Tributo para o Albafica de Peixes.
Porque, puxa vida, ele merece isso. -
Disclaimers: Sim, insiram aqui o bom e velho "Saint Seiya é do tio Masami. O que nós podemos fazer além de lamentar (muito)?". Mas porque nem tudo é só notícia ruim: o "Lost Canvas" é da Shiori Teshirogi. XD ANTHO Petit Ange

"Esses seus dias tristes logo irão tornar-se águas passadas."

"Fósseis que ficarão onde devem ficar."

A vida é feita de extremos. Mas os humanos nunca os agüentam. A natureza humana é muito limitada, porque suporta dor e prazer até um certo ponto, e então... Sucumbem. Viram pó. Esfacelam-se e deixam-se levar por qualquer brisa mais forte.

Quando ouviu este ensinamento pela primeira vez de seu mestre, ele acreditou realmente que fosse verdade, que tudo isso resumia a miséria humana. Concordou silenciosamente. Tudo em sua vida era um silencioso perfume. Sem cor nem gosto. Só havia o cheiro.

Desde pequeno, desde as primeiras memórias suas daquele lugar... Desde sempre, tudo sempre foi assim. Uma fragrância doce e envolvente preenchendo todos seus poros, modificando-o. Tornando-o...

"Sua dor secretamente dirige-se à floresta do sono."

"Eu estou guiando-a."

...Uma aberração.

Que humano tem peçonha correndo nas veias? Um veneno escarlate como as rosas do jardim que sempre rodeavam-no. Que tipo de pessoa normal tinha sangue assim?

Não foi só uma vez. Foram várias. Várias vezes teve medo de ferir-se. Não pela dor nem pela percepção de que sua pele iria carregar para sempre as marcas deste ferimento. Era algo muito mais simples e até idiota: tinha medo de seu sangue. Do veneno. Do que ele podia fazer.

Medo. Simples e puro.

E ele pairava.

Aquele medo era seu companheiro de longa data. Sempre prostrado de seu lado, acordando-o de manhã, cobrindo-o de noite, acompanhando cada um de seus passos pelo resto do dia melhor do que sua própria sombra o faria. Seu coração bombeava aquele líquido viscoso e asqueroso, seus membros recebiam-no, moviam-se com a ajuda dele... O que movia sua vida costumava ser a morte para outros.

Quantas as vezes que sentiu nojo dele próprio?

Mas, tanto ou mais do que sentia nojo de seu sangue maldito... Foi delas. De todas elas. Da vermelha à branca.

"Boa-noite, minha dedicada criança."

"Um dia, sua impaciência transformar-se-á num sonho."

Na verdade, não era exatamente nojo. Era um desagrado, uma vontade de estraçalhá-las, de vê-las pisoteadas, de rasgar todo aquele cenário e deixá-lo vazio. Desinfetar aquele ar poluído de perfume natural, o maldito perfume daquelas rosas demoníacas que o tornaram monstro.

Ao mesmo tempo, quando pegava-se olhando-a com os olhos nublados de nada, sentia que, se fizesse mesmo aquilo, iria arrepender-se muito mais tarde. Elas faziam parte da sua vida. Eram suas armas, suas companheiras.

O medo colhia aquelas rosas e levava-as para ele. E, contrariando todas as expectativas, no fim, ele acaba por acolhê-las em seus vasos. Em seu interior. Eram parte dele.

Sua vida particular em nuances de vermelho e branco. Uma família escarlate e vítrea cheirando a perfume peçonhento que ele sempre aspirou, que até já acostumou-se.

"Não há mais nada a ser confessado."

"Só o coração que retorna à sua origem."

E por mais que ele e aquelas rosas formassem um lindo contraste, nem sempre a beleza é sinal de delicadeza e pureza.

O caso deles era um exemplo típico.

Não era apenas seu treinamento que o fazia infeliz. Sua natureza humana também era limitada como a de todos os outros. Ela não conseguia suportar as lágrimas de sangue que suas companheiras faziam-no derramar.

Certamente, se ele, que sempre conviveu com elas, que já as considerava uma parte dele próprio, não conseguia agüentar o fardo que elas depositavam em seus ombros... Quem dirá os outros humanos? O que seria deles se aspirassem esse veneno inebriante? O que seria deles se fossem infectados por sua peçonha? Por sua beleza?

A solidão sempre foi sua companheira. E ela intensificava-se ainda mais nestas horas. Ironia. Um cavaleiro de Atena obrigado a isolar-se para proteger à todos. Proteger as pessoas daquele seu Éden particular que, na realidade, mais assemelhava-se ao Inferno.

