E N T R E O C É U E A T E R R A


AUTORA: Késsia Nina

EMAIL: shipperx@gmx.net

FEEDBACK: gente, como eu falo e repito sempre, é o único
salário dos
escritores de fanfics! Essa fic foi escrita com muito suor e
dedicação. Mesmo que você tenha achado super chata e que nem
tenha
terminado, me fale, ok?

LINHA DO TEMPO (timeline): Depois de Requiem, mas antes dos
acontecimentos da oitava temporada. Lembrem-se, eu comecei a
escrever
esta história antes de saber de qualquer spoiler da oitava
temporada,
portanto, alguns acontecimentos são pura coincidência e
outros não tem
nada a ver com o rumo que a série está tomando agora.

CATEGORIA: MSR, angústia (angst), daughter fic (ela não é
baby, pô!)

CLASSIFICAÇÃO: Acho que é uma fic normal... Dá pra todo mundo
ler...

AGRADECIMENTOS: Credo, eu nem sei quantas pessoas leram essa
fic antes
da postagem dela! Hehehehe Primeiro, agradeço à betagem
inicial da Clá
(que anda super sumida), depois à Cláudia que deu uns toques
legais
também, à grande Alexandra Morgilli, uma das causadoras da
demora na
postagem desta estória porque ela demorou séculos pra betar!
Hehehehehee E por fim, à maravilhosa Sky, que deu seu toque
final e
maravilhoso! Meninas, muito obrigada pela opinião de vocês!
Com
certeza vocês foram responsáveis por eu estar postando esta
fic!

NOTAS: As minhas fics estão todas no meu site:
http://www.shipperx.hpg.com.br

Não mencionei sobre as DSTs (Doenças Sexualmente
Transmissíveis)
porque ficaria muito esquisito mencionar isso na fic, mas
mesmo assim,
lembrem-se que a camisinha previne também essas doenças,
hein? :)

Outra coisa, por favor, prestem atenção aos anos das partes
da
estória. Eu sei que é difícil (eu raramente leio datas), mas
VOCÊS TÊM
QUE LER para entender a estória! :) Se não ler, não vão
entender nada!

Baseei alguns dos fatos aqui ocorridos com o filme Alta
Freqüência,
que para mim foi um dos melhores filmes do ano!

Esta fic começou a ser escrita em Setembro/2000 e finalmente
foi
terminada em Abril/2001.

Dedico esta fic para a minha amiga Cris Scully, cuja notícia
de
falecimento, me fez refletir bastante sobre a vida. Cris,
espero que
onde você estiver, saiba que há amigos que sempre lembrarão
de você.






ENTRE O CÉU E A TERRA





PRÓLOGO


Washington D.C.
09 de agosto de 2017

As ruas da cidade não pareciam mais as mesmas. As lojas eram
diferentes, as pessoas eram diferentes. Agora, mais do que
nunca, elas
pareciam querer alcançar algo inatingível. Estavam sempre
correndo,
aflitas, nervosas e à espreita de algo maior.

Scully caminhava vagarosamente pela calçada. Era como se não
possuísse
controle do seu corpo, que simplesmente continuava
funcionando. Sentia
vontade de ir à praia vez em quando, mas não se permitia sair
dali.
Toda a sua vida estava traçada para aquela cidade e ela não
poderia
dar-se ao luxo de ir embora. Ainda restavam problemas não
solucionados, porém a esperança que a ex-agente do FBI
possuía era
maior.

Suas roupas casuais contrastavam com seu olhar sério e
perdido no
tempo. Seus cabelos estavam um pouco mais compridos do que o
costume e
ela gostava de sentir o vento balançando-os e levando-os para
onde ele
quisesse. Quisera ela pudesse ser apenas uma folha de árvore
ou ainda
um pássaro para poder viajar e fugir quando o perigo ou a
profunda
tristeza lhe assombrasse.

Logo à frente, estava o horizonte. Aquele que denotava futuro
e
esperança. Enquanto houvesse horizonte, ela estaria
caminhando. E
enquanto houvesse estrada, ela teria esperança.

Esperança de encontrar o que de mais precioso lhe fora
arrancado.
Aquele que ela tanto desejara. Que tanto lhe trouxera
felicidade desde
o primeiro segundo em que colocou os olhos nele. Aquele ser
que a amou
incondicionalmente, fazendo-a perceber que tudo na vida tinha
solução
e que ela poderia ainda ser feliz.

Mas a natureza equilibra as coisas. Sempre após um dia com
raios
solares, claridade e beleza, havia uma noite. Um poço de
tristeza que
tomava conta do universo. Não poderia ser diferente com os
seres
humanos. Sempre após um período de extrema felicidade, a
tristeza se
alojava logo em seguida. Nada era absoluto. E nem poderia
ser.

Já começava a anoitecer e os raios de sol começavam a se
dissipar no
céu, formando um grande risco arroxeado na imensidão azul. A
brisa
fresca daquele final de tarde a trouxe de volta de seus
devaneios. Deu
meia-volta para dirigir-se à sua casa e deparou com uma
garota que
caminhava em sua direção.

Cruzaram-se finalmente na calçada e Scully pôde perceber que
ela não
era uma moça qualquer. Praticamente uma mendiga, suas roupas
eram
maltrapilhas e seus cabelos e rosto sujos, ainda assim ,
Scully viu
beleza nela.

Os olhares de ambas imediatamente se encontraram e, como se
já se
conhecessem, sorriram uma para a outra. Um sorriso que
iluminou o
rosto da menina. Um sorriso sincero. Um sorriso de amigos que
não se
vêem há muito tempo. Um sorriso familiar. Extremamente
familiar.

Tentou adivinhar sua idade, mas era difícil, dadas as suas
condições.
Mesmo assim, não tinha mais que vinte anos, apesar de Scully
apostar
em menos idade ainda. Seus olhos eram arredondados, grandes e
azuis.
Tão azuis que poderiam ser confundidos com o oceano e que
chamaram
tanto a sua atenção. E seus cabelos eram compridos e ruivos.

Ruivos.

Scully sorriu tristemente ao lembrar-se mais uma vez do
passado e por
alguma razão desconhecida, de significado não aparente,
sentiu uma
estranha necessidade de conhecer melhor aquela moça tão
bonita que
aparentemente não tinha para onde ir. Virou-se para vê-la,
mas era
tarde demais. Ela não se encontrava tão perto. Estava
distante,
caminhando em direção ao horizonte que minutos antes
preenchia os
pensamentos de Scully.




Washington D.C.
09 de agosto de 2017

Minha vida se resume a caminhar. Caminhar até onde meus pés
puderem me
levar. Até onde eles alcançarem. Eu sei que quando quiserem
parar,
eles o farão, com ou sem o meu consentimento.

Disseram-me que eu somente sobreviveria se encontrasse a
minha
salvação e que ela estaria aqui. Não sei quem disse tais
palavras, mas
elas estão guardadas em minha memória, assim como a outra
única coisa
que sei de mim mesma, meu nome.

Não sei o que aconteceu comigo durante tantos anos. Só
lembro-me de
ter acordado no hospital da cidade, sem documentos, sem
memória e com
vários ferimentos no corpo. Inclusive um estranho objeto
metálico em
minha nuca, que não impressionou aos médicos, mas
impressionou a mim.

As enfermeiras, muito cuidadosas, me vestiram e me
alimentaram, mas
não pude ficar. Perderia tempo demais ali. Precisava saber
quem eu
era, de onde vinha e para onde ia.

Fugi do hospital dois dias depois.

Há apenas alguns dias comecei minha caminhada e acreditava já
ter
andado toda a cidade e observado todos os rostos aqui
presentes.
Começava a desacreditar no que minha memória insistia em me
fazer
lembrar. Nenhum deles pareceu chamar minha atenção ou pareceu
familiar. Até que hoje eu a vi.

Aquela mulher é a pessoa que tanto procuro. Tenho certeza.
Olhei
profundamente nos seus olhos enquanto nos cruzávamos na rua e
percebi
que ali está a minha salvação. É a ela que eu pertenço. E é a
ela que
devo recorrer. Sorri para ela, que retribuiu tal sorriso com
outro.
Talvez tenha me reconhecido.

Mas de onde? Como eu poderia conhecê-la? Não me lembro de seu
rosto,
mas é como se ele estivesse presente em meu ser. Seu sorriso
foi
familiar apesar do rápido contato. Seus cabelos são
vermelhos, como os
meus.

Vermelhos.

E seus olhos azuis. Tão azuis que eu me lembrei,
imediatamente, da
foto que vi numa loja de um grande oceano. Tentei encontrar
uma
possível idade para ela, mas não foi possível. Ela parecia
jovem,
apesar de alguns cabelos brancos que provavelmente saíram
ilesos de um
processo de pintura. Mas seu rosto demonstrava que aquela
mulher já
havia visto muitas coisas.

Nossos passos não se alongaram, mas também não diminuíram.
Eu, por
nervosismo. Ela talvez por receio ou até por não ligar para
mais uma
pessoa maltrapilha andando sem rumo nas ruas da capital do
país. O que
eu poderia falar? Mesmo com todas as dificuldades que estou
passando,
sou uma pessoa tímida que não conhece e não se lembra da vida
neste
mundo.

Ainda tenho esperanças de encontrar novamente a minha
salvação. Tenho
certeza que é ela. Eu a vi caminhando. Eu a vi caminhando em
direção à
minha esperança.






PARTE I – O COMEÇO


Apartamento de Scully
Washington D.C.
2001

O cheiro de bebê impregnara seu apartamento e nunca mais fôra
embora.
Adorava aquela fragrância. Fazia com que ela agradecesse
ainda mais a
Deus por ter lhe permitido realizar o que mais desejava em
sua vida,
ter uma filha.

Lauren era o seu nome e acabara de fazer um ano e meio. Era
uma garota
linda com grandes olhos arredondados e azuis e cabelos
ruivos. Era
alegre e falante, se os sons que ela fazia poderiam ser
chamados de
fala. Nos próximos meses deixaria de ficar com a avó coruja
Margaret
para começar a se socializar com crianças de sua idade.
Apesar de
reticente, Scully achou melhor fazer isso pela filha, uma vez
que
tinha consciência de que de nada adiantaria prendê-la sob
seus
cuidados. Cedo ou tarde ela haveria de viver sua vida.

Acordara repentinamente ao ouvir o choro da filha. Ainda
bastante
sonolenta, jogou seu braço em direção ao lado que o marido
dormia e
percebeu que ele não estava na cama. Correu em direção ao
outro quarto
e viu que a pequena Lauren se encontrava nos braços do pai e
que
chorava apenas por causas das bobas, mas engraçadas
brincadeiras dele.

A felicidade finalmente batera à sua porta. Após tantos anos,
ela
agora tinha uma família. Pessoas que amava dependiam dela,
das quais
ela também dependia. Sentia-se segura e amada no seu ambiente
familiar.

Seus olhos, entretanto, sempre enchiam-se de lágrimas ao
lembrar do
tempo em que estava desamparada. Grávida e incompleta sem
Mulder, ela
seguia sua vida parcialmente vazia. Fazia o que podia para
esquecer um
pouco da dor causada pela abdução de Mulder.

Seus dias pareciam intermináveis sem ele. Todos os segundos
da sua
vida não passavam sem que ela se lembrasse do homem que
amava, fazendo
com que ele estivesse sempre ali, mesmo em pensamento.
Designaram para
ela um novo parceiro, que não era de todo ruim, mas não era
Mulder.
Ela precisava de suas perguntas e teorias malucas para
continuar
seguindo com seu trabalho. Não conseguia ser o tempo todo a
que
acreditava, precisava voltar a ser o lado cético da parceria.

Sua barriga então começou a despontar. A criança dentro de si
crescia
a cada dia e não havia mais como esconder a verdade.

