A culpa é do frappuccino
Disclaimer: Nenhuma das personagens me pertencem.
Nota da autora: Saitou/Kunzite está confuso, Mamoru é a mãe e o resto do Shitennou são os irmãzinhos do mal. Nomes civis dos Shitennou: Saitou – Kunzite, Akira – Jadeite, Hideo – Nephrite e Tamashiro – Zoisite.
— Não.
Mamoru respirou fundo e pensou em contar até três antes de falar qualquer outra coisa. Não que isto importasse, ele iria irritar Saitou mais ainda.
— Saitou... – Mamoru falou com cuidado depois de umedecer os próprios lábios. – Você nem a conhece.
Saitou meio suspirou meio bufou o que fez com que Hideo sorrisse. Hideo não achava a situação engraçada, mas o jeito que Saitou estava levando a conversa era hilário. Saitou sabia que poderia encerrar a conversa com um não mais enfático, mas ele sempre foi cuidadoso com Mamoru. Até quando Mamoru o irritava além do limite.
— Eu só estou tentando ajudar. – Mamoru resmungou e Saitou se sentiu um pouco babaca por estar agindo assim. – Não é nada demais, só um encontro sem compromisso... Ou você está com alguém? Não, se estivesse eu saberia. Oh, você ainda gosta do Tamashiro?
— O que?! – Saitou parou de se sentir a pior pessoa do mundo. – De onde raios você tirou isso?
— A última vez que te vi com alguém foi com ele. – o tom de Mamoru era como se desculpasse.
— Isso faz anos! – Saitou respondeu. – Nós éramos adolescentes!
— Eu sei lá! – Mamoru começou a ficar desconfortável. – E se você não o superou e agora que ele está namorando... Você sabe que ele está namorando, certo?
— Hideo, o que eu fiz para merecer isso? – Saitou perguntou, pedindo ajuda.
— Conhecer o Mamoru desde a infância, eu acho. – a resposta de Hideo foi automática.
— Eu só estou preocupado com você! – Mamoru exclamou.
— Eu estou ótimo! – Saitou resmungou.
— Ótimo? – Mamoru perguntou. – Você está dividindo apartamento com o Hideo que ainda é um estudante, eu tenho que acrescentar.
— Qual é o problema em eu ainda ser estudante? – Hideo perguntou com uma serenidade que disfarçava uma possível briga prestes a explodir.
— Nenhum problema. – Mamoru suspirou. – Eu me expressei mal, não tem nenhum problema em você ser ainda estudante. A questão é que o Saitou está morando com você enquanto ele podia pagar o aluguel de um apartamento...
— Eu pago o aluguel. – Saitou não deixou Mamoru terminar.
— De um apartamento só dele. – Mamoru continuou a falar para Hideo como não tivesse sido interrompido por Saitou.
— Ainda não vi o problema. – Hideo falou pegando a mochila e colocando coisas dentro dela de um jeito que parecia aleatório, mas não era.
— Você podia me ajudar, Hideo. – Mamoru falou. – É convencer o Saitou de ir morar em outro lugar.
— Como é?! – Saitou olhou irritado para Mamoru.
— Não vai acontecer. – Hideo disse ao mesmo tempo. – Porque aí quem vai precisar de ajuda sou eu, para pagar o aluguel.
Saitou olhou para Hideo que ainda colocava os livros dentro da mochila de qualquer jeito. Hideo não precisava de ninguém para dividir o aluguel. Ele morava ali há algum tempo e era autossuficiente financeiramente.
— Hideo...
— Você vai pagar meu aluguel, Mamoru? – Hideo perguntou e respondeu antes. – Não, né? Então me deixa ir trabalhar e o Saitou também! Para a gente poder pagar o aluguel e comida.
A cafeteria estava lotada. O horário de pico combinado com a época de provas fazia daquele lugar um inferno. Saitou não conseguia entender o porquê desse pessoal estar todo ali. Qual era o problema com as bibliotecas? O lugar certo para estudar era biblioteca! Só para aumentar o movimento, o carro de entrega dos bolos tinha acabado de estacionar na vaga de carga e descarga. Saitou ia perder um funcionário.
— Hideo. – Saitou chamou.
Hideo balançou a cabeça sem realmente olhar para Saitou, ele estava concentrado no livro. Saitou olhou por cima do ombro dele e fez uma careta quando viu o que Hideo estava lendo.
