Pesadelos
- Jaeger, o que foi que eu disse ainda há pouco?
Sonolento, o rapaz de cabelos castanhos-escuros e vívidos olhos verdes teve que conter um bocejo e endireitou as costas ao ouvir a voz do seu capitão. Notou que mais uma vez, deixou-se ficar para trás e por isso, desajeitadamente deu um toque no cavalo para mais uma vez passar à frente do tenebroso capitão que ele podia jurar que continuava a observá-lo. Era como se sentisse o seu olhar gélido cravado nas suas costas. Era um sentimento desconfortável e quase aterrador, pois aquele capitão trazia consigo um olhar que por si só parecia ser capaz de matar.
Eren perguntava-se como o capitão esperava que ele mantivesse os olhos abertos, se estavam a andar a cavalo há horas sem um destino certo. Saíram ao início da madrugada, quando o capitão…
Eren dormia na cela que era o seu "lar" há quase três dias, quando repentinamente sentiu um forte puxão nos seus braços. Ao abrir os olhos, recebeu um soco no estômago.
- Levanta-te Jaeger!
- Capitão Levi? – Balbuciou, contorcendo-se em dores enquanto sentia finalmente os seus dois pulsos livres das correntes que para ele eram quase como tortura, mas para os outros servia como garantia de segurança. – O que se passa?
- Decidi treinar-te, porque não podemos pensar em recuperar mais territórios dos Titãs contigo neste estado lamentável. Precisamos que fiques mais forte e mais disciplinado. – Puxou Jaeger pela camisa que nessa altura, arrepiou-se por inteiro ao ver o rosto do seu capitão tão próximo e com um ar no mínimo aterrador. – Sugiro que te levantes nos próximos segundos e me sigas sem mais perguntas. – Antes de largá-lo, agarrou o seu braço, fazendo o pobre rapaz cair no chão gelado daquela cela. – Mexe-te Jaeger vamos partir dentro de poucos minutos!
"Isso lá é forma de acordar alguém?", Queixava-se Eren nos seus pensamentos felizmente silenciosos para o capitão que seguia imediatamente atrás dele, "Mas também o que devia esperar…" – um sorriso triste desenhou-se nos eu rosto "Todos olham para mim como um monstro, portanto não posso esperar outra coisa". Desde que a notícia de que Eren se podia transformar se espalhou entre os soldados, o medo cresceu de tal forma, que passou a ficar aprisionado. Existiam poucas pessoas que não concordavam com isso, já que graças a ele a Humanidade tinha tido a sua primeira vitória. Só que o medo não é racional e neste caso, a maioria levava vantagem.
- Jaeger chegámos. – A voz do capitão fez com que levantasse o rosto e visse apenas o mesmo bosque por onde tinham caminhado durante horas a fio. Adiante uma montanha imensa e podia jurar que ouvia algum rio próximo.
"O local de treino é bem menos assustador do que imaginei", Eren não podia deixar de sentir-se confuso perante o local escolhido e apenas desceu do cavalo quando recebeu essa ordem. Mesmo assim não conseguia deixar de pensar em como aquilo podia ser uma ideia terrível. Tratava-se de um dos poucos locais calmos dentro das muralhas que durante um treino na sua forma de Titã podia acabar em ruínas. Eren não conseguia perceber o que podia passar pela cabeça do seu capitão que sem mais demoras, disse:
- Segue-me Jaeger.
- Sim, senhor. – Respondeu, caminhando atrás do capitão que parou numa clareira, onde estavam alguns troncos juntos numa pilha. Sem qualquer aviso, retirou umas cordas detrás dessa pilha e começou a prendê-las nos braços, pernas e na cintura de Eren que estático, não sabia se devia ou não perguntar o que era tudo aquilo.
_*_Levi_* _
Jaeger. O que ia fazer com ele? Cada palavra minha parecia que o fazia estremecer dos pés à cabeça e no entanto, quando falava em matar os Titãs a sua personalidade parecia quase tão intensa e forte como a minha. E agora, ali estava completamente rígido e com a boca semi aberta com vontade de perguntar-me algo, mas como sempre o medo impedia-o de dirigir-se a mim. À medida que prendia as cordas nos seus braços e pernas notei que fisicamente não estava assim tão mal, porém a transformação de Titã parecia exigir demasiado do seu corpo e por isso, precisava assegurar-me de que ganhava mais massa muscular. Depois de deixar as cordas bem presas nas suas canelas, levantei-me e encarando-o de frente, continuei a prender a última corda à sua cintura. Vê-lo prender a respiração com a minha proximidade chegava quase a ser divertido, não fosse eu estar tão mal humorado com a sua falta de disciplina.
- Vês aquelas cercas lá ao fundo? – Perguntei e ele assentiu rapidamente. – Vais correr até lá e voltar quantas vezes forem necessários.
