Esperança No Sétimo Abismo
Capítulo Um – A Moça Sem Passado
Ela abriu os olhos, sentindo-se completamente perdida e desnorteada. Por um momento, seu cérebro trabalhou febrilmente, tentando lembrar-se de seu nome. Sem sucesso, ela olhou à sua volta. Estava numa cama de casal, num quarto amplo e com tapetes no chão, mal iluminado, com cortinas cerradas, que deixavam apenas umas frestas de luz passarem. Olhando para ela, uma mulher que aparentava ter pouco mais de trinta anos, de cabelos dourados e compridos, rosto jovem, ao lado de outro homem, alto, de olhos negros e roupas escuras.
-Que bom que você acordou.-disse a mulher.-O curandeiro disse que não demoraria muito.
-Curandeiro?-disse ela, devagar.-Mas quem sou eu?
O homem ao pé da cama descruzou os braços.
-Ela não se lembra mesmo de nada.-disse à mulher.
-Não faz mal.-disse a outra.- Você não consegue lembrar de nada mesmo?
-Não.-respondeu ela.
-Muito bem.-falou a mulher.-Seu nome é Fiona Snape. Sou sua mãe, Íris, e aquele é seu pai, Severo. Ele dá aula de Poções em Hogwarts.
-Fiona Snape...-ela repetiu o nome, tentando assimilá-lo em sua cabeça.-Mas o que aconteceu comigo?
-Você foi obliviada.-disse o homem chamado Severo.
-Por quê?
-Porque você é uma pessoa muito importante para um certo grupo de pessoas.-contou ele.- Tentaram te matar, na realidade. Mas, obviamente, não deu certo, embora tenham passado muito perto.
-E quem...?
-Os Comensais da Morte.
Fiona não esboçou qualquer reação.
-E o que são...?
Íris voltou-se para Severo.
-Por que ela não sabe disso?
-Não sei.-disse ele.-Talvez... As conseqüências do feitiço tenham sido maiores do que eu imaginava.
-Mas o que são Comensais da Morte?
-São os seguidores do pior bruxo das trevas de todos os tempos, Lord Voldemort.-falou Íris.
-E eu sou importante para eles?
-Sim.-respondeu Severo.
-Nós temos ainda um mês antes das aulas começarem.-disse Íris.-Como ela vai se recuperar o suficiente até lá?
-Aulas?-repetiu Fiona.
-Até hoje você estudou em Beauxbattons, na França.-contou Severo, de novo.-Mas nós resolvemos te transferir para Hogwarts este ano. Vamos nos sentir mais seguros com você junto de nós.
-Eu vou ter aulas com o meu pai...?
-E com sua mãe também.-disse Íris.- Vou dar aula de Defesa Contra as Artes das Trevas. Mas já combinei com o diretor de me apresentar como Profª Branden, que é meu nome de solteira. Pode ser perigoso, além de estranho, ser conhecida como Profª Snape.
-Mas então os outros não poderão saber que...?-Fiona nem estava precisando se dar ao trabalho de terminar suas frases.
-Íris, ela deve estar cansada -alertou Severo.- Nós contaremos mais a ela conforme for se recuperando.
Íris assentiu e pegou uma mãe de Fiona.
-Fique aqui e descanse, OK? Daqui a algum tempo eu venho te chamar para o jantar.
Fiona meramente assentiu, e viu Íris e Severo saírem do quarto. Logo que a porta se fechou, seu olhar recaiu sobre a penteadeira com espelho do outro lado do cômodo. Por Deus, nem de sua própria aparência ela se lembrava! Fiona ergueu as cobertas e se sentou. Estava usando uma camisola esverdeada que ia até os joelhos, e ao se levantar encontrou pantufas macias no chão, vestindo-as em seguida.
Ela se levantou e, conforme se aproximou do espelho, teve a confirmação de que era mesmo filha de Severo e Íris; tinha os cabelos loiros da mãe, embora mais curtos e espetados, o mesmo nariz curto e delicado, mas tinha também os olhos negros de Severo, além da expressão um tanto mortiça. Mesmo assim, achou que era bonita, não precisava ter uma cara feliz vinte e quatro horas por dia.
Fiona caminhou pelo quarto tão devagar que parecia um bebê aprendendo a andar pela primeira vez. Se tudo aquilo era dela, se aquelas roupas no armário sempre pertenceram a ela, como nem uma sensação de dèjavu ela tinha ao vê-las? Não havia se passado muito tempo quando um elfo doméstico apressado entrou no quarto sem a menor cerimônia. Usava um manto surrado provavelmente feito a partir de um pano de chão, tinha pulsos e dedos tão finos que pareciam galhinhos ainda verdes.
