Capítulo Um:
O Reencontro
Não lembro o que aconteceu, mas acordei em um lugar desconhecido. Em alguns aspectos era semelhante ao meu quarto. Era um ambiente amplo e nele só havia uma cama, um espelho em uma das paredes e um bolo de roupas brancas dobradas em um canto. De fato lembrava meu quarto, mas não tinha nem uma pontinha de capricho e glamour se comparado a ele. Não que fosse um cômodo sujo, aquele em que eu acordara, mas não tinha o aroma de cerejeira como costumava ser onde eu dormia. Com certeza as mãos que haviam limpado aquele simples quarto eram habilidosas, mas não tanto quanto as da senhorita Kaoru. Foi nela que eu pensei quando acordei. Revirava-me à procura do seu sorriso, porém minha busca não teve sucesso. Por um breve momento achei que fosse possível que ao abrir à porta pudesse reencontra-la, mas a minha esperança foi desmoronando cada vez que eu tentava imaginar que lugar seria aquele.
Levantei-me. Estava diferente. Na verdade, melhor do que nunca. Quando me levantara minha cabeça zumbia por alguns momentos por não ter dormido direito. Mas naquela noite e nos dias que seguiram, dormi como se nunca fosse despertar. Minha cabeça já não zumbia, ao contrário, estava mais atenta que o normal para cada barulhinho, mesmo que fosse apenas o som do vento apalpando a grama.
Ao chegar perto da porta, fechei os olhos. Não tinha nenhum sentido de ter feito tal coisa. Talvez tenha sido para lembrar-me do dojo, onde morava, pois tive a impressão de que nunca mais voltaria lá.
Abri vagarosamente a porta e vi o que nunca esperaria ver: a grama estava coberta por um lago bem raso e transparente. Suas águas eram tão puras, que podia ver claramente a grama e a lua sendo refletida. Flutuando sobre a água estavam pequenos vaga-lumes que mais pareciam floquinhos de neve brilhantes carregados pelo vento e que mesmo de tardezinha, vagavam sem rumo. Tudo isso era cercado por cerejeiras que, descuidadas, deixavam suas flores cair no lago.
Olhei para trás e vi que a casa que eu estava era composta apenas pelo quarto em que dormi. Voltei meus olhos novamente para o lago e segui em frente, era o único caminho possível a se seguir.
Uma enchente devastava meus pensamentos carregando minha memória para longe. A única coisa que restava dela era Kaoru, o resto, escapava pouco a pouco. Não me lembrava como tinha vindo para aquele lugar. O meu medo era esquecer dos momentos alegres que passei no dojo.
As águas que banhavam meus pés me empurravam suavemente ajudadas pelo vento.
Não estava mais cansado, não estava mais preocupado com as vidas que tirei. Era como se eu já tivesse cumprido minha missão.
Mais à frente pude ver uma àrvore que se diferenciava das demais. Se não me engano era uma ameixeira. Suas folhas brancas...Parecia que elas me olhavam com um olhar sereno, que se tornava cada vez mais atraente à medida que eu me aproximava. Ao chegar mais perto pude perceber que outros olhos me encaravam. Estes eram mais profundos, mais calmos. Eu conhecia muito bem aquele olhar amaciado pela paisagem e pelo aroma de ameixas brancas.
O vento escorria pelos seus cabelos e as flores invejavam sua beleza e bondade que transbordava pelo seu lindo sorriso. Era isso que me fazia esquecer de tudo e querer correr para a ameixeira e para nunca mais sair de lá. Porém, por maior que fosse minha vontade, eu não me movia. Até cheguei a pensar que as águas tinham congelado meus pés. Novamente olhei para seu rosto, o qual não via há muito tempo, que me deixou tristes lembranças e uma doce e eterna felicidade...Felicidade...foi essa palavra que me fez correr para a árvore e para Thomoe.
Novamente uma onda carregava minha memória e empurrava meus pensamentos, mas desta vez o efeito foi devastador e quando me dei conta eu tinha sido arrastado pela impiedosa força de suas águas.
A árvore parecia estar mais distante do que realmente estava. De fato, o caminho em que eu corria me deu a impressão de ser infinito; de se esticar a cada passo que eu dava. Até que finalmente alcancei o que tanto queria. Ao chegar, ajoelhei-me, para que meu rosto ficasse defronte do dela e para que eu pudesse respirar mais uma vez aquele perfume tão peculiar, mesmo que fosse por apenas alguns segundos. Foi ai que me dei conta de que fazia muito tempo que não a via...E que seria impossível revê-la de novo, por que seu sangue havia sido derramado em vão, fazendo com que a neve ficasse mais gélida e meu coração mais triste. Por isso...Como seria possível? Como ela poderia estar na minha frente? Antes que a resposta mais provável viesse à minha mente, meus pensamentos pararam no segundo em que ela esticou sua mão e disse com essas mesmas palavras:"Olá meu querido".
Pude sentir o calor de seu toque no meu ombro e vi uma lágrima de felicidade escapar pelo canto de seus olhos. E antes que a pudesse abraçar se levantou, e puxou-me para cima. Lembro me que os vaga-lumes nos rodeavam como se fossemos alguma novidade, que as flores desmanchavam-se de inveja e caiam sobre a cabeça de Thomoe.
Ao me levantar, a abracei como nunca havia feito antes. O tempo foi, em fim, bondoso comigo, pois cada segundo pareceu uma eternidade, o que só me fez lembrar de breves momentos felizes quando era jovem. Nos "desabraçamos" e olhamos um para o outro.
Certas pessoas podem achar esse meu romantismo um tanto enjoativo e "melado", porém não foi mais que a simples realidade. E francamente, foi uma das realidades mais agradáveis de minha vida.
Seu olhar penetrou até o fundo dos meus olhos. Segurou minha mão e me fez novamente caminhar pela água, me fazendo voltar ao quarto em que eu tinha acordado. Durante o caminho sequer perguntei para que me lavava de volta, pois simplesmente, naquela hora nada mais importava.
Ao chegar no cômodo , a primeira coisa que mostrou foi o espelho, o qual não mostrava o meu reflexo e o de Thomoe, mas sim uma luz branca intensa que ofuscou meus olhos. Em seguida ela falou com estas mesmas palavras: "Kenshin, querido, a única coisa verdadeira neste lugar é este espelho. Você já deve suspeitar, pois ao contrário não estaria me vendo. Querido, seja bem vindo ao Céu". Pude compreender que estava morto. De fato seria a alternativa mais aceitável das muitas que poderiam se pensar. A única coisa de que tive dúvida era: Por que eu vim para o céu depois de derramar tanto sangue? Foi exatamente esta pergunta que dirigi a Thomoe, porém sua resposta foi: "Vista-se. As roupas estão no canto do quarto. Me encontre novamente na ameixeira que te explicarei tudo.", e após isso se retirou do aposento.
Olhei para os trajes que vestia. Eram os habituais, porém estavam rasgados e manchados de sangue. Ao me trocar, reparei que não havia sequer um ferimento. Larguei meus trajes no chão, pois a ansiedade era muita. Logo eu estava vestido com as roupas brancas que estavam dobradas.
Abri a porta do quarto em que estava. Nem pude acreditar. Meu coração foi parar na minha garganta, pude sentir o sangue passando pelas minhas veias: Eu estava no dojo Kamiya, eu estava na minha casa.