— Hideo, não é hora de estudar. – Saitou reclamou.
— Nem todo mundo tem um diploma guardado na gaveta sem usar. – Hideo resmungou. Saitou realmente gostava de como Hideo não ficava rodeando para falar as coisas e jogava as verdades na cara dele. Pelo menos ele sabia o que esperar de Hideo. Por exemplo, nunca ouviria alguma insinuação sobre ele ainda estar afim de Tamashiro.
— Eu poderia dizer que no trabalho, você tem que trabalhar, mas...
— Mas o que? – Hideo parou o marca-texto no ar.
— A moça dos bolos acabou de estacionar e você ameaçou me despejar do seu apartamento se você não pegasse a entrega todas as vezes. – Saitou respondeu, pegando o marca-texto da mão de Hideo e puxando o livro. Hideo não esperou meio segundo antes de deixar Saitou sozinho.
Saitou poderia ter sido mais sensato e impedido Hideo de sair, deixando todos os atendimentos para ele. Aí ele lembrou que Hideo não estava fazendo coisa alguma. Sem contar que vê-lo tropeçando antes de cumprimentar a senhorita Kino era hilário, mas a fila estava enorme e ele precisava atender pessoas.
— Próximo! – ele chamou e ao olhar para o tipo quase gemeu. Era um daqueles hipster com uma camisa de flanela xadrez amarrada no quadril, uma barba que precisava de uma lâmina urgente e um ar de quem não sabia de nada. Até o olhar dele era sonhador demais. – Seu pedido? – Saitou perguntou com um sorriso forçado.
— Ah... Eu...
Saitou começou a ter uma ideia do que iria acontecer e não era nada bom.
— Eu ainda estou em dúvida. – o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril respondeu. – Eu preciso de um tempo para me decidir.
— E por que entrou na fila então? – Saitou perguntou solícito.
— Porque a fila está enorme, cara. – o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril disse como se fosse óbvio. – Ia demorar muito mais decidir o que pedir para depois entrar na fila.
— Demorar muito mais?
— É, eu fiquei muito tempo nessa fila. – ele concordou.
— E mesmo assim você não conseguiu escolher uma bebida? – Saitou perguntou a ponto de perder as estribeiras.
— São muitas opções, cara! – o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril argumentou. Saitou ouviu uma risadinha feminina.
— Olha... – Saitou começou a falar e a dona da risadinha apareceu de trás do hipster indeciso.
— Ei. – ela puxou a manga do hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril. – Vamos fazer uma coisa?
— Hmm, qual coisa? – hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril parecia interessado. Saitou, se fosse honesto, também estava interessado. Não na coisa, mas na garota. Ela era linda e talvez ele estivesse interessado na coisa... Céus, ele não devia estar pensando nisso.
Ela se inclinou no balcão, pegou um dos cardápios e entrou para o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril antes de continuar a falar:
— Você analisa as opções de bebidas enquanto eu peço a minha. Eu já sei o que quero... Que tal?
— Ah, sim... Tudo bem. – o hipster sorriu, apoiando no balcão, e Saitou concluiu que iria precisar de mais pedidos de mocinhas bonitas até aquele cara se decidir. Também concluiu que o cara só aceitou isto porque a garota era bonita. A garota observou o hipster se apoiando no balcão, a expressão dela era de satisfação. Saitou respirou fundo.
— Boa tarde. Qual é o seu pedido? – ele perguntou.
— Bom... – ela colocou os cadernos sobre o balcão e começou a bater o indicador sobre os lábios com um olhar indeciso.
— Ah, por favor! – Saitou explodiu e ela começou a rir. Ela teve a capacidade de rir dele.
— Um frappucino de morango grande. – ela disse um pouco sem ar.
Ele olhou para ela como se estivesse pronto para uma briga. Ela ainda tinha um ar de divertimento no rosto.
— É sério. – ela reforçou. – Um frappucino de morango grande. Era uma piada.
— Seu senso de humor é estranho. – Saitou resmungou.
— Não. Meu senso de humor está ótimo. Você que não tem nenhum!
— Eu sou atendente de uma cafeteria cheia de gente que não sabe o que quer. Não, eu não tenho senso de humor. – ele respondeu de forma passivo-agressiva – Vai beber aqui ou é para viagem?
— Viagem. – ela respondeu.
