A mulher e o azar.

Eu detesto chá. Eu detesto chá, frio, a rainha e todo esse negócio de se ter uma nação inteira pagando pra uma família viver no maior conforto, luxo e ainda se achar os maiorais. No entanto, eu sempre gostei da Inglaterra. Quer dizer, pelo menos até agora, porque nesse exato momento eu estou considerando seriamente a idéia de não gostar mais desse país. Eu vim à Inglaterra nesse final de semana usando uma chave de portal ilegal feita por um amigo confiável. O propósito era: chegar, me hospedar num hotel qualquer trouxa não muito caro, usar um nome falso, enganar o gerente com uma série de feitiços ilusórios, não pagar pela minha estadia por conta do que eu fiz com o gerente, encontrar o meu contato e assim conseguir as unhas de hipogrifo, em seguida entrar numa reserva florestal, encontrar as folhas de planta da pena, roubar as tais folhas, voltar pra cidade grande, tomar uma grande xícara de café, voltar pro hotel, voltar pra casa. Sabe, não estava, eu repito, não estava nos meus planos encontrar um cara todo ensangüentado e meio morto em cima das minhas tão preciosas folhas mágicas! Assim como não estava nos meus planos que o gerente do meu hotel fosse um caçador de bruxas, você entende o que quero dizer, não? Um caçador de bruxa! Aquele que pode sentir uma bruxaria a quilômetros de distância e que só aqui na Inglaterra é considerado um tipinho perigoso. O que significa que eu não pude engana-lo com meus feitiços, já que aqui metade do Ministério apareceria atrás de mim antes mesmo que eu pudesse dizer: "Brincadeirinha!". Oras, eu também não esperava que o meu contato fosse se atrasar uma hora, repito, uma hora! Desculpe, meu caro senhor, eu disse pra ele puta da vida, eu pensei que podia contar com a tal pontualidade britânica!

Voltando ao assunto do momento, que diabos eu vou fazer com esse cara em cima da minha planta! Eu me sento num toco de árvore em frente ao corpo dele. Ainda estou tonta e tenho certeza que meus olhos estão levemente arregalados, pisco para faze-los voltar ao normal. Bom, estou na reserva florestal de Abgail, a mata ao redor de mim é mais ou menos densa, densa o suficiente para eu não notar alguém perigoso se aproximando (o que me faz ter um calafrio e aguçar mais ainda os sentidos) e não densa o suficiente para o sol ainda entrar e iluminar o espaço onde estou. Observo o homem a minha frente, ele é alto, dá pra perceber bem, embora ele esteja na horizontal agora, está todo vestido de preto e é muito pálido. Não consigo perceber muito mais, o rosto dele está voltado para o chão, e suas roupas são muito largas, mas a cabeça e as mãos e alguns outros detalhes dão a impressão de que ele é magro. Há sangue na sua nuca (mas se havia ferimento, está estancado) e pelas suas vestes; na perna e cintura as vestes estão rasgadas, o braço está num ângulo esquisito, provavelmente quebrado. A mão esquerda dele está negra, o que significa que ele é canhoto e acabou de ter um duelo de varinhas que esgotou sua magia, já sabia que ele era bruxo, pude sentir sua magia, mas esse detalhe da mão me explicou porque a senti tão fraca. Eu realmente espero que não tenha ninguém aqui nos observando, eu não quero nem imaginar que tipo de pessoa poderia estar nos observando. O fato de eu estar tentando e até agora não ter sentido ninguém além de mim e "o corpo" estranhamente não me tranqüiliza.