Que inocência achar que aquelas rosas bonitas eram só um adorno.

Elas faziam-no derramar lágrimas amargas. Sofrimento e sangue. Eram cruéis. Tão cruéis quanto o Destino que permitiu que ele tornasse-se 'aquilo'.

Proteger a humanidade significava isolar-se e suportar sozinho aquela provação imposta desde que sabia-se como gente.

"Seu sentimento esperou uma eternidade no vale das lágrimas."

"Guiando-se finalmente até o mar aberto das memórias."

Amaldiçoando silenciosamente seu sangue. Suas rosas. Sua vida inteira. Mas seria amaldiçoar ser um Cavaleiro. Seria renegar aquela missão imaculada que era dar sua vida para o bem maior.

Como poder amaldiçoar aquele veneno que corria em suas veias, se ele provava que sua pessoa era digna de ser um protetor?

Sentia-se prensado.

Devia amá-las ou devia odiá-las? Aquelas rosas diabólicas que transformaram-no num monstro que protege o mundo... O que devia à elas, além de um espaço em suas lembranças?

Seus olhos refletiam dia após dia aquelas inimigas perfumadas e coloridas, transformando-as em violeta e azul-celeste em contraste com aquele azul profundo e puríssimo de suas orbes, tal qual seus cabelos esvoaçantes que exalavam o mesmo perfume mortal delas.

Todo seu ser era como uma rosa. O veneno corria dentro e fora de seu corpo. O estigma da morte. Estava para sempre corrompida. Aquele sorriso de pesar que nascia no fundo de sua alma lhe confortava.

Ninguém mais viria a saber o quão pesado era aquele fardo.

Tão delicado... E, ao mesmo tempo, tão terrível... Até quando conseguiria manter sua sanidade, por Atena?

Sua bondade não agüentaria toda uma vida.

"Boa-noite, criança dos olhos e ouvidos molestados por esta moral."

"Pode dormir em meus braços."

Havia um inimigo a ser combatido.

Ele não exalava um odor almiscarado, adocicado... Exalava a putrefação de cadáveres, tinha a imagem da morte cravada em sua alma, convidando todos que encaravam-no a seguir com ele, a serem sugados no vórtice negro que era deixar de existir.

Havia mais de um inimigo a ser combatido.

Todos os humanos, divinos ou não, com cosmos infinitos ou apenas com a fé como arma... Todos tinham inimigos a serem combatidos.

Mas... Entretanto...

Aquele que sempre foi seu inimigo agora cooperava. Uma rosa pura transformando-se em puro veneno. Um tom imaculadamente branco manchando-se devagar com o escarlate do sangue. Pétalas ora brancas ora vermelhas libertando-se da prisão do caule verde, carregadas, dando a prévia do que estava por vir.

A sua libertação. O seu cárcere.

A morte vem rápido demais e ainda mais rapidamente arrasta tudo que está destinado à acompanhá-la um dia.

Seu inimigo foi um deles.

Sua vida seria dela também.

"Você, abandone suas preces."

"Abra os olhos e deixe-se voltar às suas origens."

E então, seus olhos nublados fixaram-se nas mãos pálidas e trêmulas. E, pela primeira vez, viu algo em si do qual orgulhou-se: uma mão branca manchada de vermelho. Uma rosa vermelha e bela como ele nunca viu igual. Desabrochada como que recém saída de uma primavera gloriosa.

Uma rosa nascida de seu veneno. Delicado inimigo que floresceu graças à sua maldição. Um inimigo que salvou o que ele queria proteger. A vila. O santuário. Todo um mundo.

Pela primeira vez, aquele sangue não o assustou. Pela primeira vez, o cheiro daquela rosa não o enojou.

Ele viu outra coisa nelas: a beleza.

E elas pareceram envoltas num brilho sagrado que parecia arrastá-lo, minando sua pouca resistência. Sentiu-se envergonhado por renegar por toda uma vida aquele aroma doce, aquela coloração única... Sangue de seu sangue. Uma rosa escarlate nascida da sua dor.

As pétalas desprendiam-se da delicada rosa. E quando uma delas voou, ele ergueu fracamente a cabeça para admirar o céu.

E, então, chorou.

"Eu convivo há tanto tempo com estas rosas..."

"E, hoje, foi a primeira vez que realmente as achei belas."

Fim.

In memorian.

Albafica estará sempre eternizado no coração desta autora... TT

Descanse em paz, pobre criança...

Nota de esclarecimento ao fato que provavelmente muitos já perceberam: eu ser uma fã obviamente atrasada. XD