— Mais alguma coisa? – ele respondeu sem olhar para ela.
— Eu consigo pensar em mais de uma coisa, mas é meio inapropriado. – ela falou. Saitou levantou a cabeça rápido e encontrou ela sorrindo de volta.
— Como assim? – ele perguntou de uma forma, que até ele era obrigado a concordar, estúpida.
— A cafeteria está cheia de gente, ué... – ela balançou os ombros. Saitou estava bem surpreso com o andamento daquela conversa.
— Ah, não tenho problema com coisas inapropriadas, você pode pedir. – o que ele estava fazendo? A garota sorriu, mas claro que ele não estava com tanta sorte assim.
— Ei! – o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril apareceu do nada e Saitou estava com vontade de soca-lo – Vocês fazem substituições?
— Como o que? – Saitou perguntou.
— Leite, cara! – o hispter respondeu com um tom de voz que indicava um discurso inflamado – Leite animal! Isso é secreção animal e é uma crueldade com os animais!
Saitou grunhiu enquanto coçava a cabeça e a garota estava rindo, apesar de estar tentando disfarçar com a mão. Além de tudo, o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril era vegano. Era um pacote completo!
— Nós temos leite de amêndoas. – Saitou respondeu, tentando se controlar – Já escolheu sua bebida?
— Oh, não... Estou só verificando. – o hispter com a camisa de flanela xadrez amarrada no quadril e vegano respondeu.
Saitou grunhiu de novo e olhou para a garota, ela estava olhando para o avental dele, mais especificamente para o crachá dele. Ele levantou as sobrancelhas para ela como se perguntasse algo.
— Saitou. – ela falou e ele sentiu que entraria em combustão a qualquer momento.
— Hmm, o que? – hoje era o dia que ele faria o maior papel de bobo da vida dele.
— Meu frappucino. – ela respondeu.
— Ah, claro. – ele pegou um dos copos grandes e lançou os olhos pela pasta que ela tinha colocado em cima do balcão com os cadernos. A pasta era transparente e ele conseguiu ver o nome dela na grade horária. – Mizuno.
Ela abriu a boca para falar algo, o divertimento reacendendo no olhar dela, mas outro hipster dos infernos pareceu e começou a reclamar em como ela estava demorando a fazer o pedido, o que desviou a atenção dela.
— Ela já fez o pedido, cara. – Saitou falou alto e escreveu o nome no copo – Quando seu pedido estiver pronto, seu nome vai ser chamado. Você pode esperar deste lado aqui. – ele apontou e se virou para o outro hipster dos infernos – Boa tarde, qual é o seu pedido? Considerando que você já saiba o que quer...
A garota tentou falar mais alguma coisa, mas acabou desistindo e foi esperar no lugar indicado. Saitou não tinha tempo para aquilo. Ele não podia se dar ao luxo de perder tempo com paqueras que não iam dar em lugar nenhum.
— Quem é? – Hideo estava colocando o avental e acenando com a cabeça em direção a garota.
— Cliente.
— Ela está olhando inconformada para cá. – Hideo insistiu – O que você fez? Não deu creme extra? Ou ela estava paquerando e você agiu como a porta que sempre é?
— Hideo, vai procurar algo para fazer. – Saitou resmungou – Tem muita coisa para fazer.
Hideo pegou o copo com o nome dela escrito e franziu o cenho. Saitou tomou o copo dele com força e decidiu ir fazer a bebida. Se a bebida estivesse pronta, ela iria embora e Hideo o deixaria em paz.
Saitou colocou a xícara e o prato com um pedaço de bolo no único lugar vazio que, milagrosamente, achou na mesa. Akira não mostrou sinal de ter percebido qualquer aproximação, então Saitou aproveitou para ver o que raios ele estava fazendo. A mesa estava uma zona de papel, lápis de cor e outros tantos lápis de números variados. Akira estava rascunhado quase que furiosamente uma paisagem que era onírica demais para não ter saído da cabeça dele. Tudo que Akira desenhava era um pedaço exato do que ele tinha na cabeça.
— O que foi? – Akira perguntou, levantando a cabeça e tentando tirar a franja loira dos olhos, sujando a testa de grafite.
— Você não tem uma mesa em casa? – Saitou perguntou.
— Por quanto tempo você vai insistir em dizer que não gosta da minha presença aqui? – Akira voltou a olhar para o papel.
