era. Do outro lado da sala, com as roupas reduzidas a trapos, estava o que um dia havia sido Yukio Okumura. Rin sentiu seu estomago revirar quando seus olhos se adaptaram a escuridão e ele conseguiu ver o irmão, seus rosto estava escondido pela franja, mas ele podia ver os machucados, sua perna estava em um angulo estranho, parecia que caba fibra e milimetro do corpo do garoto havia sido espancado, havia lagrimas pesadas escorrendo pelo queixo do rapaz. Rin se ajoelhou em frente a irmão tentando ver se havia algo mais grave, mas assim que seus joelhos tocaram o chão, ele sentiu a umidade, com horror ele tocou o líquido e o trouxe para a luz, era sangue, sangue de seu irmão.

- Yukio o que aconteceu? - perguntou agora tentando vasculhar as roupas do irmão para só então perceber que o sangue estava escorrendo por entre as pernas do mais novo... - Yuki... Yukio fale comigo.

- Doí... - murmurou com uma voz quebrada - doí muito... eu não... não consegui, eles... eu... - e recomeçou em um choro desenfreado e doloroso, Rin se viu em desespero e abraçou seu irmão que desabou em seus braços em agonia, enquanto ele amparava seu irmão, Rin tomou a sua decisão.

- Yuki, confie em mim ok - disse Rin abraçando o irmão mais forte - vai acabar bem, eu prometo, tudo isso vai acabar, eu juro - em um movimento rápido, Rin se afastou do irmão, ergueu a taboa do assoalho e pegou a sua espada, aproveitando que Yukio estava atordoado demais para fazer alguma coisa ele desembainhou a espaça e se abraçou novamente o irmão, com cuidado ele colou seu corpo junto com o do menor e murmurou - eu prometo, já vai acabar - com um movimento complexo ele agarrou a espada pela lamina e mirou no coração dos dois - tudo vai acabar.

- Ni-san... - murmurou Yukio no mesmo instante que Rin atravessou a espada pelos dois atingindo diretamente no coração, e tudo havia acabado.