- Isso significa…?
- Basicamente, até eu cansar-me de ver-te correr. – Revelei e tornou-se evidente para ele, mal se mexeu que aquelas cordas estavam presas àqueles troncos. Vi a cara de incredulidade que fez ao pensar no que teria que correr sem ao menos saber durante quanto tempo. – Estás à espera do quê, Jaeger? Corre!
A minha voz grave era todo o incentivo de que ele precisou para começar a sua longa corrida. Sabia que não tinha descansado o suficiente e provavelmente, acorrentado há dias naquela cela não podia ter dormido bem ultimamente, mas mesmo assim podia ver a sua determinação. Em momentos como aquele, sabia o que o movia: a sua sede de vingança. Aquilo que um dia julguei ser suficiente, mas que este mundo ensinou-me que é apenas uma peça na longa e injusta luta que travaremos até ao fim das nossas vidas infelizes.
_*_Eren_* _
Teria que aceitar a minha condição dentro da Humanidade que podia virar-me as costas a qualquer momento, mas sobretudo precisava aceitar a minha missão, exterminar os Titãs. O capitão Levi podia ser aterrador, silencioso e misterioso mas ninguém podia contestar a sua destreza, força e habilidade acima da média. Ninguém melhor do que ele para tornar-me num dos melhores soldados de sempre.
- Estás a diminuir o ritmo, Jaeger! Sabes o que isso significa? Vou acrescentar horas a essa corrida vergonhosa!
Forcei os meus membros a moverem-se mais rápido. Mais horas? Nem tinha a certeza de aguentar os próximos minutos. Já tinha perdido a conta de quantas vezes teria feito aquele percurso e se durante a noite não era tão difícil com o nascer de um dia excecionalmente quente, as coisas tornaram-se insuportáveis.
- É assim que pensas ser útil aos Recon Corps? És um inútil! – Berrou novamente, acompanhando-me novamente no percurso. Tinha começado a fazê-lo depois do nascer do sol e sabia que já se havia passado tempo suficiente para pelo menos, vê-lo perder o fôlego, mas nem sinal. Como é que ele fazia para ser tão resistente? Corri até à exaustão total, corri até que a minha visão me deixou.
_*_Levi_* _
- Hei, Jaeger? – Bati-lhe no rosto outra vez sem sucesso e suspirei, revirando os olhos. – Perdeu os sentidos. Lamentável… - Sem cuidado, cortei as cordas com um pequeno punhal que levava comigo e peguei naquele idiota, colocando-o sobre o meu ombro direito. – Isto vai ser mais complicado do que eu pensava.
Já estava a chegar à clareira quando ouvi-o balbuciar algo que não percebi e de seguida, um berro que tentou sufocar.
- Capitão Levi? O que…?
- Desmaiaste princesinha. – Ironizei e bufei em seguida, deixando-o cair no chão. – Francamente, é assim que pretendes salvar a Humanidade?
- Lamento imenso… - Murmurou enquanto sentava-se ainda com dificuldade. Podia ver o quão desorientado ainda estava, provavelmente devia estar desidratado, pois não lhe tinha oferecido sequer uma pinga de água durante todas aquelas horas ao sol. Agora que pensava nisso, talvez tivesse exagerado.
Fui até uma das mochilas que estavam perto de um dos nossos cavalos e tirei uma garrafa de água. Atirei-a e para minha insatisfação, vi quando levou com ela na testa antes de conseguir beber a água. Seria possível alguém ser tão descoordenado ou era mesmo só a desidratação? Sinceramente, esperava que fosse a segunda opção se não iria enlouquecer com aquele treino.
- Capitão Levi?
- O que foi? – Indaguei, vendo-o desviar o olhar um pouco embaraçado. – Essas marcas nas suas costas…
- Ah… - Atirei a minha camisa para o chão. – São só alguns arranhões.
- De Titãs? – Indagou curioso.
Arqueei uma sobrancelha.
- Jaeger não acredito, mas és mesmo virgem? – Perguntei e vi-o assumir quase todas as cores possíveis e imaginárias.
- Capit…Capitão Levi o que tem isso a ver com…com o que eu perguntei?
- Humpf. Unhas de Titãs deste tamanho? A sério, Jaeger? – Pega na minha camisa, vamos até ao rio dar um mergulho e quero que laves isso e as tuas roupas também. Não suporto coisas sujas e tu estavas todo pegajoso e com um cheiro insuportável a suor.
_*_Eren_* _
Como é que a conversa chegou à minha virgindade? Não sei se queria realmente pensar nisso, aliás para quê? Havia outras coisas mais importantes como tornar-me forte o suficiente para um dia quem sabe, conhecer o mundo além das muralhas. Queria corresponder às expetativas de esperança que alguns depositavam em mim e por isso, todo o resto era irrelevante.