-Thinwrist é mandado por jovem senhora para vesti-la, senhorita Fiona.-o elfo falou afobadamente, enquanto abria o armário com um rangido altíssimo.
-Eu... acho que sei me vestir sozinha, obrigada -a moça gaguejou sem ação.
-Thinwrist cumpre ordens de Sra. Snape, cumpre sim.- o elfo disse, no que Fiona tomou por uma resposta.
Thinwrist pegou roupas escuras nos cabides e jogou sobre a cama desarrumada. Em seguida, começou a desabotoar a camisola de Fiona, a que ela repentinamente resistiu.
-Não, -ela disse.- eu me visto.
-Mas a senhora manda Thinwrist...
-Ela manda e eu acabo de desmandar.-Fiona ergueu a voz mais do que realmente queria.-Devem ter outras tarefas pela casa, Thinwrist, por favor, me deixe aqui.
O elfo abriu a boca para falar, mas de repente pareceu mudar de idéia, deu de ombros e saiu.
Fiona, surpresa por sua respiração ter se acelerado por um motivo tão tolo, dirigiu seu olhar para as roupas. Então despiu-se e vestiu as roupas escolhidas por Thinwrist. Um relógio sobre a penteadeira indicava já oito horas da noite. Puxa, ela não percebera que já havia escurecido completamente. Ela sentou-se e penteou o cabelo, entrando numa guerra furiosa com os fios que resistiam bravamente a ficar no lugar que ela queria. Ficou tão entretida com sua imagem no espelho que não escutou Íris entrar no quarto.
-Se nunca conseguiu pôr esse cabelo pra baixo, não acredito que seja hoje.-ela disse.
-Já é hora do jantar?-Fiona perguntou.
-Já.-respondeu Íris.- Temos uma visita hoje, que irá comer conosco...
-E quem é?-disse Fiona, arrependendo-se de ter perguntado. Afinal, fosse quem fosse, tanto faria, pois ela não se lembrava de nada mesmo.
-Ele se chama Alvo Dumbledore. É o diretor de Hogwarts, Fiona, a escola para onde você irá.
-E os meus amigos de... Beauxbattons? Eles não se lembram de mim? Eu não tenho amigos?
-Calma, Fiona, é claro que você tem amigos.-falou Íris, sorrindo.- Ande, venha comigo. Você parece ter melhorado muito mesmo hoje. Consegue andar com firmeza?
Fiona franziu a testa.
-Claro que sim.-disse.-Por que não conseguiria?
-Não é nada.-respondeu sua mãe.-Você poderia estar muito fraca.
-Mas eu não fui só obliviada?-perguntou, enquanto andavam por um corredor tão iluminado quanto o quarto.
-Bom, esse foi o arremate... Antes eles tentaram neutralizar a sua energia, sufocá-la e controlá-la.
-E por que eles tiraram a minha memória?
-Isso nós não sabemos, Fiona. Dumbledore acredita que eles tentaram fazer com que a essência da família se perdesse dentro de você.
-Essência? Mas o que os Snape têm de...
-Ah, não, não o lado de Severo. O meu lado da família traz o sangue dos Ravenclaw.
-A pergunta é a mesma.-Fiona piscou.-Só muda o sobrenome.
-Rowena Ravenclaw foi uma dos quatro fundadores de Hogwarts, e nós duas descendemos dela. Herdamos dela o dom de poder fazer vários feitiços sem a varinha. Por exemplo...- Fiona observou sua mãe olhar para o corrimão de uma escada, até cinzento de tão empoeirado- Limpar!
E toda a poeira sumiu, como se nunca tivesse estado ali, bem diante dos olhos da garota.
-Eu... posso fazer isso?
-Pode.-respondeu Íris.-Mas antes que se esforce com isso, precisamos comprar uma varinha nova pra você, já que os Comensais partiram a sua última em pedaços.
Chegaram a uma sala de jantar muito espaçosa, com uma mesa imponente de madeira suficiente para dez ou doze pessoas, naquele momento coberta de comida, com Snape sentado na ponta da mesa, e Dumbledore no lugar mais próximo dele. Íris chegou com Fiona e apresentou-a ao diretor, que se levantou e cumprimentou a garota com um sorriso receptivo.
-Prazer em conhecê-la, Fiona.-ele disse.-Então, seus pais já lhe falaram sobre as Casas de Hogwarts?
-Na... Na verdade não, Professor Dumbledore.-respondeu Fiona, olhando para seu pai.
-Os alunos da escola costumam ser divididos pelas quatro Casas em seu primeiro ano: Sonserina, Corvinal, Lufa-Lufa e Grifinória.-explicou ele.- Será selecionada separadamente por seu primeiro e último ano na escola.
