Todos os olhares se voltavam ao topo da escada que dava para os quartos. Todos esperavam ver a figura de um médico ou para aliviar as suas dores ou para aumentá-la ainda mais. O Dr. Santiago Bilk era um ótimo médico, no entanto desta vez não conseguira salvar a Sra. Field.
-Eu sinto muito, Srta. Field. Mas sua mãe acaba de falecer.
Antes que Whaleuskha, filha da morta Valéria Field pudesse falar ou demonstrar algo, ela foi logo abraçada pelo seu noivo Dreik Dower.
-Sinto muito, querida. Sua falecida mãe era uma mulher formidável. Onde está o senhor Field? Ele deve estar inconsolável.
-Meu... pai deve estar na biblioteca. Ele sempre ficava lá durante as crises de mamãe. – dizia a Srta. Field enquanto soluçava, todavia não chorava, apenas demonstrava uma grande dor com um misto de desespero.
-Como médico talvez já não tenha muito o quê falar, mas como amigo dou meus sinceros pêsames. Eu vou embora, acho que este é um momento muito familiar. Boa noite.
-Vou pedir a Margaret que o acompanhe até a porta. – disse Whaleuskha, (cujo nome informal era Valey, devido á facilidade da pronuncia), já se soltando dos braços de seu noivo. – Margaret!
Uma mulher de meia-idade vestida com um elegante traje de governanta, chegou na sala. Seus olhos aparentavam tristeza, pois todos naquela casa já sabiam da tragédia.
-Chamou, srta. Valey?
-Acompanhe o Senhor Belk até a porta. E onde está o meu pai?
-Ele estava na biblioteca, mas agora acho que está no quarto junto de sua falecida mãe. – disse ela acompanhando o médico até a porta e os dois saíram da sala, deixando o jovem casal sozinho.
-Sei como deve estar se sentindo meu bem. É horrível para você tão jovem perder sua mãe. – ele se aproximou dela colocando suas mãos em cima de seus ombros. – Mas você ainda tem seu pai e... a mim. Não acha que o último desejo de sua mãe seria nos ver casados. – rapidamente Valey se virou para ele.
-Como pode pensar nisso agora? Minha mãe morreu há alguns minutos atrás e você está pensando em casamento? Nunca pensei que pudesse ser tão insensível.
-Me perdoe. Mas Valey, você é tão fria comigo. Apesar de todo o carinho que tenho por você e apesar de você ter essa aliança no dedo, não parece que somos noivos de verdade.
-É mesmo? Então tome! – Valey tira violentamente a aliança do dedo e a joga no chão – Fique com ela, nunca quis essa aliança de verdade mesmo! Margaret venha cá! – a governanta chega um pouco assustada.
-Chamou, senhorita?
-Acompanhe este senhor, ele já está de saída. Garanto que ele já não tem mais nada pra fazer aqui.
-Valey, por favor...
-Margaret o acompanhará até a porta, eu vou subir para consolar o meu pai. Com licença.
Dreik se abaixou para pegar a aliança caída e Margaret, entendendo o ocorrido, apressou-se em dizer:
-Não se preocupe senhor Dower. Valey sempre teve um gênio forte, mas ela está realmente sentida com a morte de sua mãe.
-Boa noite. – disse friamente.
Já fora da casa dos Field e com a aliança de Valey nas mãos, Dreik pôs-se a pensar: "Por que ela é assim? Garanto que se fosse diferente as coisas seriam mais fáceis, para ela e principalmente para mim. Apesar desse gênio, ela é tão linda que qualquer sacrifício vale á pena. Mas sempre há um dia após o outro".