Os anteriormente intermináveis dias acabaram quando sua filha
nasceu e
a vida começou a ter sentido novamente. Scully não poderia
imaginar
que uma criança pudesse ser tão linda e tão amada.

Chorou muito, sozinha e também na companhia do Diretor
Assistente
Skinner, que passou a ser um grande e leal amigo. Lembrava-se
de nunca
tê-lo visto tão abalado com alguma coisa como no dia que este
lhe
contara da abdução de Mulder.

Apesar de todas as desconfianças a respeito do seu chefe
durante
tantos anos, Scully agora confiava nele mais do que nunca.
Precisava
confiar. Ele a ajudara muito com sua filha, principalmente
porque
sabia dos riscos que a menina corria. Scully nunca deixou de
imaginar
que talvez os homens, que um dia a deixaram estéril, pudessem
voltar.
Por isso, todas as noites rezava para que eles a esquecessem
e
principalmente, deixassem sua filha em paz.

Então, um dia, assim como aconteceu com ela mesma há sete
anos, Mulder
apareceu misteriosamente em um hospital da cidade. Ninguém
sabia quem
havia deixado seu parceiro ali. Ela simplesmente recebeu uma
ligação
às quatro da manhã avisando que ele havia aparecido.

Pegou seu bebê e todas as bolsas da pequena Lauren e correu
para a
casa da mãe. Entregou a menina a ela e foi para o hospital. A
ansiedade era tamanha que ela não conseguia parar de sorrir.
Finalmente não estaria mais sozinha.

Seu sorriso, entretanto, duraria somente o tempo necessário
para
percorrer o caminho até o hospital. Mulder estava
praticamente
irreconhecível. Seu rosto estava roxo e inchado, seus cabelos
compridos e sua barba por fazer. Scully não se conteve e
chorou ao vê-
lo em tal estado.

Os médicos nada mais poderiam fazer. Tudo dependia do próprio
Mulder... de sua vontade de viver. Scully lembrou-se da
própria
abdução, quando também tudo dependera dela. Tudo que poderia
fazer
agora era simplesmente ficar com Mulder o maior tempo
possível.

Foi o que fez, intercalando momentos no hospital e em
companhia da
filha, até que uma semana depois, ele acordou e suas
primeiras
palavras foram: 'Onde está Lauren?'.

Após alguns minutos de total surpresa e choque, Mulder lhe
dissera que
não sabia como, somente que sabia da existência da filha e
que
precisava vê-la.

Três dias depois, Scully o levou para sua casa. Seu antigo
apartamento
ainda estava no nome dele, mas ela preferiu que ficassem
juntos.

O percurso foi silencioso. Nenhum dos dois falava coisa
alguma. Scully
por felicidade. Não havia palavras suficientes para expressar
o que
sentia. Mulder por receio. Algo estaria para acontecer.
Talvez não
agora, mas num futuro não muito distante.

Tudo parecia diferente para o homem sentado ao lado de
Scully. Até as
ruas da cidade não mais pareciam ser as mesmas. Era como se
ele
houvesse visto demais. Visto além do que os homens na Terra
haviam
visto. Visto além do que seus olhos poderiam enxergar.

De longe, avistou a casa de Margaret e viu a pequena
garotinha
brincando sozinha no jardim da frente. Seus olhos encheram-se
de
lágrimas e ele sorriu. Um sorriso triste, porém sincero.

Lauren brincava com suas naves espaciais. Não havia sido
possível
retirar da cabeça da criança a idéia daquilo. Ela viu os
brinquedos e
simplesmente não deixou a mãe em paz enquanto não os obteve.
Scully
viu, naquele momento, que nunca precisaria de nenhum exame de
DNA para
certificar-se de que Lauren era filha de Mulder. Até o modo
como ela
era teimosa era idêntico ao do pai.

Scully estacionou o carro com cuidado para não assustar a
filha e
sorriu quando esta se levantou e correu em sua direção.

- Lauren, já não falei para não correr em direção ao carro?_
Gritou,
esperando que a filha entendesse o significado de suas
palavras.

A menina parou com os olhos arregalados ao ouvir a voz da
mãe. Ainda
não tinha idade suficiente para entender todas as palavras de
Scully
mas distinguia seu tom de voz.

Um sorriso formou-se no rosto de Mulder ao perceber a
obediência à
mãe. Scully certamente era perfeita naquele papel e ele
sentiu falta
de não ter estado ali para ver sua barriga e seu mau humor
crescerem.
Não pôde deixar de sorrir ao imaginar as possíveis
reclamações dela
durante a gravidez.

Ao avistar o estranho homem no carro, Lauren parou por alguns
instantes. Olhou no fundo dos olhos dele com o rosto sério.
Mulder
fazia o mesmo. Era um momento de reconhecimento. Scully
olhava para os
dois e via como eram parecidos.

Lauren movera-se caminhando em direção a Mulder
vagarosamente, ainda
com um olhar muito sério. Sério até demais para uma criança,
pensou
Scully.

Repentinamente, ela correu em direção a Mulder com os braços
abertos,
falando ou tentando falar o que parecia ser:

- Papai.

Com as mãos no rosto e lágrimas embaçando sua visão ao
observar uma
cena tão linda, Scully teve seus pensamentos interrompidos
quando fora
notada no quarto da filha. Mulder sorriu para ela que
imediatamente
entendeu a necessidade de aqueles dois estarem juntos. Virou-
se e
voltou para cama.




Apartamento de Scully
Washington D.C.
31 de dezembro de 2001


O silêncio tomara conta da cidade repentinamente. Não havia
ruído
algum. Era como se o criador e mantenedor de todas as coisas
houvesse
simplesmente retirado o som de tudo ou mesmo deixado todos os
seres da
Terra surdos.

O céu estava vermelho e as nuvens cor de sangue circulavam
rapidamente, trazendo uma escuridão horrenda à Terra.
Pedestres
corriam para abrigos, mas não conseguiam chegar antes da
destruição.
Raios e bolas de fogo começaram a cair do céu em velocidades
inimagináveis, queimando tudo e todos que estavam ali
embaixo.

Grandes naves redondas e achatadas encobriram a cidade,
fazendo com
que a escuridão tomasse conta de todo o local. Todos
esperavam há
tempos por aquela situação, no entanto sabiam agora que não
estavam
preparados como acreditavam. Nada poderia prever tamanho
terror.

Mães e pais correndo com filhos nos braços. Namorados
correndo
abraçados. Crianças abandonadas chorando em algum canto
escuro. Homens
ajoelhados pedindo perdão.

Era tarde demais.

A destruição havia começado. Não havia mais o que fazer ou
para onde
correr. O destino estava ali e o futuro que todos imaginavam
estar
longe, chegara. O futuro era hoje e talvez não mais houvesse
futuro
para hoje. Tudo provavelmente acabaria ali mesmo. Nada mais
existiria
e caberia a Deus criar tudo novamente. Tudo dependeria da
existência
de um ser que poderia salvar a humanidade. Um ser que até
então não
era conhecido por ninguém, a não ser por aqueles que
iniciariam a
colonização.

Uma pequena menina, com cabelos tão vermelhos quanto a cor do
céu
naquele instante, levitava com braços abertos e rosto caído
ao peito.
Seus cabelos voavam para todas as direções, enquanto ela era
levada
através de uma luz para aquela enorme nave que pairava no
céu. Ela era
a salvação. Uma vida sacrificada em nome de sete bilhões. Uma
pequena
vida de apenas poucos anos de vida era a responsável pela
sobrevivência de todas as raças da Terra.

Scully, de longe, via a pequena menina, que talvez tivesse
dois anos
de idade, subir, levada pela luz com seus pequenos braços
abertos e
ainda com camisola de dormir. Tentou imaginar a dor que a mãe
da
menina deveria estar sentindo e seu coração se apertou. Não,
não
poderia ter idéia daquela dor. Era triste e devastador demais
somente
de imaginar.

A menina finalmente pareceu atentar para o que lhe estava
acontecendo
e abriu os olhos. O choque da constatação foi tão violento
que Scully
mal conseguia se conter, diante de tamanha dor. Cerrou suas
pálpebras
enquanto lágrimas escorriam pesadamente sobre seu rosto.

Era Lauren.

Scully tentou correr em direção à menina, mas foi impedida.

- Scully!!!

Ela sentiu mãos fortes segurando seus braços e gritando seu
nome. Quem
poderia ser? Como poderiam ainda querer que ela parasse e não
seguisse
em frente para salvar sua própria filha?

Por fim, ela virou-se em direção àquele que a segurava e viu
Mulder,
que a acalmava carinhosamente enquanto a abraçava.

- Scully, é tudo um sonho. É tudo um sonho.

Mais uma vez Mulder estava ali, ao seu lado, acalentando-a,
impedindo-
a de continuar mais um de seus pesadelos, impedindo que ela
se
perdesse no abismo que se criava entre a realidade e aqueles
sonhos.



Alguma praia ali perto
2006

Era domingo e o céu estava perfeitamente azul e sem nuvens.
Um dia
maravilhoso para ir pela primeira vez à praia e ver o mar.

Mulder e Scully pegaram a pequena Lauren e seguiram rumo à
praia mais
próxima da cidade. Gostariam de se divertir um pouco e
relaxar com sua
filha. Além de mostrar a ela como era o mar. O casal estava
mais feliz
que nunca. Finalmente teriam alguma folga dos diversos casos
que
resolviam.

Scully se impressionava pela forma como Mulder se dedicava à
família.
Ela sabia que ele seria um ótimo pai, mas não esperava que
ele
cogitasse a idéia de sair do FBI para se dedicar às duas
mulheres da
sua vida. Obviamente Scully não permitiu. Tinha certeza que
ele não
seria feliz se abdicasse do trabalho da sua vida, da sua
cruzada, do
local onde os dois conheceram o que era o amor, o que era
confiança.
Não, ela não deixaria que ele pedisse demissão.

Enquanto pai e filha brincavam na água salgada e fria do mar,
Scully
sentava-se à sombra do guarda-sol, observando os dois. Como
eram
parecidos e como representavam tudo na vida da agente.
Somente
imaginar perder um dos dois a fazia sentir um profundo aperto
no peito
e uma vontade imensa de chorar. Sabia que sua vida não era
segura e
que, a qualquer momento, o pior poderia acontecer. Tentava ao
máximo
não pensar no amanhã, mas às vezes era praticamente
impossível.

Especialmente num momento como esse, onde ela via as duas
razões de
sua vida juntas, brincando felizes com a areia branca e a
água
cristalina do mar. Era um momento quase sagrado ver os dois
juntos,
felizes. E ela gostava de observar. Nunca interromperia o que
eles
estavam fazendo por nada. Gostava de vê-los juntos.



*******



- Papai, eu conheço esta praia.

Mulder olhou para sua filha com um olhar triste. Não sabia de
onde ela
conhecia esta praia, visto que era a primeira vez que ali
estavam, mas
não pôde deixar de imaginar que talvez ela tivesse aquilo em
sua
mente. Talvez fosse somente uma sensação de Deja Vu, mas isso
também o
assustava. Sabia como eram os Deja Vus da sua família.

- Como você já conhece, Lauren? Onde você viu? Em fotos na
revista?_
Tentou ser o mais realista possível, embora o pior fosse o
esperado.

- Não. Eu não sei.

Lauren continuou a brincar com seu castelo que há todo
momento era
destruído pelas ondas do mar à sua frente. Ela adorava vê-lo
destruído
e não reclamava de ter que montar tudo novamente. Era
perseverante
como se tivesse certeza que em algum momento o castelo
ficaria em pé,
mesmo que a onda chegasse perto.