— Você está fazendo bagunça. – Saitou resmungou – Isso afasta os clientes.
— Eu estou em uma das mesas escondidas por causa disso, Saitou. – Akira respondeu, escolhendo um lápis azul que Saitou tinha certeza que não estava nas caixas de lápis de cor dele quando era criança – Ou você acha que eu escolhi uma mesa perto do banheiro porque gosto do ambiente?
— Acho que você escolheu uma mesa perto do banheiro porque tem problemas urinários. – Saitou respondeu enquanto Akira ria – Sério, você não tem um lugar para fazer isto em casa?
— Tenho, mas a luz aqui é maravilhosa. – Akira respondeu – E, apesar de todo seu ar resmungão, eu sei que você gosta da minha companhia.
— Não gosto, não. – Saitou respondeu – Só traz problema. Prefiro ficar sozinho.
Akira parou de colorir e olhou para o outro. Saitou se sentiu sob uma análise crítica que não estava a fim de estar.
— É por causa de frases assim que o Mamoru fica te aporrinhando.
— Pelos céus, você também! – amassou o avental entre as mãos.
— Minako é uma gracinha.
— Quem?
— Você não sabe nem o nome dela. – Akira riu – Mamoru disse que você não mostrou interesse, mas eu não sabia que era a este ponto!
— Você aceitaria um encontro assim? – Saitou perguntou.
— Sim! Ela é gata e acabou de terminar um namoro bosta. – Akira voltou a olhar para os infinitos tons de azul dos seus lápis.
— Isso soa tão... – Saitou começou a falar – Aproveitador.
— Não é isso, cara. – Akira sacudiu a cabeça e começou a olhar os tons de verde – É que, se eu tivesse solteiro, eu sairia com ela e a trataria bem.
— Você tem uma namorada. – Saitou falou – Por que não está fazendo essa zona na casa dela? Ela mora em um templo, não é? Cheio de luz!
— Porque eu não vou fazer bagunça na casa dela. – Akira respondeu como se fosse obvio – Ao contrário de você, eu quero ter uma namorada!
— Seu café está esfriando. – Saitou falou e saiu de perto e jogou a bandeja no balcão. Hideo olhou para ele sério. – O que foi, Hideo?
— Eu que te pergunto. – Hideo balançou os ombros.
— Akira estava me enchendo o saco. – Saitou deu a volta no balcão.
— Qual é a novidade nisso? – Hideo riu – Não dá para levar o Akira a sério.
— Por incrível que pareça, ele está sendo sério. – Hideo olhou para Saitou com descrença – E um Akira sério é pior do que o Akira fazendo graça.
— Será que você pode me dizer quais são todas as opções de café que a cafeteria tem?
Saitou sentiu uma dorzinha na cabeça ao ouvir aquilo. Ele já estava se preparando mental e psicologicamente para atender uma cliente sem noção quando levantou a cabeça e encontrou a mocinha bonita rindo.
— Eu estou em dúvida e... São tantas opções! – ela estava fazendo uma cara de confusa exagerada.
— Você está falando sério? – Saitou perguntou, descrente.
— Claro que estou! – ela puxou o cardápio e mostrou para ele – Olha isto aqui! São muitaaaas opções mesmo!
— Por favor... – ele coçou os olhos com as palmas das mãos.
— Maaas... Eu quero um frappucino de morango. – ela continuou e quando ele olhou para ela – Grande. Por favor.
— Você é...
— Adorável? Eu sei. – ela completou, sorrindo.
— Irritante. – ele respondeu.
— Ah, que horrível! – ela colocou as mãos sobre o coração – Isso é jeito de tratar uma cliente? O atendimento aqui é horroroso!
— Vá para outra cafeteria então. – Saitou respondeu e pensou que talvez estivesse indo um pouco longe demais – Tem outras dentro do campus, sabia?
— Eu sei, mas nas outras cafeterias não tem você. – ela respondeu de forma espontânea – Eu prefiro ser atendida por um barista fofo.
— Eu não sou fofo. – ele respondeu, sentindo o rosto esquentar.
— Eu discordo. – ela falou – Você tem espelho em casa?
— Você só quer o frappucino? – ele decidiu mudar de assunto rápido.
— Nossa, que sério você. – ela comentou – Sim, por favor, só o frappucino.
— Eu estou trabalhando aqui, sabe... – ele pegou um copo e rabiscou o nome – Não estou aqui para brincar.
