A história se chama O Prisioneiro e pertence a Hope Tarr bem como os personagens utilizados pertencem a Naoko Takeuchi

MEDIEVAL

Escócia do século XV, um lugar e um tempo em que era difícil ser uma mulher e estar no comando. Para Usagi Tsukino, nova chefe de seu clã, sua primeira tarefa era conceber um herdeiro que assegurasse sua posição. E a melhor forma de conseguir isso seria sequestrando Mamoru Chiba, um homem por quem sentia uma forte atração... e também um de seus mais poderosos inimigos...

CAPÍTULO UM

Feira do dia de são Martin, 11 de novembro de 1450. Saint Andrews, condado de Fife, Escócia

Usagi escapou do edifício onde a festa da feira se reali zava. Embora fosse uma estranha no local, o banquete ofere cido rivalizava com qualquer um que era servido no grande hall de seu pai. Mesmo tendo comido demais, só de pensar nas iguarias que pesavam sobre as mesas — as maravilhosas tortas com os mais variados recheios, doces e salgados, os molhos, as nozes, os queijos e os pastéis — sua boca enchia de água.

Os alimentos apimentados causaram sede e ela tomou muitos copos de leite adoçados com mel. E, agora, sua bexiga cheia não lhe dava mais descanso. Futura laird ou não, ainda era humana. As exigências da natureza não se importavam com títulos ou descendência nobre.

Apertando a manta nos ombros, saiu da área do mercado e se dirigiu para o grande portão em busca de privacidade, os passos quase inaudíveis no caminho enlameado, iluminado por tochas e cercado pelas bancas vazias do mercado. A música de uma flauta a atraiu para um estábulo. A canção dolente parou assim que ela chegou à porta entreaberta.

Concluiu que a música deveria ter vindo de algum lugar distante, então olhou para trás, entrou e fechou a porta. Uma lanterna estava pendurada num gancho na parede mais distante, a luz fraca mal dissipando as sombras. Usagi estremeceu, a escuridão lhe despertando as lembranças infantis de medo de bruxas com enormes narizes com verrugas, demônios com for cados para atacá-la e duendes que roubavam crianças mal-edu cadas durante a noite.

Caminhou devagar pela escuridão em direção à luz, os bra ços estendidos à frente para não esbarrar em nada e cair. As mãos encontraram a parede áspera e, parando num dos cantos, ergueu a saia e se agachou. Ah, doce alívio...

— Você tem um jato de urina bem forte para uma garota.

Usagi se assustou. O coração disparado, abaixou a saia e pulou, procurando nas sombras.

— Aqui em cima.

A voz que a chamava de cima pertencia a um jovem, não a um homem adulto e certamente não a uma criatura do ou tro mundo. O rosto queimando, Usagi dobrou o pescoço para cima e olhou.

Um par de pernas longas e magras balançava abaixo da viga, os pés grandes, calçados com botas, pouco acima da cabeça dela. Os pés pertenciam a um menino de 12 anos, mais ou me nos, com cabelos escuros e ondulados que desciam até os om bros, olhos risonhos e uma flauta de madeira numa das mãos grandes.

Do poleiro em que estava, ele devia ter visto muito de suas partes íntimas. Seis meses atrás, não teria se importado, mas desde que sua menstruação começara, ela se sentia mais sensí vel. A vergonha lhe queimou o rosto como se estivesse perto de uma fogueira.

Determinada a recuperar a dignidade perdida, ergueu o quei xo e o fuzilou com o olhar.

— Devia ter mostrado que estava aí...

Ele pulou para o chão, caindo em pé sobre a palha ao lado dela.

— Por quê? Você não se deu ao trabalho de se anunciar. — Endireitando-se, limpou o feno de sua túnica e calça, ambas precisando muito ser remendadas, e guardou a flauta no bolso.

— Além disso, cheguei aqui primeiro.

Era verdade. Entrara sem convite, embora o estábulo fosse um lugar público.

— Não tem importância. Como futura laird, minha posição é acima da sua.

Em vez de se sentir impressionado, como ela esperava, ele jogou a cabeça morena para trás e riu. Passou uma das mãos so bre os olhos e balançou a cabeça, como se ela fosse uma criança e ele um adulto.

— Meninas não podem ser lairds.

A afirmação enfureceu Usagi.

— Eu posso... e serei. Meu pai jurou que será assim e, como chefe do clã, sua palavra é lei. Um dia serei conhecida como a Tsukino.

O pai lhe dissera que não pretendia casar de novo. Tinha qua tro filhos enterrados, a mãe com o último, e acreditava que nunca teria um filho. Antes de morrer, um acontecimento que Usagi esperava que demorasse muito tempo para acontecer, pretendia nomeá-la herdeira como a única filha sobrevivente.