Com o coração apertado, Mulder abraçou sua filha
carinhosamente. Não
queria perdê-la, mas alguma coisa nele o fazia sentir e até
mesmo ter
certeza de que ela seria levada. Desde quando voltara da sua
abdução,
sabia que, da mesma forma que ele, Lauren era muito
importante para o
que estava por acontecer ao planeta. Mesmo correndo o risco
de perder
Scully não contando a ela tudo o que sentia, preferia fazer
dessa
forma. Preferia aproveitar os dias que estavam juntos do que
fazê-la
sofrer por antecipação ou vê-la tentar fugir, algo que seria
totalmente inútil.

Mulder passava as mãos no pequeno rosto da filha e se
orgulhava. Via
Scully ali. Via os olhos de Scully. Os olhos alegres de
Scully, que
Mulder só vira quando voltara do lugar em que estivera
durante os
meses da gravidez da sua parceira. Lauren era responsável
pela
felicidade extrema da esposa e não seria ele capaz de retirar
dela
esse sorriso.

Lauren era uma dádiva que lhes fora entregue e que possuía
características especiais. Somente gostariam de acreditar que
ela não
teria o mesmo destino do pai, cuja importância para o grande
Projeto
do Sindicato esteve sempre à mostra.

Anos depois, ainda não se sabia como, Scully pudera
engravidar, sem
nenhum tratamento. A única explicação plausível seria talvez
o chip,
que ela ainda possuía em sua nuca e que talvez mantivesse
controle
sobre ela. Um chip sobre o qual muito pouco sabiam. Um chip
que
poderia ter dado a ela o poder de fertilidade.

Mulder voltou novamente seu olhar para Lauren e viu que ela
finalmente
conseguira montar seu castelo sem que esse fosse derrubado
pelas
ondas. A maré já estava baixando e Mulder seguiu rumo a
Scully que
deitava confortavelmente na sombra.





Em algum lugar desconhecido
2001


O lugar extremamente úmido e iluminado por apenas uma tênue
luz branca
que passava por baixo da porta era onde Fox Mulder se
encontrava. Sua
respiração era inconstante e seu peito doía todas as vezes
que o ar
entrava por seus pulmões.

O fino, mas intenso feixe de luz, que atravessava o quarto,
sala, onde
quer que ele estivesse só permitia que ele observasse a luz,
nada
mais. Era forte o bastante para quase cegá-lo.

Seus olhos não abriam mais que alguns milímetros. Estava
fraco e
impotente. Talvez estivesse amarrado, mas seu corpo estava,
de certa
forma, anestesiado, impossibilitando-o de se mexer. Não se
recordava
de nada do que havia acontecido. Absolutamente nada.

A porta foi subitamente aberta terminando por cegá-lo
completamente e
o que pareciam homens, adentraram o quarto. Após alguns
instantes,
acostumando o pouco que abria dos olhos com a luz, pôde
observar que
se tratavam de médicos.

"Que bom que são médicos. Estou sendo tratado." Seu alívio,
entretanto, durou pouco. Imediatamente os supostos médicos
encaixaram
em seu crânio um capacete com eletrodos diversos. Sem poder
gritar ou
ao menos se mexer, ele terminou por fechar totalmente os
olhos e
permaneceu imóvel. Esperando.






Uma pequena garotinha ruiva brincava contente num jardim.
Parecia o
jardim de Meggie Scully. A criança utilizava pequenas bonecas
e as
fazia caminhar vagarosamente pelo gramado. Ela então avistou
alguém.

Alguém que a fez levantar-se imediatamente e sair correndo
com os
braços abertos.

Era Scully, que também correu e agarrou a pequena menina nos
braços
beijando-a. Um som foi ouvido: "Mamãe!"

Mulder acordou de supetão. Seu coração batia acelerado e ele
abriu
completamente os olhos dessa vez. O quarto estava em completa
escuridão. Ao relembrar da imagem que viu, seu estômago se
apertou de
tal forma que chegou a doer. Seu corpo todo estava dolorido,
mas a dor
psicológica que sentia era muito maior.

Sua parceira. Sua amante. Uma filha. Há quanto tempo estava
ali? Será
que Scully havia se casado? Não conseguia lembrar-se de nada
do que
acontecera alguns dias antes de ter sido seqüestrado. Como
poderia ter
"lembrado" de tais imagens? O que elas significavam?

Não era a primeira vez que sonhava. Era sempre a mesma
garotinha.
Entretanto, Scully não estava nos sonhos anteriores. Somente
agora,
ela aparecera, para seu desespero.

Novamente a porta se abriu. Dessa vez não havia luz forte,
mas uma
fraca e ele pôde reconhecer imediatamente o rosto daquele que
entrava
na sala.

_ Você...

_ Surpreso?

_ Na verdade não. _ falou com a voz fraca. _ Somente afirmei
o que já
sabia.

Tentou levantar-se na cama. Em vão. Ainda não tinha forças.

_ O que estão fazendo comigo, Krycek? Por que estou tão
fraco? Que
sonhos são esses que estou tendo?

_ Quantas perguntas, Mulder. Vou respondê-las calmamente.

Krycek caminhou até um canto escuro da sala e acendeu uma luz
fraca.
Mulder pôde observar onde estava. Era um quarto totalmente
fechado.
Não via uma porta, nem mesmo a que por onde o homem a seu
lado acabara
de entrar. Entretanto, havia uma janela com espelho do seu
lado
esquerdo. Exatamente onde Krycek dispusera a cadeira que
puxou para
sentar. Mulder se encontrava deitado numa grande maca no
centro do
quarto de paredes brancas.

Mulder deu tempo ao tempo. Não adiantava, nas condições em
que se
encontrava, brigar com Krycek. Precisava de resposta e se,
rastejar
diante daquele homem fosse preciso para obtê-las, ele o
faria.

_ A sua primeira pergunta foi o que estão fazendo com você.
Bom, o que
EU ordenei que fizessem com você. Depois que você sofreu
aquela grande
atividade cerebral e foi operado, descobrimos o potencial
sobre-humano
que vocês possuem. Podem ser submetidos a maiores testes e
maiores
dores porque sobrevivem. Seres humanos comuns não podem
passar pelo
que vocês passam. _ Krycek observava Mulder, que possuía um
olhar
indecifrável. _ Continuando, a agente Scully também sofreu
testes e
teve grande parte dos seus óvulos inseminados, gerando
crianças-teste,
como chamamos.

Os olhos de Mulder instantaneamente encheram-se de lágrimas
ao lembrar
de Emily e de como Scully sofrera com a filha. Percebendo o
sofrimento, Krycek, cinicamente, perguntou:

_ Quer que eu pare?

_ Quando eu quiser que pare, eu falo. Continue.

_ De qualquer forma, ela sofreu grandes traumas com os
testes, mas
assim como você também possui em si, a capacidade de
sobreviver a
esses traumas, inclusive maiores. Precisamos de pessoas
assim, agente
Mulder, para continuarmos os testes.

_ Por que seqüestraram somente a mim?

_ Acha que estávamos poupando a sua parceira? _ Mulder
permaneceu
calado. _ Não a seqüestramos porque precisamos da agente
Scully para a
segunda parte do plano. Ela provavelmente sofrerá mais que
você, pelo
simples fato de não ter sido "abduzida".

_ Como assim, seu filho da mãe? _ Mulder começou a ficar com
raiva.
Não se importava de sofrer, contanto que Scully estivesse
bem. Mas
agora sua impotência estava evidente.

_ Não fizemos nada com ela. _ após uma pausa, continuou. _
Ainda não.

As lágrimas que antes somente habitavam os olhos do agente,
agora
caíam lentamente, molhando seu rosto e mostrando a Krycek que
pelo
menos ele possuía um coração.

_ Não adianta chorar. Essa é a verdade que você tanto
procurava.
Precisamos de alguém forte o suficiente para provar aos
alienígenas
que somos superiores e que podemos vencê-los. Era isso que
você
procurava, Mulder. Não adianta chorar agora. Você procurou
tudo isso.
Se tivesse ficado no seu canto, como qualquer cidadão, as
chances de
estar aqui agora seriam mínimas.

_ E deixar vocês seguirem matando inocentes?

_ Você se acha inocente? Já conseguiu salvar alguém do que
fazemos
aqui? _ Com exceção das lágrimas teimosas que caíam, Mulder
estava
estático. _ Você só via as pessoas porque deixávamos que
visse. Mas
não se preocupe, dentro de pouco tempo você sairá daqui. Irá
embora.
Mas não para sempre.

_ O que você quer dizer com isso?

_ Você saberá quando for a hora. _ Krycek fez menção de
levantar-se
para ir embora, mas Mulder o impediu com a mão.

_ Você não me respondeu as outras perguntas.

_ Pense, agente Mulder. Pense enquanto pode.





Apartamento de Scully
Washington D.C.
25 de dezembro de 2001


A mesa à sua frente estava tomada de papéis, alguns
amassados, outros
não. O sofá onde estava sentado era confortável, mas não o
bastante
para fazê-lo relaxar. Inclinou-se e buscou o copo com suco
que se
encontrava em cima da mesa. Ao sentir o gosto doce em sua
boca, ele
suspirou e ficou a ouvir o som dos cubos de gelo balançando.
O único
som em seu apartamento aquele dia.

Scully e Lauren estavam passeando. Gostava de deixar as duas
sozinhas
vez em quando, principalmente para poder ter um tempo para si
próprio
também. Não que não precisasse das duas para viver, porém,
também era
necessário que se encontrasse consigo próprio algumas vezes.
Entretanto, esses momentos eram normalmente de reflexão, de
angústia e
não de relaxamento.

Todas as vezes tentava prestar atenção aos filmes que alugava
ou mesmo
tinha em casa, mas seus pensamentos sempre se voltavam ao que
sabia,
ou pelo menos, achava que sabia. A sua abdução o deixou com
um
pressentimento forte de que ainda não havia chegado ao seu
destino
final e que muito ainda estaria por vir.

Ainda não tinha idéia de porque, ao retornar, sabia da
existência da
filha. Era como se aquelas memórias tivessem sido implantadas
nele, já
que obviamente não as havia vivido por si próprio.

Além de outras lembranças que tinha. Era como se já houvesse
visto e
vivenciado o que ainda não havia acontecido. Era uma sensação
dolorosa
poder sentir de antemão fatos que ainda não haviam de fato
ocorrido e
era com profunda tristeza que ele sabia, porque sentia, que
sua filha
não estava a salvo.

Nunca comentou com Scully sobre tais sentimentos e era como
se a
estivesse traindo, mas não poderia fazê-la passar pela dor
mais de uma
vez. Preferia sofrer pela perda e deixar que Scully
continuasse
aproveitando a vida com a filha enquanto pudesse ou enquanto
lhe
permitissem.

Scully, por sua vez, intrigava Mulder com seus sonhos, os
quais ele
sabia, aconteciam eventualmente. A vida de Scully estava
sendo guiada
por homens desprovidos de qualquer tipo de sentimentos. O
pior de toda
a situação, porém, era saber de tudo isso e não poder influir
em nada.

Tudo fazia parte de um grande plano a fim de evitar o pior e
alguém
haveria de ser o escolhido. Neste caso, a família dele fora.

Voltou seu olhar para o copo em suas mãos.

Vazio.

Assim como a vida de sua esposa e a sua estariam quando o
inevitável
acontecesse.




Apartamento de Scully
Washington D.C.
2008


O apartamento estava relativamente vazio. Os móveis estavam
sendo
transferidos para a nova casa que o casal Scully-Mulder
comprara no
subúrbio da capital. Após muita deliberação, decidiram que o
melhor
para a pequena Lauren Scully-Mulder seria viver num local
calmo,
arborizado, com boas e tranqüilas escolas.