— Sem senso de humor: anotado. – ela falou, rindo – Mas continua fofo.
— É meio ofensivo falar que um cara é fofo. – ele estava preparando a bebida e não estava olhando para ela.
— Eu não acho, principalmente quando ele é fofo. – e após alguns instantes ela perguntou curiosa – O que você prefere? Cara másculo? Barista gost...
— Eu prefiro que... – ele colocou o copo sobre a mesa e encaixou a tampa com cuidado – Você me chame de nada.
— Isso vai ser complicado... – ela pegou o copo e franziu o cenho quando leu o nome escrito – Parece que você realmente tem problemas com nomes...
— Por favor, pegue sua bebida e me deixe...
— Trabalhar. Em paz. Ser mau humorado pelo resto da sua vida. Não escutar o que as pessoas têm de importante para falar. – ela falou com um tom de voz que beirava a irritação – Ótimo. Eu vou. – colocou o dinheiro no balcão e saiu sem falar mais nada.
Saitou voltou a coçar os olhos com as palmas das mãos. O dia estava mais longo do que a paciência dele.
— Ela é bonita. – Hideo comentou – E talvez nem volte mais.
— Se eu tiver sorte. – Saitou resmungou.
— Se você tiver sorte, ela volta. – Hideo respondeu – Se ela for esperta, não vai perder tempo com os seus resmungos.
Saitou estava tentando fechar a porta da cafeteria, que estava emperrada de novo. Ele deu um chute bem posicionado e a porta de vidro se encaixou no lugar certo, antes de ele conseguir dar as voltas necessárias na chave.
— Isso deve ter doído. – Tamashiro murmurou. Saitou olhou para trás e o encontrou com as mãos nos bolsos e um olhar meio constrangido.
— O que você está fazendo aqui?
— Vim comprar um café. – Tamashiro falou, incomodado. Ao que tudo indicava, hoje era o dia que Saitou ia brigar com todos.
— Ops... Estamos fechados. – Saitou respondeu, puxando a porta de metal e a travando – Você quer que eu acredite que você não sabe o horário de funcionamento da cafeteria?
— Tudo bem. Eu vim te ver" – Tamashiro se aproximou ainda com receio.
— Mamoru falou com você e agora está preocupado comigo? – Saitou começou a andar e foi acompanhado por Tamashiro.
— Mamoru conversou comigo. – Tamashiro concordou – Não estou preocupado com você.
— O que você está fazendo aqui então? – Saitou perguntou a contragosto, ele tinha que falar algo para manter aquela conversa.
— Mamoru comentou algo sobre nosso breve e longínquo relacionamento. – Tamashiro foi direto ao assunto – Que você, segundo ele, parecia confuso.
— Mamoru está tentando me empurrar um encontro. – Saitou falou exasperado – E me perguntou sobre você. Não estou confuso, até porque eu não tenho problema nenhum com isto. Ele que está confundindo as coisas, tentando descobrir uma razão para tudo.
— Agora eu sou a razão para você não querer um encontro? – Tamashiro estava um pouco confuso apesar de estar sorrindo– Qual é o problema deste encontro?
— É um encontro a cegas. – Saitou resmungou.
— Oh. – Tamashiro murmurou – Não sabia disto e ainda não sei como eu entrei nessa conversa.
— Você está incomodado de ter sido arrastado para esta confusão?
Tamashiro soltou uma risada abafada antes de responder:
— Sim, estou.
— Tamashiro? – Saitou o chamou com uma ruga de preocupação. Ele nem sabia como formular a pergunta que queria fazer. De todos os seus amigos, Tamashiro era com quem ele mais tomava cuidado.
— Passado é passado, Saitou. – Tamashiro falou, sorrindo mais leve do que Saitou se sentia – Eu não estou aqui, te procurando como já fiz antes. Nós já conversamos e nós já estamos resolvidos.
— Qual é o problema então? – Saitou colocou as mãos dentro dos bolsos do casaco. Estava começando a esfriar.
— Não existe um problema. Eu só achei meio bizarro como eu entrei na conversa. – Tamashiro falou com cuidado. – Só estou aqui para bater um papo.
— Está se privando dos seus estudos e da companhia da sua namorada para conversar comigo? – o tom de voz de Saitou era divertido.
— Você tem um papo agradável. Às vezes.