O jovem virou os olhos, e Usagi se impressionou com sua cor — um azul-escuro, quase opaco — e atribuiu-a a um tru que das sombras, embora não acreditasse nisso.

— Os deveres de um laird incluem a liderança de homens em batalhas. Uma mulher não pode fazer isso.

O comentário atingiu seu ponto fraco. Antes da viagem, ou vira os velhos conselheiros do pai dizerem a mesma coisa.

— Acho que nunca ouviu falar de Joana d'Arc, imbecil.

Ele deu de ombros, largos para um menino.

— Isso é diferente, ela tinha visões de santos... Não me pare ce que você receberá visitas divinas.

Usagi mordeu o lábio. Não podia argumentar, estava sem pre se metendo em encrencas praticamente desde o dia em que começara a andar.

Aproveitando a vantagem, o menino continuou:

— Além disso, você irá casar e ter bebês. Sua barriga vai ficar do tamanho de uma barrica e será gorda demais para li derar seus homens numa batalha, a menos que queira que eles andem como patos. Seus inimigos chamarão o clã Tsukino de clã Quaque-quaque.

Usagi bateu o pé na palha.

— Não chamarão.

— Chamarão sim.

Usagi ficou tão zangada que fechou os dedos em punho, er gueu-o e atacou. O punho bateu com força na barriga do menino, dura como pedra apesar de sua estrutura frágil. O murro teria der rubado outros garotos da mesma idade, mas ele nem se moveu.

— Ouch! — Passando a mão na barriga, olhou-a fixamente, a pureza cristalina do olhar quase fazendo-a lamentar o que fi zera. — Vejo que tem um temperamento que combina com seus cabelos.

Ignorando a referência aos cachos loiros-dourados, no momento presos numa única trança que se desmanchava, Usagi cruzou os braços e fixou-o.

— É um castigo por falar o que não deve, já que não é meu igual. — Passou o olhar pelas roupas comuns com atenção deliberada.

Ele a olhou de volta, os olhos escurecendo.

— Você não sabe se sou um futuro chefe de clã.

Ela observou a manta gasta sobre os ombros e o peito dele. Apesar de desbotada, percebeu o padrão de escarlate brilhante entremeado por verde floresta, as cores dos Chiba.

Usagi deu um passo atrás. Os Tsukino e os Chiba não eram exatamente inimigos, mas também não eram amigos. Nos últimos anos, um número razoável do gado dos Tsukio ha via "desaparecido". Usagi sabia que o laird dos Chiba tinha filhos gêmeos, Seiya e Mamoru, dois anos mais novos que ela e nascidos com a diferença de apenas minutos.

Imaginando qual dos irmãos estava diante dela, perguntou:

— Bem, você é?

Ele sacudiu a cabeça, os olhos perdendo o brilho.

— Não, meu irmão Seiya é mais velho que eu dois minu tos. Sou Mamoru, o filho mais moço. Ela estendeu a mão.

— Sou Usagi, única filha do meu pai. Mesmo disposta a ser amigável, parecia incapaz de deixar de lado o orgulho.

Ele lhe tomou a mão, os dedos longos envolvendo-a, o aperto firme, mas gentil e agradavelmente quente.

— Prazer em conhecê-la, Usagi dos Tsukino. E o que traz a filha de um laird... desculpe, uma futura laird... a uma feira tão distante de nossa ilha natal?

— Estou ajudando meu pai a levar nosso gado para o merca do, mas paramos aqui para ver a feira e celebrar o dia de festa. Ela olhou para a mão, ainda presa na dele. Com o rosto corando, libertou-a.

— Levar gado para o mercado parece um trabalho bem pesa do para uma menina.

Sentiu que ele estava implicando com ela de novo — a re ferência a seu sexo a incomodava. Se tivesse nascido menino, como a vida seria mais fácil. Mas se esticou em toda a sua altura.

Embora ainda em crescimento, já era mais alta que a maio ria das mulheres do seu clã e da altura de muitos meninos da sua idade. Apesar de mais novo, Mamoru Chiba era bem mais alto.

— Não sou apenas uma menina, sou a filha do Tsukino.

— Bem, você é muito bonita, Usagi dos Tsukino. E chei ra como as flores da primavera.

Usagi sentiu o coração bater mais depressa. Ele devia ter percebido o perfume do sabão com que lavara o rosto, o pescoço e os cabelos... uma mistura de flores de cerejeira e lavanda que sua ama, Luna, fazia especialmente para ela.