Fiona ficou calada durante o resto do jantar, e quando Thinwrist chegou trazendo mais comida ainda, ela prestou atenção na conversa dos três adultos e percebeu que seu pai pertencera à Sonserina e sua mãe, à Grifinória. Não conseguia ter a mais vaga idéia de qual seria a dela.
Quando o assunto mudou, ela mal conseguiu acompanhar porque nada do que diziam era muito familiar. Falavam sem parar em algo cujo nome parecia ser Ordem da Fênix, e alguns nomes estavam sempre na baila, como Lupin, Tonks... Quando Dumbledore disse esses dois nomes na mesma frase, Fiona se lembrou de ter ouvido sua mãe dizer:
-Pois é, andei percebendo mesmo como Tonks tem sempre ficado nas mesmas missões que Remo...
-Claro, é o próprio Lupin que divide as pessoas nas missões.-sibilou Snape.- Parece que alguém está apaixonado.
-Não está em grandes condições de caçoar dele, Severo.-lembrou Dumbledore, com um olhar de esgrelha para Íris.
Já que não conseguia entender praticamente nada da conversa, Fiona resolveu fazer algum esforço para se lembrar de alguma coisa, qualquer coisa. Ela sabia, sem ter idéia de como, que Feitiços de Memória podiam ser desfeitos com algum esforço. Esforçou-se, concentrando-se em sua lembrança dela mesma despertando e perguntando-se insistentemente o que havia acontecido antes daquilo...
Uma dor de cabeça horrível foi o único resultado de seu esforço. Fiona levou a mão à têmpora, e Íris imediatamente virou-se para ela, com cara de preocupação.
-Fiona? Você está se sentindo bem?
A garota acabou afastando a mão da mãe mais bruscamente do que desejara.
-Eu estou bem.-disse, levantando-se.-Acho que já vou pro meu quarto...
-Estávamos pensando em levá-la ao Beco Diagonal, amanhã.-Íris disse, devagar.-Mas pode ficar se não estiver disposta. Iremos outro dia.
O cérebro de Fiona trabalho rapidamente. Se saísse, tinha mais chances de ver coisas novas e de se lembrar de alguma coisa. O que mais queria naquele momento era se lembrar de quem ela era, de como ela era.
-Não, por favor- disse.- Iremos sim.
Íris olhou-a no fundo dos olhos por um momento, parecendo seriamente preocupada.
-Está bem.-disse ela.
Fiona cumprimentou Dumbledore com toda a educação que a enxaqueca lhe permitiu, deu boa noite aos pais e refez o caminho até seu quarto, sem disposição para ir explorar a sua própria casa.
Não estava com sono. A cama com as cobertas revoltas ao seu lado estava longe de ser convidativa. Procurou então por sua varinha e lembrou-se de que fora quebrada.
Bem, se era mesmo descendente da tal Ravenclaw, deveria fazer magia sem precisar dela. Olhou, de sua penteadeira, para o relógio despertador na cabeceira de sua cama. A palavra para o feitiço surgiu livremente em seus pensamentos:
-Accio relógio!
Sua mão segurou o objeto, que voara imediatamente até ela depois do comando. Mesmo que não se lembrasse de como aprendera o Feitiço Convocatório, ela o sabia, e isso já era confortador.
-Ela não sabia o que são Comensais da Morte, professor.-Íris contou a Dumbledore, quando Fiona deixou-os a sós.
-Ela deveria saber disso, de fato.-concordou o diretor de Hogwarts.-Seria de se esperar que uma garota de Beauxbattons soubesse o que são Comensais.
-De todo modo, Dalila foi tão gentil cedendo as lembranças dela para Fiona -continuou a mulher.- Mas eu queria saber por que ela ainda não demonstrou ter tido nenhuma delas.
-Isso virá com o tempo.-disse Dumbledore.-Mas vocês sabem que a estão iludindo. Fiona Snape não tem dezessete anos, e sim é uma recém-nascida, cujo crescimento foi absurdamente acelerado por ma série de poções e feitiços.
-Sim, Alvo, sabemos disso.-respondeu Snape, apoiando o queixo nas duas mãos.-Mas teria sido mais cruel ainda tê-la esperado acordar e dito: "Olá. Você é uma recém-nascida magicamente desenvolvida. Nasceu para completar a Corrente da Salvação e este é o seu único objetivo na vida. As lembranças dentro da sua cabeça não são suas, só estão aí para fazê-la pensar que teve um passado antes disso."
-Ela vai matá-los quando descobrir tudo.-murmurou Dumbledore.
-Pior que isso, ela vai nos odiar.-retrucou Íris.-Esse medo já ficou maior do que o de perder a guerra. Será seguro mesmo levar Fiona ao Beco Diagonal?