O que fazer? O que fazer! Primeiro: Izabel, não ouse entrar em pânico, sua idiota! Você não passou seis anos na melhor academia de aurores do Brasil pra entrar em pânico numa situação dessas! Segundo: comece imediatamente um encanto de des-identidade, é um encanto difícil e que leva tempo, mas vai impedir qualquer um que te viu aqui de te identificar, porque se alguém lhe viu ele vai ficar pra sempre com a fisionomia de outra pessoa (uma que sequer existe) e não a sua fisionomia na memória. Certo, eu faço isso, e enquanto eu entôo o feitiço (com uma voz tão monótona que acaba por acalmar a mim mesma!) eu penso no que fazer. Estou decidida, eu não posso nem vou deixar esse cara aqui, ele vai morrer se ficar e não quero esse peso na consciência... Mas como eu vou tirar-lo daqui? Eu não posso aparatar com ele na parte bruxa da cidade! Não posso atrair a atenção pra mim! Porra, eu vim ilegalmente à Inglaterra pra roubar ingredientes mágicos do governo inglês! Eu não posso me dar ao luxo de chamar atenção! Penso em aparatar com "o corpo" direto no meu quarto de hotel, só que aí eu me lembro da merda do gerente caçador de bruxas! Droga...

Ainda estou sentada no meu toco de árvore, aliás, estou na mesma posição pelos últimos quinze minutos, se tiver mesmo alguém mais aqui me olhando ele já deve estar quase tendo um surto ou coisa assim. Digo isso porque EU já estou quase tendo um surto aqui, e olha que só estou observando um cara não se mover, e não dois! Ok, encontrei a solução!

Antes de qualquer coisa saquei o meu celular do bolso (que eu comprei só pra usar durante essas minhas transações nesse país) e liguei pro meu taxista favorito.

- John? Oi, eu já te falei hoje o quanto eu te amo?

- Iiihh, a Senhorita quer alguma coisa, meu Deus, em que encrenca a Senhorita quer me meter dessa vez? – John falou rindo, mas quando eu falei em qual rua de Londres eu queria que ele me pegasse, ele quase que desligou na minha cara! Bom, eu não sou besta, usei o meu melhor tom de choro e falei:

- Você tem de me pegar, John. Ah, John, se você soubesse, se você soubesse o que me aconteceu! – falei, quase chorando, e como ele pareceu sinceramente preocupado, continuei – Eu sei que o lugar é meio perigoso, eu disse isso pro meu namorado. Não, eu não estou falando do Wilson, eu tô falando do meu novo namorado! Eu não voltaria com o Wilson nem que ele fosse o último homem da face da Terra. Acho melhor mesmo eu desistir dos homens mesmo, esse aqui também é um babaca.

Em pouco tempo eu estava narrando ao John como o meu "novo namorado" tinha me convencido a ir num restaurante brasileiro naquele bairro (em que eu supostamente estava) e como nós tínhamos sido assaltados por um negro (John era racista, um dos seus poucos defeitos) e como este mesmo negro, não contente em só levar nosso dinheiro, tinha espancado o meu "novo namorado". Meu taxista favorito tinha mesmo um ótimo coração, assim que terminei de contar a história ele assentiu em tom sério e disso que estaria no lugar em menos de trinta minutos. Ou seja, ele ia ultrapassar todos os sinais vermelhos, ignorar uns cinco limites de velocidade, quebrar no mínimo quarenta leis de trânsito, quase causar um acidente e chegar no local combinado em cerca de vinte minutos.

Maravilha. Levanto do meu toco e vou até o homem de preto. Uso um feitiço para deixa-lo mais ou menos na posição vertical e outro para tirar-lhe boa parte do peso, logo em seguida coloco um braço por debaixo da axila dele. Dá a impressão de que eu o estou carregando, mais nunca que eu teria forças de carregar um homem desse tamanho! Enfim, aparato num beco, um mendigo nos viu, mas eu soltei logo um Obliviate nele. Quando saio do tal beco, as pessoas olham pra mim assustadas, eu faço mais cara de choro e peço "Ajuda pelo amor de Deus!". Algumas me ajudam, outras passam direto, quando John chega já tem um grupinho em volta de mim e já não sou eu quem carrega o meu "namorado". Colocam o cara dentro do táxi e eu me sento do lado dele. Hospital, eu digo, e é claro que John ruma o carro para um hospital trouxa, afinal, John é trouxa! Menos mau. Não dá pra usar feitiço nenhum pra enganar os funcionários de um hospital bruxo. Durante a viagem John xinga meio mundo de gente, o governo, os negros, a polícia, os negros... Eu não escuto nem metade do seu discurso, eu vou deixar o meu "namorado" no hospital e me mando pro meu país. De repente, alguns pensamentos nada promissores passam pela minha cabeça. Eu posso muito bem estar ocupada até a raiz dos cabelos com os problemas do Brasil, mas isso não me impede de conhecer os problemas do mundo: nesse exato momento, praticamente toda a Europa Ocidental está mergulhada numa guerra civil negada por todos os governos, e a sede principal do conflito é aonde? Aqui. A Grã-Bretanha...