Valey sempre foi uma menina diferente das outras, nunca se interessou por assuntos polêmicos entre a maior parte das meninas de sua idade. Quando era menor, nunca participava das brincadeiras, pelo contrário, sempre se isolava das outras meninas. Recusava-se a fazer e aprender coisas que eram consideradas naturais que toda menina aprendesse. Por isso era considerada estranha. Seu pai, o rico senhor Claus Field arranjou o seu noivado com Dreik Dower na esperança que ela se redimisse, mas o próprio noivado era contra a sua vontade, ela o aceitara unicamente para não contrariar seus pais. Por isso que com Dreik, Valey nunca se deu bem, ao contrário, tratava-o friamente para que ele não agüentasse e ele mesmo terminasse o compromisso. Pois algo que ela não aprendera foi como gostar de Dreik Dower. A amizade do pai de Dreik com o seu era recente mas logo descobriram pontos em comum e um deles era filhos na idade de casar. Daí começaram a pensar em como unirriam os jovens. Dreik passou a freqüentar mais a casa dos Field e a conversar mais com Valey. Embora ela achasse que ele não tinha assunto interessante para conversar ela lhe fazia companhia unicamente por sua mãe, que por sua vez cumpria a vontade de seu pai. Valey desde o início sabia das intenções de Dreik e dos interesses de seu pai, disfarçava o quanto podia mas a verdade é que não agüentava a idéia de casar com Dreik. Nessa mesma época a mãe de Valey, a Sra. Valéria Field começou a ficar gravemente doente. Ela piorava a cada dia e o doutor Bilk não conseguia descobrir qual era a doença de Valéria, por isso dava-lhe remédios somente para aliviar os terríveis sintomas. Diante disso, Valey não pôde recusar o pedido de casamento de Dreik, pois sentia que isso faria a mãe feliz, fazia mais pela mãe do que por ela mesma. Daí teve a idéia de maltratá-lo, tratá-lo de um jeito que nenhum homem gosta de ser tratado, principalmente pela noiva ás vésperas de um casamento: com frieza e desprezo.
Mas algo a deixava curiosa: quanto mais ela o maltratava, mais ele a desejava. "Esse homem gosta de sofrer, por que será que ele não me deixa em paz e vai atrás de outra? Tenho certeza de que eu não sou a única menina rica desta porcaria de cidade, pois eu garanto que esse cara não está comigo só por causa dos meus olhos castanhos".
Valey se lembrava que no dia do noivado ela ainda estava um pouco relutante e foi falar com sua mãe sobre sua real situação:
-Mãe, eu tenho mesmo que me casar com ele? Ele é um chato!
-Querida, seu pai sabe o que é melhor para você.
-Começo a duvidar disso. Eu não gosto do senhor Dreik e acho que nunca chegarei a gostar de um homem de verdade, pois eles não têm nada que me agrade. Principalmente esse Dreik.
-Meu bem, talvez quando você casar, passe a gostar do senhor Dreik.
-Faço isso pela senhora, por mais ninguém. Porque desejo muito vê-la feliz.
Desde esse dia então, Valey ficara noiva mesmo não suportando Dreik. Ele ia á sua casa e só falava no casamento, em como seriam felizes e como seria a vida deles. Essas conversas para Valey eram tão intediantes... Contudo algo ela tinha que admitir: foi com Dreik que ocorreu seu primeiro beijo. Eles estavam no jardim, andavam de mãos dadas embora Valey achasse isso um tanto ridículo. De repente, Dreik parou, enlaçou sua cintura e começou a susurrar em seu ouvido:
-Você é a menina mais linda que eu já conheci. Quero logo que nos casemos para que seja minha para sempre.
-Já disse isso antes sem precisar segurar minha cintura. – disse Valey tentando dissimular o seu aborrecimento pelo toque de Dreik. Não gostava de ser tocada daquela forma, pelo menos por quem ela não gostava de ser tocada.
-Desta vez quero mais do que segurar sua cintura. – disse ele enquanto a puxava mais para perto e depositava em seus lábios um desejado beijo. Valey teve vontade de empurrá-lo e dar-lhe um tapa, mas pensou que seu pai poderia estar vigiando os dois e caso ela tomasse alguma atitude desagradável, ele falaria com sua mãe e isso a pertubaria. Então ela resolveu ficar parada fingindo aceitar o beijo de Dreik quando na verdade estava com nojo de tudo aquilo. Não pelo beijo em si mas pelo autor dele, Dreik. Ela não conseguia nem pensar em como seria quando casasse, ele iria querer mais do que um beijo, iria querer toca-la mais intimamente e essa idéia a deixava um pouco pensativa. Não amava Dreik, seu gênio não combinava com o dele, que era ambicioso, obcecado e isso destruía completamente qualquer interesse que pudesse surgir por parte de Valey.
Era uma situação muito delicada: Valey o detestava mas seu pai o apreciava de uma maneira que ela não entendia, contudo uma coisa era certa: seu pai sendo um homem de negócios sempre procurara um bom partido para ela e Dreik, sendo filho de seu recente amigo era perfeito, tinha esperança de que ele conquistasse Valey e dominasse seu gênio forte. Mas mesmo naquele momento triste, Valey mantinha sua personalidade forte, foi até o quarto de sua mãe e lá encontrou seu pai ao pé de sua cama, olhando para o sereno rosto de sua falecida esposa.