Mas, melhor ainda, dissera que ela era bonita. Certamente não era feia, mas nunca pensara em si mesma como bonita. Era alta demais, com ossos grandes. E a boca era muito larga. Também havia o problema do cabelo — os cachos loiros-dourados não se submetiam a trancas ou coques. Meninas bonitas eram delica das como fadas, com bocas pequenas e rosadas e cabelos doura dos e lisos, que desciam até a cintura como cortinas de seda.

— É uma pena que seja tão orgulhosa — acrescentou. Ainda pensando no inesperado cumprimento, levou um mo mento para perceber a crítica. Participara de muitos dos dias de julgamento, que ocorriam a cada três meses, e percebera como seu pai sempre tratara todos com a mesma cortesia, desde o mais humilde dos moradores de choupanas até os senhores mais orgulhosos. A maneira justa com que Kenji Tsukino se comportava era uma de suas muitas qualidades, que lhe con quistaram a lealdade absoluta dos membros do seu clã. Embora Usagi tentasse ser igual a ele, parecia que havia fracassado novamente. Seus ombros caíram.

— Acho que devia ser um pouco mais humilde. — Tentando ser justa, acrescentou: — Pode me bater, se quiser.

— Não, não posso.

— Não seja idiota, justo é justo. — Usagi avançou a barri ga magra e se preparou para o golpe. — Vamos, bata.

— Apesar de ser uma Tsukino, você é uma menina. Meu pai me tiraria o couro se descobrisse que lhe bati, e minha mãe acabaria com o que sobrasse de mim. Mas você é muito corajo sa. Acha mesmo que a deixarão ser laird?

— Se meu pai disser que sim, então serei.

— Mesmo assim, você ainda precisará de um marido.

— Sim, suponho que sim. — De todas as coisas que ansiava por fazer quando fosse adulta, casamento estava no fim da lista. Eu sou noiva do meu primo Motoki desde que éramos bebês, mas ele não gosta de brincar fora de casa e meu gato, Artemis, o faz espirrar.

Mamoru ergueu a cabeça, um sorriso lhe iluminando o rosto.

— Então case comigo, sou melhor que meu irmão em quase todos os jogos. Oh, e gosto muito de gatos. Bem, pelo menos eles não me fazem espirrar.

Usagi olhou para ele, curiosa e um pouco agitada. Teria mesmo acabado de receber um pedido de casamento? Se precisava ter um marido, certamente Mamoru Chiba a agradava muito mais que seu primo.

— Terei que pedir a meu pai, mas acho que sim.

— Não tenho nada que sirva como anel, mas, para um noiva do ser real, precisamos trocar alguma coisa.

Usagi parou para pensar. Só o que tinha de valor era a ada ga de lâmina curta que o pai lhe dera no último aniversário. Não queria se desfazer dela.

— Um juramento de sangue serve tanto quanto um presen te, talvez melhor. — Tirou a adaga da bainha, presa na meia, e brandiu-a.

Mamoru não recuou nem se maravilhou com a beleza do cabo incrustado de pedras preciosas.

— Espero que saiba usar isso.

— É claro que sei. E, para provar, vou me cortar primeiro. Virou a palma da mão esquerda para cima. Mordendo o lábio para não gritar, passou a lâmina afiada sobre a ponta do polegar, fazendo surgir um fino semicírculo escarlate.

— Viu? — Estendeu a mão para a dele, mas ele sacudiu a cabeça.

— Eu mesmo me corto, muito obrigado.

Usagi hesitou. Ousaria entregar sua arma a um estranho que pertencia a um clã rival? Rival ou não, não acreditava que a usaria para lhe cortar o pescoço... Era apenas um menino, afi nal, embora muito bonito e forte... Mas o que o impediria de lhe roubar a arma e fugir?

Mas o olhar dele, firme e claro, a fez esquecer o pensamento e lhe despertou alguma coisa, uma estranha sensação que criou raízes em seu coração. O que quer que o destino guardasse para eles, Usagi sentiu que furto não estava incluído. Entregou-lhe a adaga.

— Muito bem. Apenas não tente fugir com ela. Sou forte como qualquer menino e tenho pernas como as de um coelho. Não descansaria até pegá-lo e então cortaria muito mais que seu polegar.

— Usagi dos Tsukino, sem dúvida você é a menina mais ousada que já conheci.

— Talvez devesse conhecer outras pessoas, sair mais.

Ele pegou a adaga e usou a ponta para fazer um corte profun do, semicircular, quase idêntico ao que ela fizera, apenas mais fundo.

Observando o sangue sair, ela não pôde deixar de admirar a forma como ele fizera o corte sem mudar a expressão do rosto.

— Pronto. — Devolveu-lhe a adaga.