Saitou sacudiu a cabeça e riu sem estar achando graça daquilo. De uma hora para outra todos estavam agindo como se fossem a mãe dele. Tamashiro suspirou sonoramente.
— Mamoru está sempre preocupado em conseguir uma reação de você. O interesse de Akira é só irritar todos a volta dele e o Hideo... – Tamashiro desatou a falar – O Hideo é o mais esperto de nós, deve estar cuidado da vida dele.
— Ele está em aula agora. – Saitou respondeu.
— Sim, cuidando da vida dele, como eu disse. – Tamashiro concluiu – Só quero deixar claro que, se você quiser, estou disponível para conversar. Sobre encontros arranjados ou o que você vai fazer da vida agora que decidiu não trabalhar na empresa do seu pai e a sua vida está uma bagunça total.
Saitou não falou nada e eles andaram por mais algum tempo em silêncio.
— Pode ser sobre clientes irritantes também." – o tom de voz de Tamashiro era suave, quase como se pedisse desculpas – Hideo disse que você reclama o tempo todo deles.
Saitou soltou uma gargalhada ao ouvir a última frase. Tamashiro ficou satisfeito, nem tudo estava perdido.
— Como você sabe que está apaixonado? – Hideo perguntou depois de atender um cliente que fazia Saitou só pensar em como as pessoas podiam fazer seus cafés em casa.
— Por que você está me perguntando isso?
— Porque só tem você aqui. – Hideo respondeu – E o esquisito do Yusuke que tem uma namorada virtual.
— Ele namora pela internet? – Saitou perguntou surpreso, mas ele nem deveria estar tanto assim, Yusuke era uma coisa totalmente diferente.
— Não. Ele namora com um avatar. De um jogo.
— Céus... – Saitou murmurou baixinho. Por que só tinha pessoas estranhas por ali?
— Então? – Hideo insistiu.
— Você só sabe. – Saitou foi evasivo – Nós estamos falando da Kino?
— Sim. De quem mais eu estaria falando? – Hideo falou, mexendo nas notas fiscais.
— Você sabe se ela está solteira pelo menos? – Saitou levantou a sobrancelha.
— Não sei. – Hideo não parecia preocupado – Perguntei porque ninguém a ajuda com as entregas e ela disse que não tem funcionários.
— Lembro que quando eu a contratei, ela comentou que era uma empresa pequena. – ele comentou – Parece que ela faz os bolos em casa. Perguntou só sobre isso?
— Sim, ela carrega um punhado de caixa e não tem ninguém para ajudar.
— Não está nem um pouco interessado em saber? – Saitou insistiu e Hideo levantou a cabeça – Sobre ter um alguém ou não.
— Sim, mas... Eu nem sei se... – ele parou de falar e voltou a olhar para as notas fiscais.
— Você nem sabe se gosta dela? – Saitou completou.
— Ah, não! Eu gosto dela, certeza que sim. – Hideo respondeu, sorrindo. Saitou achou aquilo alarmante. – Eu não sei se ela está afim... Então me pergunto se é viável estar apaixonado por alguém e esse alguém não querer nada.
—Viável, eu não sei. Só que acontece. – Saitou respondeu – Acontece com uma frequência absurda.
Hideo olhou para ele, sério, e acenou com a cabeça.
— Não estou falando que está acontecendo comigo no momento. – Saitou completou desconfortável.
— Por favor, cara! – Hideo reclamou – Eu estou sendo egoísta aqui e pensando só em mim.
Saitou revirou os olhos.
No mesmo dia, Saitou tinha visto que Mamoru estava na cafeteria. Também tinha visto que ele parecia estar evitando se aproximar, era a única explicação para estar sendo atendido pelo Yusuke e não por ele ou Hideo. Saitou só não conseguia lembrar qual era o problema dessa vez. Era culpa dele ou do Mamoru? Eles estavam sempre discutindo e se entendendo depois. Saitou já tinha visto que Mamoru estava na cafeteria. Também tinha visto que ele parecia estar evitando se aproximar, era a única explicação para estar sendo atendido pelo Yusuke e não por ele ou Hideo. Saitou só não conseguia lembrar qual era o problema dessa vez. Era culpa dele ou do Mamoru? Eles estavam sempre discutindo e se entendendo depois.
— Bom dia, Saitou.
— Bom dia. – Saitou respondeu e decidiu fazer de conta que não viu coisa alguma – Já foi atendido?