-Senhor, meu pai. Precisamos tratar dos assuntos relacionados com o enterro e a missa de minha falecida mãe.
-Claro querida, sua mãe será enterrada com dignidade. Passaremos um mês de luto e depois disso trataremos de um outro assunto: o seu casamento com o senhor Dreik Dower. – Por falar nisso, onde está ele?
-Eu o mandei embora. – disse ela com seriedade e ao mesmo tempo em que seu pai se levantava com violência.
-O quê você fez?! Como ousou? Ele é seu noivo e praticamente da família!
-Não mais, meu pai. – Valey mostrou as costas da mão direita, agora sem nenhuma aliança – Está vendo? Não tenho mais nenhum compromisso, rompi com o senhor Dower. – quando Valey disse isso, seu pai levantou a mão para lhe dar uma bofetada, mas se conteve. Valey permaneceu encarando-o séria e fria.
-Por que fez isso, Whaleuskha? – disse o Sr. Field com uma voz controlada.
-Exatamente pela mesma coisa que o senhor está fazendo agora: querendo me casar, contra minha vontade! E ainda mais: nem ao menos respeitando a memória de minha mãe! – nesse momento o Sr. Field explodiu.
-Estou fazendo isso justamente pela memória de sua mãe! Não vê que se ela estivesse viva, seria justamente isso que a faria feliz!
-Agora vejo que não! Só depois que ela partiu sei que ela não desejaria que eu me casasse contra a minha vontade. Vejo que ela era obrigada a fazer tudo o quê o senhor queria! Mas eu não! Eu farei aquilo que julgo melhor pra mim, não o quê o senhor julga ser!
-Veja como fala comigo, Valey! Você me deve obediência, deve fazer aquilo que eu mando sem questionar, pois eu sou seu pai! – gritou o Sr. Field.
-É mesmo? – disse Valey com sarcasmo – O senhor por acaso se comporta como pai?! A única coisa que fez sempre foi dar ordens, para mim e para minha mãe, nunca vi uma palavra de carinho ou atenção saindo de sua boca! O senhor não passa de um insensível e o pretendente que o senhor arranjou pra mim também! Por isso que eu nunca vou me casar com aquele babaca, que eu sei que não está nem se importando com a minha pessoa, só se importa pelo que vai receber após a cerimônia de casamento!
-Você vai se casar com o Dreik! Nem que eu tenha que arrasta-la até a igreja! Chega disso, está na hora de alguém estabelecer limites aqui! E esse alguém sou eu, seu pai!
-Está bem, pai. – disse ela enfatizando sarcasticamente a palavra pai e saindo do quarto a passos largos para o seu.
Chegando em seu quarto, Valey começou a chorar. Sempre fora assim, nunca demonstrava suas emoções, pelo menos quando não queria que certas pessoas as vissem. Chorava tanto pela morte de sua mãe quanto de raiva de seu pai, afinal ele não podia obrigá-la a fazer algo do qual não queria. De repente, seus pensamentos e sentimentos foram interrompidos por uma porta aberta por Margaret:
-Senhorita, eu ouvi os gritos. Discutiu com seu pai, não foi?
-Ele não é um pai, ele é um monstro! Não posso ser filha dele.
-Não diga isso senhorita! É claro que ele é seu pai, a senhorita só está nervosa pela morte de sua mãe, afinal todos nós estamos.
-Há quanto tempo trabalha aqui Margaret?
-Desde que sua mãe se casou com o senhor Field, fui contratada assim que ela se mudou para cá.
-Eu nasci com quanto tempo que eles tinham de casados?
-Acho que no mesmo ano que o Senhor Field casou com sua mãe, ela teve você.
-Você que me conhece desde pequena, sabe porquê ele sempre me tratou assim?
-Assim como senhorita? – Margaret estranhou a pergunta de Valey.
-Desse jeito extremamente frio.
-Senhorita, você conhece como são as coisas no nosso tempo, os homens preferem meninos ao invés de meninas.
-Eu entendo, pode me dar licença, eu já vou me recolher.
-Toda, senhorita. Com licença. – disse Margaret saindo do quarto.
Sozinha, Valey tirou do vestido uma gargantilha com uma cruz de prata. A qual pertenceu a sua mãe e esta lhe dera pouco antes de falecer. Era linda, preta e por dento havia uma espécie de fio preso ao pingente que se esticava e voltava. Ela olhou por um instante aquele acessório e o apertou na mão. Depois o colocou em volta do pescoço, tomando uma decisão que mudaria sua vida. Assim foi dormir pensando no que faria e como seria o dia seguinte.