Lauren estava com sete anos e era uma menina adorável e muito
especial. Desde pequena, não parecia ter a idade que possuía.
Começou
a falar e andar muito cedo. Em alguns momentos inclusive
parecia poder
ler pensamentos, pois diversas vezes dizia a coisa certa no
momento
certo. Entretanto, nada fora comprovado e Scully finalmente
admitiu
para si mesma que tudo não passava de uma boa intuição.

Era uma menina única. Os pais bem sabiam disso. Sete anos
após o
milagre chamado Lauren ter nascido, ainda não estava nem um
pouco
claro como ela pôde ser concebida. Os agentes, àquela época,
estavam
sexualmente ativos, celebrando seu amor, mas Scully ainda
assim era
estéril, tanto que não tomaram precauções quanto à gravidez.

Nada disso importava agora. Somente que Lauren era a razão da
vida dos
agentes e que os dois fariam tudo pela filha.


*******



O dia estava ensolarado e quente. A tarde chegara rapidamente
e Scully
não conseguia sair do trabalho para chegar em casa e esperar
por
Lauren. Mulder estava fazendo trabalho de campo numa
cidadezinha ali
perto.

A preocupação de Scully aumentava a cada minuto e ela não
conseguia
liberação da reunião com o Diretor Geral do FBI. A agente
estava
prestes a ser promovida a Diretora Assistente, devido aos
seus
resultados bastante positivos nas últimas investigações. Não
sabia ao
certo se estava feliz ou não com essa mudança, mas já havia
tido
certeza que não teria que abandonar seu trabalho nos Arquivos
X. Na
verdade, a única mudança visível no momento era a de que ela
seria
agora superior a Mulder na hierarquia do Bureau.

As horas se passavam e Lauren provavelmente já estaria em
casa.
Sozinha. Levantou-se apressadamente, despediu-se dos colegas
e saiu.
A reunião não acabaria cedo e ela não estava disposta a
arriscar a
vida de sua filha pelo Governo.

Deixou seus pensamentos de lado e focalizou sua ida para
casa.
Precisava chegar o mais rápido possível. As ruas pareciam
mais
movimentadas que o normal, seu carro mais lento, mas ela
sabia que era
tudo fruto da sua imaginação. Não tinha certeza de porque
estava tão
nervosa para encontrar sua filha e isso a assustava. Era como
se
pressentisse que algo estaria prestes a acontecer. Não queria
acreditar nisso. Seu coração falava que o pior estava por
vir, mas sua
mente dizia que não era nada demais. Ela estava se
preocupando à toa.

Entretanto, como sempre, a vida dá voltas inimagináveis e seu
coração
estava certo.

À medida que se aproximava da casa recém adquirida seu
coração mais se
apertava contra seu peito. Ela achava que explodiria a
qualquer
momento de tamanha angústia.

Tudo já estava cercado com as tão conhecidas fitas amarelas
do FBI e a
porta parecia arrombada. Estacionou seu carro em qualquer
lugar da rua
e correu pelo gramado onde a pequena Lauren adorava brincar
quando
chegava da escola. As lágrimas, que já embaçavam seus olhos,
estavam
prestes a cair quando finalmente alcançou a porta de casa.

Olhou quase que hipnoticamente para sua casa e não conseguia
enxergar
direito. Sabia que muitos homens estavam ali, mas onde estava
Mulder?
Onde estava Lauren? Por um momento parecia que nada era
realidade, que
tudo era mais um de seus sonhos e que ela acordaria em alguns
instantes e veria toda a sua família novamente reunida e
feliz.

- Agente Scully._ O agente Stewart, responsável pelo caso, a
tirou de
seus devaneios.

- O que... aconteceu?_ Foi tudo o que pôde falar.

- Não sabemos ao certo. Recebemos uma ligação dos seus
vizinhos
alertando para uma movimentação em sua casa. Viemos o mais
rápido
possível, mas era tarde demais e a sua fil...

Naquele instante, Scully não conseguia mais ouvir
perfeitamente, a voz
do agente foi rapidamente substituída pelo nada e tudo que
podia ver
era que ele continuava falando, mas ela não conseguia ouvi-
lo. Todos
os seus sentidos estavam alterados e ela sentia um gosto
amargo na
boca, além de sua visão estar deturpada. Suas pernas
começaram a
fraquejar, até que ela finalmente caiu sobre seus joelhos.
Entretanto,
aquilo não importava, a dor física não era nada perto do que
estava
sentindo agora. Tudo o que permanecia na sua cabeça era a
idéia de não
ter mais a sua filha ao seu lado.





PARTE II – A VERDADE


Algum lugar
2017


Por um momento tudo pareceu claro, mas novamente a escuridão
se firmou
em meus olhos.

Eles estão abertos, mas mesmo assim não vejo nada. Estou cega
ou não
há luz nesse local. De onde viera a claridade? Sonho?
Imaginação?
Alucinação?

Não sei. Os dias neste covil passam mais devagar que o normal
e o
tempo parece expandir-se de tal forma que nada parece de fato
existir.

Não ouço nada além da minha própria respiração. Às vezes
penso que
talvez já esteja morta, porém a morte é assim? Que fiz para
merecer
tamanha solidão e escuridão? As trevas são o local para onde
são
levadas pessoas de má fé, pessoas más. Não me lembro de ter
sido má.

Não me lembro de nada para falar a verdade. Não tenho nem
idéia de
como sou. Não sei nada sobre mim mesma. Somente sei que estou
aqui há
algum tempo. Talvez dias, talvez horas, talvez anos, séculos.
Não sei
e nem me atrevo a perguntar a quem quer que apareça.

A solidão está me incomodando e quanto mais eu tento afastá-
la, mais
próxima ela fica.

De onde vem tanta falta de luz? Será que essa será minha vida
daqui
para frente?

Vermelho. Muito vermelho é o que eu vejo em minha cabeça.
Talvez
sangue.

Não, não é sangue. É algo bom. Algo que me faz sentir
confortável e
segura. Totalmente diferente deste lugar onde o chão gelado e
o teto
são meus únicos abrigos. O que será o vermelho?

Será o inferno? Será que minha malevolência é tamanha que o
inferno é
para mim confortável e seguro? Não creio. Mas novamente não
tenho
conhecimento ou lembrança suficientes para saber o que é o
inferno.
Nem sei ao menos se essa cor se refere a inferno. E quem
garante que o
inferno não é este lugar terrivelmente negro e o vermelho
representa a
paz.

Ou pelo menos a minha paz?

Durante toda a vida ouvi um volume enorme de informações em
minha
mente, como se alguém falasse comigo sobre diversas coisas,
ciências,
história, matemática. Não compreendo o porquê de tudo isso e
tampouco
sei se é algo bom.

Não acredito que saberei tão cedo. Melhor voltar a dormir e
pedir
silenciosamente para alguém me retirar deste lugar ou mesmo
desta
vida. Certamente haverá um lugar melhor para mim do que este.





Algum tempo indefinido depois
Mesmo local

Novamente meus olhos se abrem para ver a escuridão. O costume
é tão
grande que nem sei se consigo me lembrar de como as coisas
são
realmente. Só me lembro do vermelho. Espero um dia poder
encontrar o
que quer que seja que esta cor represente na minha vida para
reencontrar a paz.

É melhor que eu ande por este local. Minhas pernas estão
dormentes e
não obedecem aos meus comandos. Quase caio, mas consigo me
segurar na
parede lisa e seca. Talvez eu precise andar quando sair deste
local,
melhor iniciar imediatamente.

A primeira volta é mais difícil, meu corpo não me obedece
como
deveria, mas à medida que continuo, ele começa a responder
mais
rapidamente, o que me dá ânimo para continuar.

Algumas voltas depois, uma luz branca adentra o pequeno local
onde me
encontro. Aos poucos ela invade o quarto e finalmente
alcança o meu
corpo. Sinto um arrepio ao notar que aquela luz poderá me
salvar. E
talvez eu finalmente esteja livre deste local.

Olho em direção a ela e vejo três pessoas vindo em minha
direção. Meu
sorriso de felicidade morre ao ver que eles têm seringas nas
mãos.

Testes.

Terríveis testes.

Testes em que a minha única esperança é morrer.

- Não. Por favor, de novo não._ São as únicas palavras que eu
consigo
formar antes de ter injetado em mim algum tipo de
medicamento.




Washington D.C.
Residência dos Scully-Mulder
2017

Há alguns anos os ex-agentes do FBI mudaram-se da grande casa
que
possuíam e também deixaram o FBI. Após o desaparecimento de
Lauren, os
dois não suportaram mais continuar trabalhando ali. O local
era
terrível demais, trazia lembranças demais.

Incrivelmente, a idéia partira de Mulder. Scully não se
sentia
confortável com a idéia de retomar sua carreira na medicina
sabendo
que sua filha estava em algum lugar desconhecido sofrendo
horrores. De
início, queria os Arquivos X. Eles eram uma forma de fazer
com que
eles tivessem acesso a documentos, notícias de abduzidos,
pudessem
viajar, entre outras coisas. Mas antes disso, eles estavam
destruindo
inclusive seu relacionamento.

Scully não conseguia nem mais conversar com Mulder sem
irritar-se. Não
conseguia dar a ele o olhar orgulhoso que sempre dera ao vê-
lo
conseguir resolver um caso ou somente para agradá-lo e vê-lo
feliz.
Sabia também que ele não era culpado, mas precisava culpar
alguém e
esse alguém era a pessoa mais próxima dela naquele momento.

Percebendo que Scully poderia perder-se numa viagem sem volta
àquele
mundo de culpa, de medo, de solidão e de tristeza, Mulder
propôs que
eles saíssem do FBI. Obviamente dificultaria um pouco a busca
pela
filha, mas não seria impossível. Skinner ainda estava no
Bureau e
poderia ajudá-los. Era a única solução no momento.

Sabia o quanto Scully sofria. Sabia o quanto ele próprio
sofria ao ver
Scully daquela forma e ao imaginar o que sua filha estava
passando.

Tinha idéia do que estavam fazendo com Lauren. Provavelmente
era algo
muito próximo do que fizeram com sua parceira há alguns anos
e com ele
mesmo. Todos os dias olhava para a cama sempre arrumada da
filha e se
lembrava do seu rosto sorridente. No entanto, não poderia
deixar que
acontecesse com Scully o que acontecera com ele após o
seqüestro de
Samantha. Não seria justo. A dor pelo desaparecimento de
Lauren era
mais forte que a que sentira por sua irmã, mas a dor de
tantos anos o
deixou mais forte e capaz de lidar com o sofrimento e caberia
a ele,
agora, ensinar isso a Scully. Afinal, ela sempre fora o seu
ponto de
apoio quando ele mais precisava. Os papéis foram invertidos e
ele
precisava ser forte o suficiente pelos dois e tentar fazer o
máximo
para trazer Scully de volta do mundo escuro e triste onde ela
se
encontrava.

Seus olhos enchiam-se de lágrimas ao imaginar que após tantos
anos
talvez nem mais reconhecesse a própria filha. Quem sabe ela
já não
estivesse de volta sem saber de sua família? Não havia a quem
recorrer.

Mulder levantou-se da cama onde dormia junto com Scully e
dirigiu-se à
cozinha. Não eram raras as noites em que não conseguia dormir
e achava
ótimo que Scully conseguisse descansar pelo menos dormindo em
algumas
noites.

Ela mudara bastante após o desaparecimento da Lauren. A
maioria
pequenas mudanças de comportamento, como chorar com mais
facilidade e
demonstrar seus sentimentos prontamente. Não os reprimia
mais.

Entretanto, a mudança mais significativa e a que mais
assustava Mulder
era que Scully não mais freqüentava a igreja. Diferentemente
de quando
teve câncer e procurou praticamente no final da sua jornada,
o apoio
da igreja, agora Scully chegara ao fundo do poço sozinha. Por
mais que
seu companheiro quisesse e diversas vezes a incentivasse a
rezar, ela
não o fazia.