Eu estou do lado esquerdo do Sr. Black (como ele está vestido todo de preto, decido chamá-lo assim), então discretamente eu puxo a manga do braço esquerdo dele. Não poderia ser pior, porque eu vejo bem nítida a tão famosa marca negra, a marca dos chamados Comensais da Morte, seguidores de Voldmorte, o Lord das Trevas. Merda, merda, merda! Eu não tinha pensando na possibilidade dele ser um Comensal antes, eu nem me lembrei que existia isso na hora! Mil vezes merda! Eu estou do lado do seguidor de um psicopata assassino e não posso nem entrega-los aos aurores! Se eu fizer isso, eu sou presa também! E acabo com o resto da imagem do meu país no exterior! E eu ainda estou com as folhas de planta da pena no meu bolso! É claro que eu peguei as folhas que eu queria, estou com uma crise de consciência por ter um homem morrendo nas minhas mãos e ainda lembrar de pegar as malditas folhas! Izabel, essa não é hora de ficar gelada. Eu devia ter escutado a minha mãe, os meus colegas de trabalho, sei lá, qualquer uma das mil pessoas que me disseram pra não me arriscar tanto! Droga! Até meu sobrinho de três anos de idade pediu para eu ter cuidado! Izabel, você está com taque cardíaca de tão nervosa, fique calma ou você não vai conseguir arranjar uma solução. Por que eu não deixei ele aonde eu o encontrei!

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- Escute aqui seu inglesinho de merda! – o velho conseguira me tirar do sério – Se você tentar mais uma vez usar Legislimência em mim eu juro que te dou um chute tão forte no meio das pernas que você vai sair falando fino daqui até a China! Tá me ouvindo, vovô, ou você além de caduco é surdo também!

Definitivamente, os últimos dois meses foram os piores meses da minha vida. Eu não preciso desse velho gagá pensando que pode entrar na minha mente tão fácil! Quem ele pensa que é!

Ah, esses tipinhos estão virando rotina na minha vida mesmo... Desde que eu vim para a Inglaterra, há dois meses atrás, eu me meti na pior enrascada da minha vida, daí então só aparece maluco na minha porta.

Veja bem, eu encontrei esse cara... todo de preto quase morto... e como eu sou uma santa, resolvi ajudar... Ou pelos levar o cara até um hospital pra ele não morrer com aquele narigão (literalmente) enterrado na lama de uma floresta qualquer. O problema é que eu sou brasileira. Aí alguém pergunta, o que isso tem a ver? TUDO! Não sou eu quem está mergulhado numa guerra civil! Não tem guerra no meu país! Como que eu poderia estar naquele estado de tensão permanente que faz todo bruxo daqui da Inglaterra desconfiar de todo mundo? Então eu fui inocente, e quando me dei conta, estava com alguém de um passado (e presente) mais sujo que pau de galinheiro nas mãos e sem poder entrega-lo às autoridades. Lembro que tentei permanecer calma e pensar racionalmente em como me livrar daquele problema.