-Depois daquele último ataque dos Comensais com os vampiros e o Ministério concordou em atulhar aquele lugar de aurores. Além do mais, você e Fiona serão as únicas de nós por lá, amanhã. Sirius irá levar Harry e os amigos dele também. Eu mesmo não estarei muito longe. Estarei levando a nova professora de Astronomia ao seu novo apartamento, onde ela poderá ficar durante as férias e até fins de semana.
-E quem é a nova professora?-perguntou Snape.
-Eu gostaria de deixar para apresentá-la a vocês no dia primeiro se setembro -respondeu o velho bruxo, com um sorrisinho.
-Alvo Dumbledore e suas surpresinhas.-murmurou Íris.-Vamos esperar que não tenha entregado sua confiança à pessoa errada, professor.
-Não, desta vez não.-o diretor ergueu uma sobrancelha.-Você mesma verá, Íris.
Àquela noite, Íris percebeu que Snape estava se virando na cama mais do que de costume, que ficara acordado mais tempo que o normal.
-Severo?-ela sussurrou, no escuro.-Você está preocupado com alguma coisa?
Num instante silencioso, ele resistiu a falar com ela. Depois, virou-se, conseguindo ver seu rosto apenas por um raquítico raio de luar que vencera o cortinado.
-É uma besteira.-disse.-Nada comparado com tudo que temos para nos preocupar.
-Se é o suficiente pra te manter acordado, é importante pra mim.-ela retrucou.
Snape fez uma pausa, antes de dizer, parecendo envergonhado.
-Você é cinco anos mais nova do que eu, certo?
Íris assentiu.
-Sendo assim, não freqüentamos Hogwarts juntos por algum tempo?
-Sim.-disse Íris.- por dois anos.
-Eu... não me lembro de você.-admitiu Snape.
Íris quase riu em voz alta.
-Nunca esperei que você pudesse guardar o meu rosto. Para uma grifinória de doze anos, seria até uma honra ser lembrada pelo temido Severo Snape.
Snape riu baixinho enquanto falava.
-Temido?
-Claro! Eu me lembro pouco disso, mas acho que você era o grande vilão de Hogwarts, na época. E Tiago Potter era o herói.
A expressão dele se fechou.
-Mas é claro. Você pertencia à Grifinória.
-Ah, por favor, Severo, não leve essas coisas a sério, olhe só o seu tamanho! E ainda se importando com brigas de escola! Na verdade, você falou comigo uma vez, na escola.
-Falei?
-Sim. Vou contar como me lembro. Acho que nossas turmas tiveram que ir pelo mesmo corredor para irem às suas aulas. Alguém esbarrou em mim por trás... E eu derrubei os meus livros. Então você me viu, e se quer saber, eu preferia que nunca tivéssemos nos cruzado.
-O que eu fiz?
-Primeiro, teve a gentileza de chutar os meus livros mais longe ainda. Então me virei pra você e disse "Me deixa em paz, seu desocupado!" -contou Íris, lembrando-se nitidamente daquele dia.-Então você riu da minha cara, sacou a varinha e com ela pegou um livro de História da Magia, eu acho, e começou a caçoar da edição desbotada, dizendo que meus pais deviam ser pobretões... Então Lúcio Malfoy murmurou o meu nome pra você e você começou a rir mais ainda, me chamando de louca e que eu devia ser perturbada... Então o prof. Hollander chegou e você nunca mais prestou atenção em mim.
-Eu não consigo me lembrar disso.-falou Snape.-Mas por que eu te chamei de...?
-Ah, acho que foi por causa do boato da minha mãe ter se matado por ser louca, e que eu devia ter herdado isso... É que naquele anos as pessoas ficaram sabendo que a minha mãe, Jéssica, tinha morrido, só porque meu pai estava casando de novo. Eu nunca tinha falado pra ninguém sobre os meus pais.
-Íris, me desculpe.-começou Snape.-Se eu...
-Você dá mesmo importância ao que te aconteceu naquela época, hein? Foi só uma coisinha de infância, Severo, várias pessoas fizeram muito pior...
-E mesmo assim, quando eu me tornei seu professor, você não aceitou que eu fosse tão malvado.
-É... Você parecia ter mudado muito, ter passado por muita coisa desde a última vez em que eu tinha te visto...-Íris deu um sorrisinho.- Sabe, se quando eu tinha doze anos ficasse sabendo que acabaria me casando com Severo Snape, teria acreditado em você e achado que era maluca.
-E agora.-inquiriu Snape.- Você acha que é maluca?
-Agora -disse Íris, sorrindo.- Eu sou feliz.