Sua fé abalada assustava Mulder. Nunca vira Scully sem fé.
Era ela que
a fazia caminhar, a fazia seguir com sua vida. Lembrou-se de
Emily.
Scully não perdera sua fé e ajudara a salvar a vida da
pequena garota
garantindo-lhe sua única salvação que, infelizmente, era a
morte.

A situação agora era diferente, o Sindicato permitiu a Scully
amar
Lauren por sete longos anos. Era como se no mundo só
existissem os
três. Mulder, mais uma vez em sua vida, se sentira culpado
por não ter
explicitado a Scully os riscos que ela corria. Seu coração se
partia
cada vez que via lágrimas nos olhos da companheira, lágrimas
que nada
que ele fizesse poderia fazer cessar.

Voltou lentamente para o quarto depois de tentar em vão
afogar seus
pensamentos num copo de água gelada e encontrou Scully
sentada na cama
com os olhos bastante abertos. Com medo, sabendo dos seus
terríveis
pesadelos, correu em direção a ela e a abraçou
carinhosamente.

- Mulder, eu a vi. Ela está viva.




*******


Abatido, Mulder não poderia lutar contra sentimentos,
especialmente os
de sua esposa. Ele próprio devotara longos anos de sua vida à
procura
de sua irmã, até que a encontrou.

Morta.

E se Lauren estivesse morta? Como ficaria Scully? Todos os
sonhos que
ela tivera ao longo dos anos aconteceram de alguma forma. Sua
filha
fora de fato abduzida, provavelmente estava passando por
inúmeros
testes e poderia ou não ser deixada viva. Nada garantia sua
vida e
nada poderiam fazer. Nunca puderam.

Mulder sentou-se na cama e esperou que Scully se acalmasse e
dormisse
novamente. Não foi difícil convencê-la a relaxar, visto que,
assim
como uma criança, ela esperava dormir para sonhar novamente
com a
filha. Talvez fosse verdade que ela estivesse viva, mas
Mulder não se
encheria de esperança. Não mais. Ele precisava estar ali para
Scully,
caso as coisas não saíssem como planejado.

Seus olhos aos poucos encheram-se de lágrimas, que
rapidamente
transbordaram caindo por entre seus dedos, onde sua cabeça
estava
enterrada.


Scully acordou com o gosto salgado de lágrimas em seus
lábios.
Vagarosamente abriu os olhos e encontrou seu marido com o
rosto
coberto pelas mãos, chorando. Movimentou-se cautelosamente a
fim de
não assustá-lo e o abraçou.

Mulder deixou-se ser abraçado. Há muito necessitava de um
momento de
afeto, Scully sabia disso, mas não sentia forças para tal.
Não se
sentia capaz de dar a ele o carinho de que precisava até
então.

O choro baixo do parceiro a fez refletir sobre o momento.
Ele, que
desde a abdução da filha fora tão forte, agora se deixava
levar por
momentos tristes. Teria ela negligenciado tanto o marido a
ponto de
fazê-lo deprimido e solitário?

- Mulder.... Mulder, o que aconteceu?

- Eu não sei. Eu... simplesmente senti necessidade de chorar.
Me
desculpe se te acordei.

- Não tem problema. Mas deve haver um motivo...

- Eu não quero que você sofra mais do que já sofre, Dana.

Então era isso. Durante anos ela acreditava que Mulder havia
perdido a
sua capacidade de achar que tudo era sua culpa, mas estava
enganada e
agora ela própria sentia-se culpada por não ter dado o apoio
de que
ele precisava, os dois necessitavam de ajuda, a qual viria de
ambos.

- Não estou entendendo. Eu não vou sofrer mais, eu a
encontrei.

- E se esse sonho não for verdadeiro?

- Ele é, Mulder. Eu sei que é. Todos os que eu tive se
tornaram
realidade. Este também há de se tornar. Eu sonhei com você
antes de
você voltar.

Mulder levantou o olhar incrédulo para Scully. Não tinha
conhecimento
de tal sonho. Não em mais de dezessete anos.

- Pois é, querido. Eu sonhei que te encontrava um dia antes
de receber
a ligação do hospital.

Ele sorria. Seus olhos até brilhavam ao ouvir aquela
revelação. Mais
do que ninguém, seu coração parecia não funcionar mais,
somente de
lembrar da filha e talvez agora houvesse uma esperança.
Acreditava nos
sonhos de Scully. Sempre acreditou, mais do que ela própria.

- Quer que eu conte pra você o que eu sonhei?

Ele fez que sim com cabeça e voltou a encostá-la nos seios da
amada à
medida que ela começava a falar.

- Na verdade, eu tive diversos sonhos com você. Até acordada.
Sonhos
em que estávamos juntos.

- Fantasias, Scully?

- Isso, fantasias. _ ela sorriu. - Deixe-me continuar. Todos
os sonhos
não tinham na verdade um significado real. Eu não acreditava
neles,
até que eu acordei à noite um dia e o vi sentado bem ali na
beirada da
cama. _ ela apontou para o local e ele observou. - Exatamente
onde
você sentou no primeiro dia em que chegou aqui em casa.
Exatamente a
mesma posição. Claro que à época eu não tinha idéia do que
seria
aquilo, mas depois que eu vi você sentado na cama, fazendo o
mesmo
gesto que fez no meu sonho ou alucinação, como quiser chamar,
eu tive
certeza de que foi um sinal. Um sinal que eu não tinha
percebido. _
ela calou-se por um momento esperando alguma observação. - E
então?
Acredita em mim agora?

Com o silêncio dele, ela inclinou para baixo sua cabeça, de
forma que
pudesse observar seu amado, que já estava dormindo. Admirou a
força
daquele homem que se encontrava com ela há tantos anos. Os
dois se
completavam perfeitamente e nada conseguiria entrar no
caminho. Várias
foram as situações pelas quais passaram juntos, essa seria
somente
mais uma, a mais forte e dolorosa de todas.

- Enquanto estivermos juntos, Mulder, estaremos bem. _ Scully
falou
enquanto dava um beijo no rosto de Mulder, virando em seguida
em
direção à janela para observar as estrelas, que brilhavam e,
com seus
microscópicos movimentos, distanciavam-se da Terra.





Washington D.C.
2017


Abriu os olhos e tudo o que via era vermelho. Piscou algumas
vezes e
continuava a ver o vermelho. Scully não gostava daquilo. Até
que uma
sensação de paz alojou-se em seu corpo. E, como se ondas de
felicidade
o tomassem, o vermelho transformou-se em azul e ela pôde ver
que olhos
a observavam atentamente.

Não eram quaisquer olhos, eram olhos familiares. Com um olhar
igualmente familiar.

- Você está bem?_ A moça perguntou com uma voz suave e calma.

Sentindo-se ainda tonta, Scully tentou levantar-se sem
sucesso. A moça
a ajudou a sentar-se na calçada e lhe ofereceu um copo
d'água, trazido
pelo dono da loja em frente de onde estavam.

Finalmente Scully recuperou um pouco das forças e pôde falar.

- O que aconteceu comigo?

- Você desmaiou. Estava andando e de repente caiu.

Scully reconheceu aquela que a ajudava. Era a mesma que há
poucos dias
passara por ela, a quem tanto desejava encontrar novamente.

Notou, porém, uma mudança significativa, a moça estava
arrumada e bem
vestida. Tentou, em vão, entender porque no outro dia ela
estava tão
maltrapilha. Mas isso não importava no momento.

- Estou bem agora. Acho que posso levantar.

- Tudo bem. Levante-se, mas nós vamos comer alguma coisa
antes de eu
te levar para casa.

- Não precisa. Mesmo. Eu posso ir andando ou até mesmo chamar
meu...
marido._ Era incrível como até hoje ela não se sentia
totalmente à
vontade ao chamar Mulder de marido. Não que não sentisse que
ele o
fosse, mas foram tantos anos chamando de parceiro que se
acostumara
mais do que poderia imaginar. Além da palavra marido não
conseguir
expressar tudo o que ele representava para ela.

A moça sorriu e disse finalmente:

- Impossível. Não posso deixá-la andar sozinha, pelo menos
não
enquanto não se alimentar. Eu vou junto.

As duas seguiram lentamente e em silêncio até uma lanchonete
próxima.
Sentaram-se e à chegada da garçonete, Scully fez seu pedido:
coca-cola
light e sanduíche de atum, sem maionese. Até hoje ela era
adepta de
uma dieta com baixas calorias, que só fora deixada de lado
quando da
sua gravidez.

Seus olhos encheram-se novamente de lágrimas ao lembrar-se da
filha.
Às vezes gostaria que não se sentisse tão triste quando
lembrasse
dela, evitaria imaginar o que Lauren poderia estar passando
ou que
talvez já estivesse morta.

- E então? O que você faz?

Seus pensamentos foram cortados pela voz suave da moça
sentada à sua
frente. Seus olhos estavam preocupados e Scully se perguntou
qual o
motivo da preocupação dela com uma mulher desconhecida.
Talvez ela
houvesse também sentido alguma coisa diferente quando se
encontraram
na rua há alguns dias.

Talvez.

- Eu sou médica. Trabalho no Hospital Geral de Washington.

Os olhos da moça brilharam rapidamente para, em seguida,
tornarem-se
tristes ao ouvir o que Scully dissera.

- Muito interessante. Eu gosto de medicina e gostaria de me
graduar
como médica.

- Você é jovem. Há bastante tempo. Deve estar ainda na
escola.

- Na verdade não. Eu não estudo há muitos anos. _Normalmente
não se
sentia à vontade para falar de assuntos tão delicados como
sua vida
particular, mas de certa forma, a mulher que agora se
encontrava em
sua frente, lhe fazia sentir segura o suficiente para
conversar. E,
apesar de saber muitas coisas, não acreditava ter a
capacidade de uma
graduação. Não tinha noção do quanto era inteligente e do
quanto havia
sido ensinada.

A visão daquela jovem triste fez com que Scully se sentisse
da mesma
forma e ainda culpada por talvez ter trazido memórias ruins à
jovem
moça.

- Eu sinto muito.

A garçonete chegou com os pedidos antes que Scully pudesse
continuar a
conversa. Olhava atentamente para sua companhia se
perguntando porque
ela não estudava há tantos anos.

Qual seria a idade dessa jovem? E quem respondia por ela?
Eram
perguntas que Scully não se atreveria a perguntar. De alguma
forma, as
coisas estavam tomando um rumo, que intuitivamente Scully
sentia ser
seguro e que não sabia explicar, mas o seguiria.

- Você poderia me dizer seu nome? Afinal você me ajudou
quando
precisei. Agora preciso retribuir tal gesto com no mínimo um
almoço ou
jantar. _ Aproveitou a oportunidade para saber mais sobre a
menina.

Ela sorriu com a pergunta e ao mesmo tempo a melancolia se
firmou em
seu rosto pois não recordava do seu sobrenome, somente do
primeiro. De
qualquer forma, era tudo o que sabia.

- Lauren. Meu nome é Lauren.

Scully quase engasgara. Era a primeira vez naquela cidade que
conhecia
alguém chamado Lauren. Por uma fração de segundo, ela
emocionou-se com
a possibilidade daquela Lauren ser a sua filha, o que era
praticamente
impossível. Apesar dos cabelos e dos olhos, nada mais. Exceto
talvez a
sensação de paz e felicidade que a inundavam sempre que a
encontrava.
Porém isso não dizia nada, pelo menos não para a mente cética
de Dana
Scully.

Apesar de confiante inicialmente, tinha medo. Medo do que
Mulder seria
capaz de fazer. Tinha certeza que ele poderia novamente
focalizar no
assunto e ser consumido por ele. Não podia se dar ao luxo de
perder
seu amigo, amante, parceiro, companheiro. Aquele a quem ela
devotara e
entregara a vida. Além de tudo, a vontade de reencontrar a
filha era
tão grande que essa não era a primeira vez que ela imaginara
tal
situação.