Pelo menos era nisso que estava a tentar pensar até a nossa ida ao rio. Não costumava sequer observar o capitão com medo de alguma repreensão, mas desta vez, depois daquela curta troca de palavras não pude deixar de examinar as suas costas. As marcas desvaneciam lentamente num corpo que parecia cuidadosamente esculpido para a tarefa de matar os Titãs. Aquele que mesmo escondido debaixo do seu uniforme costumava arrancar comentários de admiração das mulheres. Embora nunca tenha dado importância a isso antes, agora perguntava-me se a razão não seria exatamente por aquilo que agora começava a ver. Abanei a cabeça para afastar os pensamentos estranhos e mergulhei no rio. Pouco depois, o capitão Levi deixou-me sozinho no rio, ordenando-me que lavasse as roupas ali e depois fosse ao seu encontro para então ter a minha primeira refeição desde que ali tínhamos chegado. Confesso que ouvir falar em comida, lembrou-me finalmente que a fraqueza do meu corpo também se devia à falta de alimentação que já perdurava há horas. Consequentemente, esforcei-me para terminar aquela tarefa rapidamente e quando regressei à clareira com as roupas ainda molhadas nas mãos…
- Usa os ramos das árvores para pôr as roupas, Jaeger e depois veste qualquer coisa e vem sentar-te para comer.
O capitão Levi tinha feito uma pequena fogueira e apanhado um coelho que agora preparava para poder colocar sobre o fogo. Aquela foi a nossa refeição e depois de satisfazer-me, deixei-me cair sobre as ervas já frescas devido ao início de uma noite agradável e com uma imensa lua no céu que observei à medida que fui cedendo perante o sono.
_*_Levi_* _
- Adormeceu. – Concluí ao tocar-lhe com o meu pé no seu braço e vê-lo apenas virar-se para o outro lado. Pretendia treiná-lo mais um pouco, mas se estava exausto ao ponto de adormecer pouco depois de ter comido, resolvi poupá-lo nesse dia. Aproveitei também para descansar e deitei-me a mais ou menos, uns dois metros do rapaz irrequieto. Fechei os olhos, virando-lhe as costas e algum tempo mais tarde, quando finalmente pensava que ia cair no sono, ouvi aquele idiota balbuciar. Procurei ignorar, mas a sua voz elevou-se algumas vezes.
- Treinar um virgem com medo de dormir sozinho? Devem ter-me lançado alguma praga. – Levantei-me, preparado para acordar aquele idiota da forma mais perversa que me conseguisse lembrar. Estava mesmo prestes a perder a cabeça quando no meio dos seus pesadelos, ouvi-o chamar pela mãe. Isso fez-me parar. Se bem me lembrava do que me tinham dito, ele tinha perdido a sua mãe aquando da invasão dos Titãs. Mais do que isso, ele tinha testemunhado a morte dela à sua frente sem poder fazer nada.
- Vou matá-los…a todos! Um por um… - Dizia, continuando a mexer-se. – Vou matá-los e não vai sobrar nenhum! – Uma lágrima escorreu pelo seu rosto moreno. – Mãe…
Cruzei os braços, observando-o. Os horrores que já tinha testemunhado com certeza faziam dele mais humano do que muitos daqueles que se encontravam no interior das muralhas. No entanto, viviam com medo de um miúdo que tinha pesadelos à noite devido à perda sua mãe. Descruzei os braços, decidido pelo menos a acordá-lo para ver se isso o acalmava. Acocorei-me e chamei o seu nome uma duas vezes sem sucesso e sem pensar, ao ouvi-lo falar na sua mãe novamente, levei a mão aos seus cabelos. Esse gesto acalmou-o. Inesperadamente, toda a agitação parecia ter cessado.
- Parece mesmo uma criança… - Murmurei, vendo a sua expressão mais tranquila ainda com uma última lágrima que caiu. Os seus cabelos espessos envolviam a minha mão direita que parecia transmitir-me algo que não recordava ou forcei-me a esquecer. Empatia. Inexplicavelmente, não me senti com forças para sair do seu lado e passei a noite ajoelhado ao seu lado, acariciando os seus cabelos até que a sua voz deixou de se ouvir por completo. Dormiu profundamente sob o meu olhar perdido nos seus cabelos fortes e na sua expressão pacífica.
Felizmente, antes que acordasse, lembrei-me de que não podia fazer algo assim. Ligar-me a ele, não ajudaria nos treinos e por isso, aquela noite fora uma exceção que não se repetiria. Não podia ligar-me a alguém que se um dia se voltasse contra a Humanidade teria que matar com as minhas próprias mãos.