Ela pegou, guardou-a na bainha e depois na meia. Estendeu a mão ensangüentada, sentindo-se como se estivesse numa igreja. Eles se deram as mãos, os dedos cortados presos um ao outro, as palmas juntas. Os olhos de Mamoru, com sua cor inusitada, se prenderam aos dela.

— Eu, Mamoru Chiba, juro que daqui a sete anos a reclamarei, Usagi dos Tsukino, como minha noiva.

— Eu, Usagi Tsukino, juro que não tomarei como marido ninguém mais a não ser você, Mamoru Chiba, daqui a sete anos.

Ela afastou a mão e olhou a mancha, uma sensação reverente tomando-a. Seu sangue e o de Mamoru eram um só.

— Temos um pacto.

— Ainda não. Também devemos selar o acordo com um beijo. Usagi ergueu a cabeça.

— Um beijo?

— Sim. Afinal, não é um acordo comum, mas um noivado.

Prestes a fazer 14 anos, ela nunca experimentara um beijo adulto. Ao imaginar os lábios cheios e firmes de Mamoru toman do posse dos dela, teve uma sensação estranha e intensa, parte curiosidade e parte medo. Mas, se ele demonstrara tanta nobreza ao se cortar, poderia ter menos coragem?

Debruçou-se, colocou as mãos nos ombros dele e encostou a boca na dele. O beijo começou suave e gentil como uma leve chuva de verão. Os lábios de Mamoru se movendo sobre os dela eram frios e firmes, seu hálito doce e fresco como erva-doce. Crescera ouvindo, no grande hall do pai, os trovadores e can tores comparando os lábios de uma senhora a pétalas de rosa e seus seios a peitos de pombas. Agora, Usagi podia compreen der o que eles queriam dizer.

As mãos de Mamoru lhe abarcaram a cintura, puxando-a para mais perto do corpo dele, aprofundando o beijo. Forçou-lhe os lábios a se abrirem e mergulhou a língua em sua boca. Uma sensação quente, palpitante, começou em seu baixo-ventre, exa tamente no ponto onde se centralizavam as eólicas menstruais. Mas, o que sentia não era dor. Devia ser aquela sensação de que falavam tanto... desejo.

Usagi recuou, assustada pela intensidade das sensações, e, ruborizada, sorriu para ele, trêmula.

— Acho que afinal você será um marido de verdade.

— Usagi... Usa! Onde infernos se meteu, menina?

A voz do pai se erguendo do lado do fora do estábulo tirou de Usagi o status de adulta, transformando-a mais uma vez em criança. Virou a cabeça em direção à porta, grata por tê-la fechado quando entrara.

A raiva de Tsukino chegava devagar, mas não ficaria nem um pouco alegre em descobrir a filha confraternizando com um Chiba. Se os encontrasse se beijando, poderia nomear seu outro primo, Jédite, como o herdeiro, no lugar dela. Sete anos mais novo, Jédite ainda era quase um bebê. Mesmo assim, não podia se arriscar.

Voltou-se para Mamoru e sussurrou:

— É meu pai, preciso ir embora.

Ele a olhou com tristeza e acenou.

— Muito bem, apenas não se esqueça do nosso pacto. Quan do formos adultos, vamos nos casar.

— Sim, não me esquecerei. — Com o coração pesado, ela se voltou para a porta.

— Usagi, espere.

O coração disparado, virou-se para ele.

— Sim?

Ele lhe estendeu a flauta, mas Usagi balançou a cabeça.

— Não, Mamoru, não posso...

— Sim, pode. —Andou até ela, tomou-lhe a mão e colocou a flauta na palma. — Não vale muito como presente de noivado, mas lhe darei alguma coisa melhor quando formos adultos.

Os dedos de Usagi se fecharam sobre a madeira lisa, quen te por ter estado no bolso de Mamoru. Nunca se sentira tão como vida com um presente.

— Mas não sei como tocar.

Mamoru achou graça. A bela boca se ergueu num amplo sorriso e seus olhos, mortiços poucos segundos antes, brilharam como estrelas gêmeas.

— Não tem importância. Quando nos casarmos, tocarei a música que você quiser.

Do lado de fora, os passos se aproximaram.

— Usagi, Usa, responda, filha.

Usagi era sagaz o bastante para perceber o medo na voz do pai. Estava preocupado com ela. Não ousava se demorar mais. Olhou para Mamoru, sentindo que estava dizendo adeus a um ami go de toda a vida e não a um menino que conhecera poucos minutos antes.

— Adeus até nos encontramos de novo, Mamoru Chiba.

— Você não se esquecerá, não é, Usa? — Os olhos azuis mergulharam nos dela.

— Não, Mamoru, jamais esquecerei. — Beijou-lhe a face, então se virou e correu para a porta.