Duas vezes já aconteceram de encontrarem meninas da idade de
Lauren
que não possuíam memória ou com uma história estranha de
vida, mas
exames de DNA comprovaram que nenhuma delas era Lauren. Em
ambas as
vezes Scully e Mulder sofreram muito. Não seria agora que se
entregaria novamente a essas emoções.

Principalmente também porque era simples demais.

Simples demais.

E a verdade nunca fora assim. O desejo de se juntar novamente
à filha
poderia trazer emoções um tanto quanto perturbadoras. Mesmo
com todos
os sonhos que tivera que se tornaram, de uma forma ou de
outra,
realidade, agora que tudo se encaixava, não conseguia
acreditar. Além
do que, a Lauren à sua frente não se parecia com a Lauren do
seu sonho
mais recente. Não podia lembrar-se com clareza do rosto da
filha no
seu sonho, mas não lembrava sua companhia. Disso tinha
certeza.

Mulder deveria estar ali compartilhando esse encontro com
ela. Talvez
ele soubesse o que estava acontecendo e talvez da mesma forma
como
sabia da filha assim que chegou da sua abdução, talvez a
tivesse
reconhecido.

Talvez.

Tudo eram suposições.

Lauren finalmente falara novamente percebendo o momento de
reflexão de
Scully.

- E o seu?

- O meu o quê?_ Seus pensamentos mais uma vez tomaram conta
dela e
Scully esquecera do assunto.

- Seu nome. Qual é o seu nome?

- Dana Scully.

Lauren sorriu e olhou em direção ao grande relógio antigo de
parede do
pequeno restaurante onde se encontravam e avisou que
precisava ir.
Imediatamente Scully entregou um cartão com seu endereço
residencial a
ela marcando um jantar para sábado.

- Nos encontramos lá, então?_ Scully estava curiosa a
respeito da
jovem e talvez pudesse descobrir coisas sobre si mesma nela.

- Vai ser ótimo.

Ela se retirou, deixando seu sanduíche recém mordido e a ex-
agente do
FBI perplexa com o ocorrido. De um lado, seu coração dizia
que havia
algo mais na relação das duas mulheres. Por outro lado, sua
racionalidade dizia que não, que era somente uma coincidência
do
destino ou de alguém que queria deixá-la louca de vez.

Scully virou seu rosto em direção à porta do recinto assim
que se
lembrou que não sabia o sobrenome de Lauren, mas foi tarde
demais, ela
já havia se retirado.




Washington D.C.
2017

Os dias estão passando rapidamente. É como se o meu tempo
estivesse em
uma escala diferente da normal.

E era assim que os dias passavam normalmente para mim. Sempre
do mesmo
modo. Meus dias de exaustivas caminhadas sem fim e sem rumo
finalmente
terminaram quando um grupo de freiras me abordou na rua
oferecendo-me
casa, comida e roupas. Elas são boas e de certa forma, sinto
que estou
abrigada do perigo dentro do convento. Uma das freiras, a que
eu
particularmente mais gosto, me disse algo muito importante e
que
provavelmente fará diferença na minha vida daqui para frente:
tudo vem
a seu tempo. Deus sabe o que faz e as coisas não acontecem
por acaso.
A felicidade vai bater à minha porta quando eu menos esperar.
As
oportunidades estão sempre acontecendo e somente precisamos
saber
aproveitá-las.

Saí do nosso encontro um tanto duvidosa, mas queria acreditar
na Irmã
Madalena. Ela é uma mulher jovem que decidiu entregar sua
vida
totalmente a Deus, renegando assim aos prazeres carnais da
vida que
chamam de normal. Ela me contou que era uma jovem rebelde,
que muitas
vezes fora inclusive promíscua, que desobedecia às leis
humanas e
divinas, até que um dia recebeu uma espécie de chamado. Um
chamado
divino que a libertou da vida que levava, trazendo-a para
este lugar,
onde ela é feliz.

O que aconteceu é que a Irmã Madalena estava certa. Aliás,
está certa.
Hoje, ao caminhar nas ruas desta cidade, sentindo todo o
calor do sol
no meu rosto e praticamente sentindo suas ondas de energia
entrando e
recarregando meu corpo, eu a vi novamente. Mas dessa vez, ela
estava
cansada e sua figura não mais era a que eu vira pela primeira
vez. Não
sei se eu estava diferente, com outra perspectiva e criei uma
barreira
de pseudofelicidade que mascarou a realidade e todos
pareceriam
tristes perante a minha suposta felicidade ou se ela
realmente estava
abatida e cansada.

A segunda opção se fez verdadeira. Ela desmaiou na rua.
Simplesmente
caiu no chão como se um raio tivesse caído em sua cabeça
naquele mesmo
instante. Corri para ajudá-la e como suspeitava, não aceitou
a ajuda
de imediato.

Saímos dali para conversar, mas infelizmente tive que sair e
não pude
fazer-lhe muitas perguntas, pois as freiras têm uma espécie
de toque
de recolher e eu devo segui-lo se quiser continuar aqui. Saí
apressadamente e só sei sua profissão, médica, e seu nome,
Dana
Scully.

Bonito nome. Familiar também. Tudo nela me é familiar. Qual
será a
minha ligação com ela? Por que eu me sinto tão confortável
quando nos
vemos? Somente duas vezes nos vimos e eu já me sinto dessa
forma. Por
quê? São tantas perguntas pipocando em minha cabeça que às
vezes acho
que estou doente ou que meu cérebro explodirá. Mas uma coisa
eu tenho
certeza, a Irmã Madalena está certa e com o tempo eu saberei
exatamente quem é Dana Scully para mim.



Residência dos Scully-Mulder
Washington D.C.
(uma semana depois) 2017

Uma semana se passou sem que Scully tivesse notícias de
Lauren.
Caminhava sempre pelos mesmos lugares de antes, mas em nenhum
dia a
encontrou. A preocupação que, inicialmente, fingia não
sentir, se
alojou nela no terceiro dia sem notícias da menina. Mal a
conhecera e
ela já se fora.

Mesmo com a recomendação dos médicos para que ela descansasse
em casa
após seu súbito desmaio, não pôde. Mulder tentou insistir
para que
fosse obediente e somente recebeu um olhar de reprovação que
imediatamente o fez se calar.

Nada parecia mais importante, naquele momento, do que
encontrar Lauren
e uma semana sem contato era muito para Dana. Foi até o
centro da
cidade e lá sentou-se na praça observando os pássaros que
solitários
catavam migalhas de comida dos passantes. Era assim que se
sentia,
coletando migalhas de um sentimento há muito perdido. O que
teria
Lauren de tão especial que não parava de pensar nela?




Residência dos Scully-Mulder
Washington D.C.
Sábado, 2017


O cheiro da comida típica do Oeste americano fazia Scully
voltar a
sentir-se como uma criança ao relembrar os velhos tempos em
que toda a
família morava junta em San Diego. A cidade era maravilhosa e
muito
aconchegante e, mesmo que tenha morado ali por pouco tempo,
sempre
lembrava daquele local. Especialmente depois do natal de
1998.

Dezenove anos se passaram desde que tivera contato pela
primeira vez
com um ser gerado a partir dela própria. Sua pequena Emily,
cuja única
esperança era morrer, levara com ela a esperança de Scully de
ter uma
vida que muitos chamavam de normal.

Entretanto, essa própria vida que lhe tirou coisas preciosas,
lhe
permitiu conhecer melhor um homem que até hoje era seu melhor
amigo e
a única pessoa em quem confiar, lhe permitiu ser,
efetivamente, mãe,
mãe de sua pequena Lauren, que fora arrancada de seus braços.

Sobreviver longe de sua filha foi, sem dúvida, a mais difícil
prova
que tivera que passar e a dor era tamanha que pensara não
sobreviver.
Não sabia se realmente o tempo ou se a vontade e a certeza
que sempre
possuíra de reencontrar a filha fizeram-na mais forte, sabia
somente
que estava ali, pronta para qualquer verdade.

Uma lágrima rolou suavemente sobre seu rosto e, como se em
câmera
lenta, caiu sobre o mármore gelado da cozinha, fazendo um
pequeno
barulho tendo em vista o silêncio em que se encontra sua
casa.

Procurando, sem sucesso, não fixar os olhos na foto doce e
singela da
filha, num porta-retratos que ela mesma escolhera aos quatro
anos de
idade, Scully virou-se e reiniciou no processo de cozimento.

Dez minutos após o prato principal estar pronto, Dana
lembrou-se que
não havia sobremesa. Mulder adorava comer tudo o que
preparava ou
comprava e nunca havia nada para visitas. Faltavam apenas
trinta
minutos para a hora marcada. Os acontecimentos recentes
estavam
deixando-a atordoada. Depois de tantos anos de solidão, no
que tange
sua filha, ela encontra uma menina, com a mesma idade e nome.

Um exame de DNA já passara pela sua cabeça inúmeras vezes,
mas não se
atreveria a pedir isso a Lauren. Não a conhecia o suficiente
e poderia
inclusive assustá-la. Preferiu deixar o tempo encarregar-se
de tudo.
Em todas as outras vezes, se decepcionara porque fora fundo
demais nas
investigações.

Seu marido estaria em casa dentro de alguns minutos e se
Lauren
chegasse antes do combinado, haveria alguém em casa. Pegou
sua bolsa
rapidamente e saiu, sem perceber que a foto da pequena Lauren
caíra e
agora repousava no chão frio da casa.





Convento
Washington D.C.
Sábado, 2017


Um convite para jantar. Foi o que ela me ofereceu em troca
dos meus
cuidados quando passou mal. De certa forma, esperava mais. Eu
não sei.
Não sei se estou dando crédito demais a uma pessoa que nada
tem a ver
comigo, que não é quem eu quero que seja. Talvez ela não seja
quem eu
penso que é.

Esperando demais.

Gastando as minhas energias de forma inútil, quando poderia
estar
procurando pela minha verdadeira salvação. Confesso que estou
com
medo. Muito medo. Não sei se da verdade ou de uma mentira.
Minha
esperança, antes tão forte, agora se dissipa como se por
entre meus
dedos e eu a vejo se esvaindo pelo espaço.

O tempo passa e a experiência nos mostra a não ter esperança.
Mas que
experiência? Não tenho memória, quanto mais experiência.

Talvez eu devesse cancelar esse jantar. Não aparecer.

Para que estou indo? Quem poderia ser essa mulher? Eu estou
intrigada
com o que ela me faz sentir, mas talvez eu esteja imaginando
coisas.
Já descobri que tenho uma mente muito fértil.

Imaginei-me vivendo numa casa grande, com três cômodos. Um
para meus
pais que estariam juntos até hoje e completamente apaixonados
um pelo
outro, um para mim, com uma cama bem grande e vários bichos
de pelúcia
e livros espalhados pelas paredes e um para hóspedes, para
onde eu
levaria minhas amigas ou alguns parentes.

É um sonho difícil de ser realizado para mim, mas eu acredito
que seja
meu maior sonho atualmente. Há alguns meses, seria sair
daquele quarto
escuro e sem vida e poder ver as cores, poder ver o mar ou as
estrelas, qualquer coisa que me permitisse sentir viva e sem
medo.
Porém, os sonhos sempre são atualizados e à medida que
alcançamos um
outros vêm à nossa mente, prontos a serem realizados. O atual
é este,
conseguir uma família.

É provavelmente um sonho impossível de ser realizado e creio
ser por
esse motivo que minha esperança não se encontra muito
fortalecida. De
qualquer forma, não acho que desistir seja a solução.