Primeiro, eu levei o cara a um hospital...trouxa. Onde eu dei informações falsas sobre eu e ele. Disse que ele se chamava Andrew T. Black. Andrew quer dizer masculino, ou homem, Black quer dizer preto. Ou seja, homem preto...ou homem de preto; é tudo igual! Veja, eu não menti exatamente, só não contei a verdade completa... Continuando, logo depois que engessaram as duas pernas e o braço direito do cara, eu voltei a pensar no que fazer. "Andrew" ficou deitado num daqueles leitos chatos de hospital, com as duas pernas suspensas apontando para cima, já que ele não podia encostar as pernas em nada ainda. E (lembro como se fosse ontem) ele estava usando aquela cueca abominável azul marinho de bolinhas brancas. Sim, dava pra ver a cueca. Fiquei uma meia hora sentada numa cadeirinha qualquer ao lado dele, até que veio a idéia de deixar ele lá, e fazer uma denúncia anônima para o Ministério. Pronto era isso! Na hora até bati na própria cabeça por não ter pensado nisso antes. Chamei a enfermeira e depois de uns feitiços pequenos consegui "convence-la" a colocar um pouco mais de "calmante" (aquele remédio parecia mais uma poção do morto vivo) no soro do meu "namorado". Nem precisava, ele já estava nocauteado para até o próximo mês, mas eu fiz questão. Uma coisa importante sobre mim é que eu fui uma completa desleixada que vivia no mundo da lua até os 17 anos, e daí por diante, uma completa paranóica. Alguns amigos dizem que é falta de namorado, outros dizem que é falta do que fazer. Têm até gente que diz ser uma forma de chamar a atenção da família, mas eu acredito mesmo é no que diz a minha mãe, que tudo é trauma da morte da minha cadelinha Poodle chamada Margot. Ela morreu por minha causa, eu a atropelei com meu carro e nem notei, só fui saber quando voltei pra casa, 3 horas, 47 minutos e 53 segundos depois. Como eu sei? Minha mãe REALMENTE cronometrou.

Bom, voltando ao caso "Andrew T. Black". Eu saí muito tranqüila do quarto onde ele estava. Mas minha felicidade durou pouco. Sendo eu a prevenida que sou, fui avisar a recepção, perguntar se todos os papeis estavam em ordem e tudo mais, estava disposta até a lançar mais alguns feitiços pra deixar tudo as mil maravilhas, se fosse necessário. Eu ia voltar ao hotel, pegar minhas coisas, montar uma "base" em outro hotel que não tivesse um caçador de bruxas como gerente, mandar uma coruja pro Brasil no meu lugar pela chave de portal explicando o porquê de eu me ausentar alguns dias do trabalho, arquitetar um plano arriscado e complexo para que nenhum auror do Ministério pudesse extrair a minha fisionomia da memória dos trouxas daquele hospital onde ficara o Comensal da Morte, fazer a denúncia, e com as graças de Merlin, ir embora da Inglaterra pra nunca mais voltar. Só de pensar nisso eu já estava ficando tensa de novo, eu tinha um grande, enorme trabalho pela frente, para não falar dos riscos... Mas Merlin não quis que nada disso acontecesse, aquele velho babão, porque quando eu estava terminando de falar com a recepcionista, eu vi aquele bruxo passar por mim. É um fato, bruxos puros sangues não sabem se vestir como trouxas, e são localizados por bruxos não puros sangues (e trouxas que sabem da existência de bruxos) antes mesmo que eles consigam dizer "Quadribol!". Era o meu caso. O homem tinha uma aparência sinistra demais para estar usando um sarongue branco e uma camisa social laranja, mas eu não prestei muita atenção. Quer dizer, até ele segurar levemente o antebraço esquerdo, soltando logo em seguida. Eu devia já estar entrando no clima de conspiração e guerra, porque gelei na hora.

- Senhorita Goldy ? Abgail Goldy, você está passando bem?

- Ah, meu Deus, nós tínhamos um jantar na casa dos pais dele hoje à noite! Ele ia me apresentar aos pais dele!

- Fique calma senhorita. Tenha certeza que eles vão entender e...

- Entender! A minha sogra vai dizer que eu matei o filho dela! Ah, meu Deus!

- Catty traz um copo dágua!

Caralho, eu sei mentir! E como eu sei mentir! Ainda bem, pois foi o que me tirou de uma situação inexplicável naquela hora. O que eu poderia dizer? Estou passando mal porque aquele cara segurou o antebraço esquerdo e isso quer dizer que ele é um lunático assassino em potencial?

