Capítulo I

O branco

Aqui as paredes são brancas.

De um puro branquíssimo, de um branco que teme ser sujo.
Pena que tudo aqui não é puro; mas sim sujo.

Não, eu não gosto desse branco. Na verdade nunca gostei de branco. Lembro que minha mãe me dizia que usar branco demonstrava paz espiritual e, era assim que ela me vestia quando ia à missa. Toda santa manhã de domingo, eu estava ao lado dela na santa catedral, ouvindo o que o santo padre enfiado na santa batina branca dizia. Se quer lembro-me do que ele dizia, nunca prestei atenção, até devesse, mas o que adiantaria hoje o que ele falava?

Como dizia, o branco nunca foi interessante pra mim. Branco demais é uma clara demonstração de pureza, coisa que eu nunca tive e, disso eu tenho consciência; apesar de me dizerem que eu não a tenho mais. Ontem mesmo, pedi que mudassem a cor do meu quarto, que o pintassem de azul. Sim, azul! Mas aqueles malditos vestidos de branco se negaram.

E não vejo um motivo claro pra não pintarem de azul. Lá fora, as pessoas costumavam a elogiar os meus olhos, eles agradavam. Então, porque não mudam a cor dessa maldita parede?

Me irrita olhar essa merda de parede, esses merdas ambulantes de branco e muito menos abaixar o olhar e perceber que estou dentro de uma porra de jaleco branco.

Não suporto o branco. Não entendo isso de pureza e de paz.
Acho que o velho na catedral dizia alguma coisa sobre nunca ter pensamentos malignos; mamãe me dizia o mesmo. Agora, digo-lhes que pouco me importa as regras que me diziam.
Não, isso não era uma regra. E por falar em regra, também não me lembro de tê-las seguido.

Sempre acreditei que haveria um Deus que nos olhasse lá de cima e dissesse: "Meu filho segue o teu caminho, pois eu sempre haverei de ajudá-lo".
O caminho que eu segui, nunca houve espaço para um Deus e, hoje acredito que tanto tempo ele tentou olhar por uma brecha e eu as tampava, que enfim ele desistiu.
Desistiu de olhar por mim. Se alguma vez ele tenha olhado foi enquanto eu ia à catedral toda santa manhã de domingo.

O tempo se arrasta dentro desse inferno pintado de branco. Engraçado dizer inferno, lembro que o inferno de Ades¹ era escuro e avermelhado. Mas, dizem que o inferno quem cria é você, e a última coisa que eu queria no meu inferno era o branco.

Não se podem ter relógios aqui. A terapia nos aconselha que marcar e pensar em tempo significa ansiedade, e ansiedade é loucura. Na verdade, você não pode ter um relógio porque talvez, você enfie a porcaria do pino na veia do pescoço. O único contador de tempo se encontra no corredor branco da ala central.

E alguém só freqüenta a ala central quando está prestes a ter a honra de uma terapia elétrica.

Tão pouco me interessa a existência de um relógio nessa merda, eu nunca tive problemas de ansiedade ou suicídio. E aqui, existem mutilados e obesas choronas.

Passei a freqüentar a roda da vida. Onde um bando de infelizes vestidos de branco senta um ao lado do outro contando desgraças.

Nunca passou pela minha cabeça que alguma vez na vida, eu seria obrigado a ouvir sobre a vida alheia. Antes eu era nervoso, hoje viciado. É... as coisas mudam.

Ouço uma loirinha suicida chorar pela traição do namorado, um homem pálido e com a loucura presente nos olhos, dizer abertamente que tinha alucinações com um assassino; um cara que quase não fala e sempre acaba visitando a solitária; outro que tem síndromes maníacas, diz que é Deus, que o mundo é podre e que ele é o único que pode salvá-lo.

E eu nunca tentei me matar por ser corno, nunca tive alucinações em que eu estava transando com um assassino, não costumo bater nos enfermeiros por causa de cigarro – mesmo que eles mereçam, e não acredito que eu seja o Batman.

E se ele fosse Deus, ele poderia me dizer por que ele morreu, ou me explicar porque eu ainda carrego essa cruz idiota envolta do pescoço.

Um adolescente mudo, calado, quieto; enrolando a mexinha do cabelo. Aquele simples ato de se fazer diferente dos outros, de achar que é melhor que todos mesmo estando na bosta; me irrita. Porque aquele maldito albino tem que agir como ele? Não, ninguém é como ele... Tão branco como ele... Não... Ninguém!