Residência dos Scully-Mulder
Washington D.C.
Sábado, 2017


O homem alto e imponente entra em seu apartamento. Seus
olhos, que por
seis anos, foram alegres, agora são tristes. No lugar
habitual, ele
guarda suas chaves e caminha pela grande sala em direção ao
quarto que
divide com sua esposa.

A foto de Lauren chama sua atenção. Com o cenho franzido, se
abaixa e
como se acariciasse o rosto da filha, passa a mão pela foto.
Uma forte
vibração em seu peito o faz estremecer.

- Será que estou tendo um ataque cardíaco? Scully.... _ ele
chama pela
esposa inutilmente e, apesar do desespero inicial, a dor não
continua
forte, mas sim como um calmante e ele sente uma paz que há
muito não
sentia invadir seu corpo. Era como se o que faltasse dele
estivesse
sendo rapidamente preenchido, com memórias e sentimentos.
Olhou ao
redor e tudo o que viu foi sua casa diferente.

Não era mais um local triste, com móveis sem vida, era um
local
aconchegante.

Aconchegante como antigamente. Permaneceu imóvel próximo à
entrada da
cozinha, exatamente no local onde estava a foto caída da
filha e olhou
em volta mais uma vez.

Pôde visualizar as duas razões que tinha para viver
caminhando pela
sala e indo lentamente em sua direção. Sua filha agora estava
crescida, talvez uns dezoito anos, seus cabelos eram da mesma
cor dos
de sua mãe e seus olhos eram a combinação da cor dos olhos
dos pais.
Pelo menos era o que podia ver àquela distância.

À medida que as duas caminhavam sorridentes em sua direção,
seus
corpos iam se desfazendo no ar, como moléculas de água sob o
sol, até
que sumiam por completo e da mesma forma como sua sala
transformara-se
num lugar vivo, voltou a ser o ambiente sombrio e sem vida de
antes.

Piscou algumas vezes e deixou que lágrimas da súbita
felicidade
descessem por seu rosto, agora tomado por rugas de expressão
e de
preocupação. Um singelo sorriso de esperança, no entanto, se
formou e
ele se encaminhou ao quarto, onde leu o bilhete deixado por
Scully:

"Amor,

Como sempre você me deixou sem sobremesas para visitas.
Espero que
lembre que a Lauren vem jantar conosco hoje. O jantar será
mais cedo
pois ela tem toque de recolher no convento onde vive. A
comida já está
pronta.

Por favor, não belisque. Não sei porque peço, se eu tenho
certeza que
você vai fazer isso.

Enfim, estou saindo para comprar uma torta ou sorvete. Receba
nossa
visita, por favor.

Eu te amo,

Dana, a sua Scully."

Como sempre, ela terminava seus bilhetes da forma mais
carinhosa
possível. Alguns anos depois de estarem juntos, ele começara
a chamá-
la de Dana e ela sempre corrigia dizendo que era Dana, a sua
Scully.
Era bom poder relembrar os velhos tempos. Felizes velhos
tempos.

Seu quarto estava muito bem arrumado, como de costume. Após a
sua
volta, de onde quer que tenha estado, sua bagunça foi aos
poucos
acabando, principalmente porque para viver com uma mulher
extremamente
organizada era praticamente impossível manter o mesmo padrão
desordeiro.

Tomou um banho rápido a fim de não se atrasar para o jantar e
assim
que terminou de se arrumar, com uma calça jeans, camiseta
pólo azul
marinho e sapatos semi-sociais, a campainha tocou. Levantou-
se da cama
onde estava sentado e encaminhou-se para a sala.

Ao longo do caminho, parecia que tudo ficava mais lento e
quanto mais
próximo da porta ele se encontrava, mais ele podia sentir uma
vibração
no peito, a mesma vibração que sentira há apenas alguns
minutos.

- O que diabos é isso? _perguntou a si mesmo novamente.

Chegou até a porta e com as mãos suadas a abriu. Um minuto de
tensão
interminável se sucedeu, enquanto apenas olhavam-se
fixamente.

- Pai? _foi tudo o que a menina à sua frente lhe disse.




*******



No caminho para casa, tudo parecia diferente, tudo parecia
mais
bonito. O dia não estava como ela costumava ver. Estava
ansiosa e suas
mãos suavam um pouco, mesmo não estando quente como uma tarde
de
verão.

Comprara uma torta de chocolate com chantilly.

- Todo mundo gosta de chocolate. _ pensou no momento de
escolher.

No rádio, tocava uma música e uma parte da letra chamou a
atenção de
Scully.

So many ways spent hiding in so many undone plans
Forgetting what it's like to fight when no one understands
Close call in the shadows
There's an end to the dark, there is one out there
All those feelings: pain and anger flood back one by one.
They must be just around the bend they always come.

Da mesma forma que na música, Dana também sentia uma
avalanche de
sentimentos tomando conta do seu corpo. Não era na verdade
raiva, mas
tristeza pelo tempo perdido. Quanto à dor, esta estava
presente nela o
tempo todo. Não houve um dia sequer, nesses ___ anos em que
pudesse
dizer que estava feliz.

A felicidade que almejava não era incompleta. Sempre esteve
ao lado de
Mulder, seu maior companheiro, mas faltava sua filha. Lauren
era parte
dela e sem essa parte Scully não poderia levar uma vida
plena.

A visão de um casal com um bebê chamou sua atenção porque os
três
lembravam-na da época em que Mulder retornara e que eles
caminhavam
juntos pela vizinhança, demonstrando toda a felicidade que
sentiam.

Seus olhos, agora marejados por lágrimas, ao relembrar
daqueles bons
tempos, retomaram com atenção total à estrada em que estava
rumo a sua
casa e ao avistá-la permitiu que as lágrimas caíssem e lhe
molhassem o
rosto recém maquiado.

Estacionou na vaga de costume, ao lado da de Mulder e saiu do
carro
rapidamente.

Adentrou sua casa e percebeu Mulder e Lauren na cozinha,
provavelmente
terminando de cozinhar.

_ Cheguei. _ gritou da porta, como era de costume.

Foi andando pela sala até alcançar a cozinha e lá encontrou
seu marido
beliscando a comida e ainda oferecendo a Lauren.

_ Mulder, quantas vezes preciso dizer para não beliscar? Não
viu meu
bilhete?

Ele caminhou até ela e a beijou nos lábios rapidamente, mas
com tempo
suficiente para fazer uma corrente de calor percorrer seu
corpo, como
acontecia todas as vezes que se beijavam. Mesmo após tantos
anos
juntos.

_ Olá, Lauren. Espero que tenha gostado da comida.

_ Oi, Dana. A comida está ótima mas não vejo a hora de comê-
la num
prato. _ ela sorriu e olhou com cumplicidade para Mulder. _
Ele é um
ótimo beliscador.

Todos sorriram, ajudaram a colocar travessas e bebidas na
mesa e
começaram a jantar.

_ E então, já se conheceram, isso é óbvio.

_ Sim, seu marido é bastante divertido, Dana. E falou
maravilhas da
esposa que tem.

Scully observou os dois juntos e uma sensação de deja vú veio
à tona,
o que a fez também lembrar-se de quando jantavam os três
juntos,
Mulder, ela e a pequena Lauren. Mais uma vez seus olhos
encheram-se de
lágrimas. Lágrimas que ela não deixaria cair.

Mulder não estava exatamente à vontade à mesa. Scully não
sabia
exatamente o motivo, mas conhecia aquele homem por tantos
anos e tão
bem que sabia exatamente quando havia algo errado. A maneira
como
estava agindo mostrava que ele apenas tentava parecer
confortável. Ele
não olhava nos olhos da esposa. E quando isso acontecia, era
um mau
sinal.

Por sua vez, Lauren também não estava muito à vontade, no
entanto,
havia uma razão para isso. Ela estava na casa de estranhos,
pessoas
que havia acabado de conhecer, diferentes do que ela estava
acostumada.

Apesar de todo o desconforto de não saber o que estava
acontecendo, o
jantar correu dentro do esperado. Conversaram bastante sobre
a vida de
Lauren e Scully admirou-se da inteligência dela, apesar de
todos os
esforços de Lauren em deixar claro que nunca havia pegado num
livro
sequer.

Mulder, por sua vez, não se mostrava tão surpreso. Ao mesmo
tempo que
parecia estar desconfortável com a situação, parecia também
estar
calmo, como se já soubesse de praticamente tudo o que Scully
conversava com Lauren.




*******




Durante todo o jantar, Mulder se sentiu incomodado por não
poder dizer
a Scully a verdade. Sabia que era tudo o que ela necessitava,
saber da
verdade, mas antes precisava prepará-la para tal. Sabia,
entretanto,
que ela percebera. Sua esposa não era boba e imediatamente
notou seu
desconforto.

Finalmente tudo estava se encaixando e, ao se lembrar de
quando abriu
a porta e reconheceu imediatamente a filha, arrepiava-se de
tal
maneira que sentia um frio percorrer sua espinha. A conversa
franca
que tiveram antes de Scully chegar deixou ambos mais calmos e
ele pôde
pedir a Lauren que esperasse, que não falasse imediatamente a
Scully
que ela era sua filha, por mais que isso lhes causasse dor.

Tudo pelo qual passara apenas alguns minutos antes da
campainha tocar,
antes inexplicável, agora estava fazendo sentido. Era como se
sua
força estivesse voltando e mais uma vez ele podia ver e
sentir algo
pelo qual ainda não havia vivenciado.






Não acredito nisso. Não acredito que finalmente os encontrei.
É tão
difícil expressar em palavras o que estou sentindo. Nada faz
sentido e
o que eu posso fazer é acatar o que meu pai disse.

Meu pai.

Como é bom poder finalmente dizer tais palavras. Como foi bom
chamá-lo
de pai, mesmo que por alguns instantes. Depois de nos
reconhecermos
mais uma vez, ele pediu que eu não comentasse nada com Dana,
minha
mãe. Ele faria isso. Precisava prepará-la para o fato de que
eu
voltei. Que eu finalmente havia voltado.

Ela esperava muito aquele momento, mas ele não achava que ela
estivesse preparada realmente. Não assim, de uma vez só saber
da
verdade. O incrível é que não sentimos necessidade de nenhum
tipo de
exame, ele tem certeza que eu sou sua filha e eu tenho
certeza
absoluta que ele é meu pai.

Meu pai.

A sensação de liberdade e, ao mesmo tempo, de vínculo é
devastadoramente emocionante. Meus olhos enchem-se de
lágrimas somente
de lembrar do rosto do meu pai ao me reconhecer. Foi bom
saber e,
principalmente, sentir que eu pertenço a alguém, a uma
família, que eu
não estou sozinha.

A solidão que tanto me perseguiu por todos os anos em que
estive presa
está agora em vias de acabar. O sentimento de se sentir só
chega a
doer de tanto que precisamos do contato humano. Contato
afetivo,
amoroso. Eu finalmente encontrei o que tanto procurava. Meu
pai e
minha mãe.

Minha mãe.

Eu sabia, sabia desde o início que ela era importante para
mim. Meus
instintos não mentem, nem nunca me enganaram. Eu tinha
certeza que
possuíamos uma relação muito forte. Ela estava tão bonita
hoje e tão
calma. Não vejo a hora de poder abraçá-la como mãe e ouvi-la
me chamar
de filha. Provavelmente vou chorar, porque somente de
imaginar a cena
eu já tenho lágrimas nos meus olhos.

Foi tão bom ver que ela, mesmo sem saber quem sou, ficou
feliz ao
saber que voltarei a estudar. Pelo pouco que pude conversar a
sós com
meu pai, soube que eles sempre foram pessoas estudiosas, que
se
formaram como melhores da turma.