Depois que eu aliviei um pouco da tensão gritando com as duas recepcionistas, eu inventei mais uma mentira e disse, logo depois de vasculhar a minha bolsa, que tinha esquecido o celular na mesa de cabeceira do meu "namorado" e precisava voltar ao quarto dele. Pronto. Como eu tinha gritado com aquelas recepcionistas, as duas mulheres nem tentaram me seguir, ou muito mais provavelmente, estavam era rezando para que o elevador quebrasse, caísse, e eu, estando dentro dele, morresse. Mas por falar em elevador, outra coisa sobre bruxos puros sangues é que eles não sabem usar um elevador, amém. Então tive essa vantagem sobre o bruxo do sarongue, ele subiu três andares de escada e eu não. Cheguei no andar certo antes que ele, e me pus no quarto em frente, por sorte estava vazio, fechei a porta e fiquei espiando pela fechadura. Tive certeza de que tinha acertado no meu palpite quando vi o mesmo bruxo de sarongue passar pelo corredor e entrar no quarto de "Andrew"! Quando vi o que ia acontecer, num segundo me levantei, com a varinha em punho, abri a porta de supetão e gritei do corredor mesmo.

STUPEFY!

- Avada...

O desgraçado tinha mesmo começado a lançar um Avada Kedavra. Só que eu tinha sido mais rápida, e agora havia mais um corpo pra tomar de conta. Decidi chamar esse novo corpo (não, o cara não estava morto, mas no estado em que estava eu achei que sim) de Sr. Orange. Afinal, se o primeiro era Sr. Black por estar todo de preto, porque esse aqui não poderia ser Sr. Orange por estar com uma saia laranja! Nesse estado de espírito eu caminhei até a cama onde estava o Sr. Black, coloquei as mãos na cabeça, quase arrancando os cabelos, dei meia volta e fui até o corredor... dei meia volta e voltei até a cama, dei meia volta e fui até o corredor, dei meia volta e voltei até a cama, dei meia volta e... Enfim, eu teria continuado nesse ciclo vicioso se o barulho que eu tinha causado não tivesse atraído a atenção de um médico e algumas enfermeiras. Aí não teve mentira que agüentasse, joguei uns quatro Obliviate e logo estava sozinha naquele quarto com a porta devidamente trancada. Sentei na cadeirinha, ela parecia ter ficado o tempo todo só esperando eu voltar. Sentei, e mais uma vez tentei me acalmar e pensar no que fazer. Dessa vez não demorei nem 10 minutos para chegar a conclusão de que já sabiam onde "Andrew" estava e que eu não poderia ficar ali por muito tempo. Pensei mesmo em deixar os dois lá, assim os Comensais chegavam e se livravam dos dois homens ali pra mim. Ah, eu queria muito ter feito isso, mas enquanto meu lado racional gritava para que isso acontecesse, o meu lado sentimental dizia que se o Sr. Orange tinha tentado matar o Sr. Black, então todos os outros caras maus também queriam a cabeça dele, e eu era (ainda sou) muito boazinha pra deixar o cara morrer assim. Ele merecia no mínimo um julgamento! Ou talvez não. Diabos, dava pra ver a abominável cueca daquele ângulo em que eu estava, alguém que usava aquilo merecia um julgamento!

Respirei fundo. Minha situação na Inglaterra ainda era ilegal, e eu ainda tinha objetos roubados no meu bolso, então eu não podia sair correndo e pedir ajuda aos aurores ingleses. Os contatos que eu tinha por aqui também não me ajudariam numa situação tão crítica, em geral eles eram gente que lidava com contrabando e faziam tudo por uma grana, um ou outro me devia algum favor, nenhum era realmente confiável. Bom, "Andrew" ou "Sr. Black" estava sendo caçado pelos seus, talvez ele concordasse em se entregar à polícia...Soltei um risinho nervoso diante da minha própria inocência e afastei logo essa possibilidade da minha cabeça. O fato de eu precisar urgentemente sair dali quis me fazer entrar em pânico, mas eu logo raciocinei que tinha alguns minutos antes que eles descobrissem que eu tinha atrapalhado os planos deles. Certo, estava decidido, eu iria deixar o Sr. Orange ali e levar o outro bruxo para outro lugar. Tentei arranjar alguma maneira de fazer com que o Sr. Orange também fosse pego pela polícia e pensei ter achado um modo. De alguma maneira bem estranha o Sr. Orange se tornou "Andrew T. Black", o "namorado" de Abigail Goldy, e ficou no lugar do Sr. Black, este por sua vez se tornou Theodore T. Cadi, que havia acabado de receber alta do hospital, e que seria levado para casa por mim, Clarissa T. Cadi, sua irmã. Bom, o novo "namorado" de Abigail Goldy também, de repente, ganhou uma enorme ferida no rosto e ia precisar de uma cirurgia plástica urgente. Esse seria o modo pelo qual o Sr. Orange não seria reconhecido pelos outros Comensais da Morte que fossem investigar o seu desaparecimento, cirurgia plástica! Não poderia ter inventado algo melhor, o cara era horrível!