Mas a maldita mexinha continua sendo enrolada, tão quieta e muda. Como ele fazia...

Tontura.

Elas andam freqüentes. Eu sei como acabar com isso. Eu sei, mas os malditos enfiados na porra de uma roupa branca dizem que aqui não é um ponto de droga. E o pior que não é. Um beco é escuro e sujo, não branco e extremamente limpinho. Mesmo que às vezes, a mesa de um drogado se encha de pó branco.

Melhor me habituar à tontura e depois a dormir.

Dormir, eu sei o porquê desse sono todo que eu sinto agora. São aqueles comprimidos... Aqueles que um enfermeiro gordo vem me trazer e faz questão de enfiar na minha boca. Ele não é alguém gentil. E o engraçado disso tudo, é a cor desses comprimidos, são coloridos. Não são brancos. Tenho certeza. Sempre fui alguém observador e, saberia se tomasse um comprimido branco; mesmo que eu acabe dormindo um dia inteiro sem perceber.

E duvido que aquele enfermeiro tenha comido alguém na vida.

Eu sei que eu sinto abstinência. Mas aqui eles têm um jeito de controlar. Do mesmo modo que eu fazia, só que agora, minha mãe que paga. Engraçado, antes ela me negava dinheiro e agora ela entrega tudo facilmente. Talvez porque o que eu usava não era legalizado como o de hoje é. Ou porque ela não quer que as comadres mal-comidas da Igreja vejam o filho dela preso.

Preso.

E sabe por quê?

Porque o cara com que eu vivia amanheceu dormindo afogado num vermelho.

Eu me lembro perfeitamente dele, lembro do rosto, do cabelo. Aliás, ele não me deixa esquecer e nem aquele garoto idiota deixa.

Ele costuma aparecer quando eu finjo tomar o remédio à noite. Quando faço isso, abro a janela – mesmo que eu não entenda como ele passe entre as barras de aço; me deito na cama e logo ele aparece. Logo eu volto a vê-lo. O branco da sua roupa, o branco da pele, a cor quase nada dos olhos, o cabelo leve e esbranquiçado. Acontece que ele não vem quieto como antes. Ele vem gritando e gritando...

E logo depois disso, eu escuto um choro e depois outro, outro e outro.

A minha cabeça já não agüenta mais. Não, ela não agüenta. Ela não agüenta olhar essas paredes, essa roupa e lembrar ele.

Foi você mãe, que pagou pra que essa merda toda fosse pintada de branco?

Eu o matei. Foi sem querer, eu juro que foi sem querer. Eu só queria o dinheiro pra poder comprar mais...

A culpa foi dele, foi dele por não me dar o que eu pedi. Foi dele. Não foi minha culpa. Eu não tive culpa!

Não. Eu deveria estar preso, deveria estar...

x

Se eu estivesse em uma cela, eu poderia pintá-las de azul; ou deixaria a cor cinza mesmo.
Quem sabe com aquela excessiva cor, vencesse a falta de cor que um dia eu manchei.

xx

Notas: ¹Hades – Segundo a Mitologia Grega, era o Deus dos mortos e do sub-mundo(Inferno). Fiz a caracterização do desenho Hércules, que no qual os domínios de Hades eram escuros, frios e avermelhados.
Cara, esse desenho é foda! AH, HADES FODA! HAHAHA cof, cof... Hm.

Vou construir um arco de histórias sobre hospício. Sempre foi um tema que eu achei interessante, aliás, a mente humana é muito interessante.

Acho que os personagens de Death Note são deliciosos pra aproveitar essas paranóias e loucuras, e foi o que eu fiz. Pego um personagem de cada vez, dou referência ao hospício, conto em primeira pessoa, e desenvolvo o porquê de estarem internados.

E a primeira história é sobre o nosso doce católico Mello, ah os chocolates eu substituí por drogas, que tal? Ah... Eu penso que ficou bem (?)

Também peço que esperem as demais, porque, eu prometo distribuir uma história independente a cada personagem.
Se quiser comentar, palpitar, elogiar (?), brigar, disser o quanto ficou ruim, ou o diabo a dois; enfim, deixe uma review. E como sempre, agradeço a sua leitura, meu caro leitor!