Não pude perguntar maiores detalhes, mesmo porque não acho
que agora
seja a hora. Como eu vivo repetindo para mim mesma, tudo tem
sua hora
e eu saberei o que preciso saber no momento certo.

Por hora, só quero que tudo dê certo na minha velha e, ao
mesmo tempo,
nova família.




*******





As estrelas aquela noite brilhavam intensamente. O céu estava
claro e
Mulder podia observá-las perfeitamente. Estava ansioso e
tenso. Sabia
que Dana havia percebido que havia algo diferente nele.
Porém,
necessitava do momento certo para falar sobre o assunto.
Deixou que os
dois se deitassem e enquanto acariciava os cabelos da esposa
e
observava as estrelas, ouviu a pergunta que já esperava.

_ O que aconteceu hoje aqui?

_ Como assim?

_ Você estava estranho a noite toda.

_ Eu não estava estranho, Dana. Eu sou estranho. _ ele sorriu
da piada
e lembrou-se do tempo dos tempos em que ainda era um agente
do FBI.

_ Mulder, eu te conheço melhor do que ninguém e sei quando
está
acontecendo alguma coisa estranha.

_ Como é que você sabe? Por que você acha isso?

_ Você não olhava nos meus olhos durante o jantar e ainda
tinha um
sorriso nos lábios o tempo todo.

_ Então porque eu estava sorrindo, algo deveria estar errado?
Eu não
poderia estar somente feliz por estar jantando com a minha
família?

_ Como? Sua família? O que você quer dizer com isso?

_ Exatamente o que você ouviu, querida. Minha família.

Ela levantou-se e olhou para ele, que agora mantinha os olhos
brilhantes fixos nos dela.

_ Ela é...

Com um movimento de cabeça e sorrindo, ele concordou. Os
olhos da
esposa brilharam e encheram-se de lágrimas imediatamente,
para
segundos depois, tornaram-se tristes novamente.

_ Você tem certeza?

Agora quem se levantou foi ele, questionando o porquê daquela
pergunta. Já haviam conversado sobre o assunto, inclusive há
poucos
dias e estava tudo bem. Ela havia dito que acreditaria nele,
que sabia
que quando ele visse Lauren e ela fosse a verdadeira, ele
estaria
certo.

_ Por que a pergunta, Scully? _ subitamente era como se
voltassem no
tempo. Quando mesmo com todas as evidências ela se recusava a
acreditar. _ Não já havíamos conversado sobre isso?

_ Eu sei, eu sei. Mas é que é difícil lidar com o fato de que
nós
finalmente a encontramos. Eu sei que falei que estava forte,
mas
pensando agora, ouvindo você falar em nossa família, é como
se tudo
voltasse e eu tenho medo, muito medo de me decepcionar de
novo, de
sofrer como já sofri.

A janela entreaberta chamou sua atenção. Dana levantou-se e
apoiou-se
no batente, instintivamente esperando que seu marido a
acompanhasse e
a abraçasse, fazendo com que ela se sentisse segura. Sempre
se sentia
assim ao ser abraçada por ele.

O abraço aconteceu naturalmente, como sempre. Ambos
suspiraram ao
mesmo tempo ao sentirem o contato de suas peles e desejaram
silenciosamente que tudo desse certo.

_ Desculpe. Eu não queria estragar a sua surpresa, mas...

_ Não precisa falar nada. Eu imaginei que você pudesse reagir
dessa
forma.

_ E ela, Mulder, sabe?

_ Na verdade, ela me reconheceu primeiro.

Um arrepio percorreu as costas de Scully ao relembrar do
primeiro
encontro de pai e filha logo quando Mulder voltara do
seqüestro. Ela
tinha certeza que o mesmo aconteceria, por que então estava
tão cética
agora? Talvez a vontade de que tudo fosse verdade era tão
grande que a
assustava. A verdade, e especialmente a sua felicidade,
podiam custar
caro, como ela própria já havia comprovado.

_ Eu me lembro até hoje, de quando eu cheguei com você e ela
te
reconheceu no jardim da nossa antiga casa. _ Ela disse
sorrindo.

_ Eu também me lembro. Era como se eu já a conhecesse. Como
se tivesse
estado com ela durante todos aqueles anos.

_ Por que não me falou no jantar quando ela estava aqui?

_ Eu queria te dizer sozinho porque sabia qual seria sua
reação e não
queria assustar nossa filha.

Nossa filha.

Como era bom poder ouvir aquilo novamente sabendo que ela
estava viva,
que estava bem. E principalmente, que haviam se encontrado.
Agora
seriam novamente uma família.

Uma família.

_ Mulder, eu não sei o que vou dizer a ela quando a encontrar
novamente.

Ele a beijou na bochecha carinhosamente, pegou suas mãos e
também as
beijou antes de completar.

_ Vai saber sim. Você é a mãe dela.






PARTE III – O FIM


"Trinta e nove anos depois do meu nascimento, cá estou. E
lembro-me
como se fosse hoje quando abracei, aos dezesseis anos, você,
mamãe.
Era como se eu tivesse nascido novamente. Naquele momento,
não havia
lugar para medo, apreensões, infelicidade, nada. Tudo o que
eu sentia
era o seu abraço caloroso e suas lágrimas que corriam soltas
em meu
ombro.

E você, papai, eu lembro exatamente do seu rosto quando nos
reconhecemos na porta de casa e também quando via suas
lágrimas
desabarem pesadamente de seus olhos ao finalmente me ver
abraçada a
mamãe.

Os anos que sucederam ao nosso encontro foram os melhores
anos da
minha vida. Hoje já não lembro mais de praticamente nada do
que me
aconteceu. A felicidade de reencontrá-los fora tão grande que
me fez
esquecer. Meu cérebro simplesmente apagou tudo.

Talvez vocês, mamãe e papai, fossem realmente os salvadores
de tudo e
não eu. Vocês foram fortes o suficiente para agüentarem todas
as
situações terríveis pelas quais passaram. Aguardaram anos a
minha
chegada, lamentando e sofrendo todos os dias a minha
ausência,
enquanto tudo o que eu fazia, era querer lembrar a quem eu
pertencia.

Hoje, anos depois que finalmente nos reencontramos, a
felicidade não
poderia ser um sentimento melhor. Todos os dias agradeço
pelos anos
que ainda passamos juntos e por toda a alegria que vocês me
trouxeram.

Sei que sempre me diziam que, enquanto eu não estivesse ali,
vocês não
seriam totalmente felizes, mas eu sei que vocês eram felizes
e, mesmo
que eu não voltasse nunca, vocês continuariam juntos porque
vocês são
uma pessoa só, cada um com suas características, mas são um
ser
perfeito. Um ser que me trouxe de volta à realidade e que me
permitiu
ser eu mesma.

Hoje, com meu marido, ainda tenho esperança de alcançar o que
vocês
alcançaram juntos, a felicidade suprema, mas não sei se é
possível.
Nada se compara ao que vocês têm em comum. Mas enfim, quero
seguir
seus passos.

É com amor que deixo mais uma mensagem para vocês dois, que
ainda são
tudo na minha vida. Deixo também a foto do mais novo
aniversário da
minha filha, sua neta, Liz. Lembrem-se que vocês são as
pessoas que me
permitem caminhar por essa estrada tortuosa chamada vida e
que me
fizeram ver que a felicidade chega, eventualmente, mas chega.

Com amor da sua amada e orgulhosa de ser sua filha,

Lauren Scully-Mulder"



Lauren abaixou-se e colocou a carta que escrevera para seus
pais no
chão, onde se encontrava a lápide de ambos, onde foram
enterrados lado
a lado.


Amada mãe e esposa Amado pai e marido
Dana Katherine Scully Fox William Mulder
1964 – 2026 1960 – 2026






EPÍLOGO

Washington D.C.
Maio de 2050



Uma garota alta, de cabelos castanhos escuros e belos olhos
azuis,
tentava arrumar o porão da casa onde morava, a fim fazer um
quarto com
pertences importantes de sua família, uma forma de presente a
sua mãe,
quando encontrou um envelope escondido dentro de uma caixa
com antigos
recortes de jornais. A curiosidade foi maior que a discrição
fazendo
com que ela abrisse o envelope endereçado a Lauren.

"Lauren, esperamos que você nunca encontre esta carta. Na
verdade, nem
sei porque a estamos escrevendo se não queremos que você a
leia.
Entretanto, ao mesmo que tempo que desejamos isso, sabemos
que seria
injustiça com você se não lhe contássemos a verdade. Algo que
buscamos
durante tanto tempo.

Hoje iremos, sua mãe e eu, fazer o que deveríamos ter feito
há muitos
anos, evitar que você seja novamente levada pelos mesmos
homens que já
a levaram. Não podemos permitir que sofra tudo novamente ou
ainda
pior. Além do que, sinceramente, não sabemos se é possível
sobrevivermos sem você. A vida durante aqueles tantos anos,
que nem me
lembro mais quantos, em que estivemos separados foi dolorosa
demais
para ser repetida. Temos que fazer isso.

Você tem todo o direito de ficar chateada com o que iremos
lhe dizer
aqui, mas é para o seu bem, e também para o nosso.

A viagem que estamos fazendo hoje, sim, a que nós dissemos
estar indo
a uma outra lua-de-mel, é, na verdade, uma viagem
provavelmente sem
volta. Fizemos o que podíamos para propiciar a você uma boa
vida,
digna de qualquer ser humano. Demos todo o amor que
possuíamos em
nosso coração e agora daremos a nossa vida a você. É o que
podemos
fazer agora a fim de evitar que você seja novamente pega e
sirva de
exemplo para os alienígenas.

A hora seria agora. Você seria levada hoje. Você teria que
deixar seu
lindo bebê e seu marido forçosamente para seguir um destino
que não
deveria ser seu. Infelizmente, as mesmas pessoas que
possibilitaram a
gravidez da sua mãe, são as pessoas que querem você. Querem
que você
seja a salvação para algo que não irá acontecer. Eu tenho
certeza que
não irá. Eu sinto que nada acontecerá.

Porém, somente eu e sua mãe temos certeza disso, Krycek e o
Sindicato
virão atrás de você se Scully e eu não chegarmos até ele
antes de
qualquer outra coisa. Se nós falharmos, você saberá e já
pedimos
desculpas antecipadamente por não termos podido proteger o
que de
melhor temos em comum, você.

Falhando ou tendo sucesso, nós não poderemos voltar.
Provavelmente
morremos no meio de uma batalha com todas as pessoas com quem
sempre
lutamos. Não temos mais idade para muitas coisas, mas podemos
fazer
isso e vamos fazer, mesmo que você não nos perdoe por isso.

Se falharmos, você receberá um envelope com instruções para
se
proteger. Pelo menos para tentar se proteger, se é que isso é
possível. De certa forma, desejamos que encontre esta carta
para saber
da verdade, mas, ao mesmo tempo, é sofrimento demais para uma
só vida.

Lembre-se sempre que fizemos tudo isso por amor e que devemos
colocar
o passado onde ele pertence para seguir em frente.

Amamos você, por isso estamos dando nossa vida em troca da
sua,

Seu pai e mãe.

Washington D.C., 11 de maio de 2026"



Liz secou as lágrimas que caíam insistentemente de seus olhos
e
decidiu não mostrar a carta que acabara de achar escondida a
sua mãe,
Lauren.





***************** Fim **********************






É isso aí, pessoal, demorei sete meses para escrever esta
fic, vocês
acreditam??? É que foi a minha primeira tentativa de escrever
algo
grande e mesmo assim não foi tão grande assim, né??? Espero
feedbacks,
hein??? :)

Mais uma vez, MUITO OBRIGADA às minhas queridas betas!!!
Vocês são
demais, amigas! Muito obrigada por tudo!

Meu email é shipperx@gmx.net Estarei esperando ansiosamente
para ler o
que vocês têm a dizer da fic! :)