Após colocar uma máscara de indiferença no meu rosto (pra disfarçar meu estado emocional), fui à caça. Para o meu plano funcionar eu precisava de uma cadeira de rodas, maquiagem, alguns feitiços Bodychangers para pequenas modificações no corpo (e que eu faria na hora), e roupas para eu (Clarissa) e meu irmão (o agora Theodore). Também precisava encontrar o médico de "Andrew" e "informa-lo" de que necessitava fazer a cirurgia plástica pra ontem! Eu fiz primeiro a parte do médico, também "avisei" as recepcionistas do caso, para elas fazerem as devidas alterações em documentos e tal. As roupas eu consegui logo depois, entrei sorrateiramente num banheiro para funcionários e arrombei o armário de um deles. A última parte foi mais difícil, rodei aquele hospital todinho pra achar uma cadeira de rodas, e no final tive de roubar a cadeira de um velhinho dando sopa perto do elevador. Pronto. Troquei os dois Comensais de lugar, e lá estava eu carregando "Theodore", quando percebi o quão exausta estava, e o quanto o tempo tinha passado. Estava até ficando escuro! Bom, eu já tinha passado por tudo aquilo, agora é que eu não ia parar. Peguei um táxi na primeira esquina e fui até o meu hotel. Deveria ter imaginado que as coisas não iriam ficar muito melhores. Sabe como é, desgraça boa nunca vem sozinha! Meia hora depois de sair do hospital o táxi parou em frente do hotel, e eu entrei na maior, não é? Depois de uma tarde inteira fazendo magia, eu entrava sem maiores complicações no meu hotel...direto pras vistas dos meu gerente caçador de bruxas! Gelei. Todo mundo sabe como um caçador de bruxas fica quando sente um cheirinho de magia sequer, e lá estava eu, cheirando COMPLETAMENTE à magia! Se havia alguém que podia cheirar mais a magia naquele momento em todo o planeta, esse alguém era eu! Não, o gerente não me mordeu nem tentou me matar, pelo menos não explicitamente, o que ele fez foi o maior escarcéu do mundo quando eu disse que ia deixar o hotel. Inventou todas as desculpas pra me atrasar, vasculhou todos os meus pertences, e todos os meus documentos. Os outros funcionários ficaram horrorizados, me deram mil e uma desculpas pelo comportamento do chefe e tal, disseram que ele não costumava ser assim e devia ser o estresse. Eu, por outro lado, estava morrendo de medo que ele descobrisse algo que pudesse me impedir de ir, algo como qualquer um de TODOS os meus documentos falsos. Mas eu nunca dei ponto sem nó, e ele não conseguiu descobrir nada pra me impedir de dar no pé!

Do lado de fora, por um instante, eu ainda pensei em voltar e pedir abrigo ao caçador de bruxas, porque o taxista me olhou com uma daquelas caras que mesmo de longe te faz querer correr até os quinto dos infernos só para não ter de encarar. Mas eu tinha de encarar, e encarei com uma promessa de um bônus mais tarde pelo tempo que passou esperando, aí o taxista sossegou. A primeira demonstração de sorte do dia: no primeiro hotel que eu procurei havia vagado! E ainda me ajudaram a colocar meu irmão "Theodore" no quarto, e o quarto tinha duas camas e não uma só! CAMA! DORMIR! Deitei e estava muito mais que pronta para dormir o meu merecido sono de beleza...quando ouvi um gemido próximo de mim. Levantei de um salto e passei a observar meu "irmão" na cama ao lado... Ele abriu os olhos. Eu soltei um Stupefy.