Drabble escrita para o Projeto Toujours Pour, do 6V.

Itens: Pérolas; amor


Madrepérola

Ela conta as pérolas em seu pescoço. Uma, duas, três vezes. Toca cada uma delas como se quisesse certificar-se de que elas continuam ali. Cada uma das suas 69 pérolas são apalpadas todas as manhãs de todos os dias, inclusive aos domingos.

Cassiopeia já não se recorda quem lhe deu o colar – talvez seja alguma coisa de família, talvez tenha sido de algum pretendente que ela não guarda sequer uma leve menção na memória. Mas ela tem a mais absoluta certeza de que, seja quem for, essa pessoa a amava.

Então, todas as vezes em que ela se deita sob as cobertas, ela pensa nessa pessoa sem gênero e sem rosto, ela força a mente a procura de alguma pista qualquer e faz de tudo o possível para que sua cabeça vencida pela idade tente formular alguma imagem que não seja apenas feita de borrões. E, a cada noite, ela falha, e acaba dormindo.

E, na manhã seguinte, ela repete todo o processo novamente.

A cada ano, uma pérola é somada ao total; e, a cada ano, Cassiopeia aprende a se acostumar com mais uma pérola, com mais uma ruga, com mais um passar quase imperceptível das estações e com coisas que ela tem a noção de que deveria se lembrar. A cada pérola adicionada magicamente em seu colar, ela sabe que é a sua felicitação por mais um ano de vida.

Então, ela tem certeza que, alguém, em algum lugar, a amou muito. E ela dedica todo o seu amor e solidão e mais amor e solidão a este colar.

É o seu rosário de ternura e de devoção – esses sentimentos que ela não dedicou a nenhum de seus pretendentes de rostos e nomes esquecidos e a nenhuma criança feita de sangue e lágrimas e fluidos corporais.

E seus cabelos brancos combinam com as pérolas, e seus dentes, e seu sorriso e suas unhas e seus sonhos e as coisas que entram em sua mente ultimamente.

E tudo, tudo, tudo que ela mais ama nesse mundo pode ser contado pelas pontas dos seus dedos.