— Você sabe que sim. – Mamoru murmurou – Aquele cara é estranho.
Saitou olhou para Yusuke e concordou com a cabeça. O cara era um ótimo barista, excelente com números e balanços de mercadorias, mas era uma negação com pessoas. Não que Saitou fosse bom, mas ele enganava melhor.
— Por que você não veio aqui? Ou atrás do Hideo? – ele perguntou – A gente é estranho, mas pelo menos a gente se conhece.
Mamoru riu. Saitou sempre gostava quando as pessoas riam do que ele falava. Assim ele tinha certeza de que as coisas não estavam tão ruins.
— Tamashiro me contou que te procurou. – Mamoru falou, passando a unha do polegar sobre um dos arranhões do balcão. Ah, então é isso!
Saitou apenas o olhou. Aquilo não era bem um problema, Mamoru não precisava de ter tanto tato.
— Ele me contou da conversa e tal... – Mamoru continuou – Desculpa.
— Pelo o que exatamente? – Saitou perguntou depois de suspirar.
— Você não ficou irritado com ele ter aparecido?
— Não. Por que eu ficaria? – Saitou estava quase rindo – Antes o Tamashiro do que o Akira.
Mamoru riu de novo:
— Realmente não sei qual é o seu problema com o Akira.
— Bem, ele é um engraçadinho. O tempo todo e isto... Meio que me irrita. – Saitou respondeu.
— Ele é o nosso palhacinho, Saitou. – Mamoru falou – Todo grupo precisa de um.
— Então ele podia interagir menos comigo. – Saitou resmungou.
— Nós estamos bem? – Mamoru perguntou com uma ruga de preocupação.
— Não mande mais ninguém atrás de mim.
— Eu não fiz exatamente isto. – Mamoru murmurou – Só comentei a nossa conversa e disse que estava preocupado com você.
— Mamoru, não precisa disto...
— Você está fugindo dos seus problemas e...
— Não vejo a razão de se preocupar, são meus problemas afinal! – Saitou respondeu baixo. Ele não queria chamar a atenção das outras pessoas na cafeteria e, de verdade, nem arrumar outra briga com Mamoru.
— Eu me preocupo porque você é meu amigo e um dia você vai ter que encarar as coisas. – Mamoru respondeu e falou mais baixinho – E eu acho que posso te ajudar, não?
— Não. – a resposta foi curta. Mamoru olhou para ele como se tivesse sido atingindo por algo. – É uma coisa só minha, Mamoru. Um caminho para ser feito sozinho.
— Você não precisa recusar qualquer tipo de apoio. – a resposta veio rápida.
—Talvez... – Saitou respondeu – Mas quem tem que decidir o caminho sou eu e, infelizmente, eu não sei qual caminho seguir.
—Você tem tanto potencial e...
— Ah, por favor! – Saitou o cortou – Não me fale em desperdiçar oportunidades. Você está soando como meu pai! Eu já tive essa conversa com ele e não acabou bem.
— Você poderia estar melhor. – Mamoru murmurou.
— Não, não poderia. Eu não estou bem e fazer o que os outros querem que eu faça não vai me fazer nada bem. – Saitou respondeu – Isto inclui um encontro às cegas.
— Aff, não falei nada sobre isto. – Mamoru falou – Você que disse e parece estar mais interessado do que eu.
— Não tenho interesse. – Saitou sorrindo de um jeito que não era bem um sorriso agradável – Qual a parte de 'não fazer o que os outros esperam' você não pegou?
— Relaxa, cara. – Mamoru sacudiu os ombros – Só estava jogando um verde.
Saitou grunhiu algo inteligível.
— Só quero que você saiba que se precisar, pode contar comigo.
— Mamoru, não precisa se preocupar. Eu estou lidando com as coisas da melhor forma que posso.
— Eu sempre vou me preocupar. – Mamoru recebeu outro grunhido como resposta – É isso que amigos fazem.
— Eu quero um frappucino grande de morango.
Saitou não tinha percebido a aproximação dela, mas o simples fato de começar com o pedido claro e sem indecisões fazia o peito dele mais leve. Claro que ele não conseguia se segurar.
— Sem nenhum 'boa tarde'?
— Pensei em fazer isto bem rápido. – ela respondeu – Aí você pode ficar em paz mais cedo.
Saitou respirou fundo, ele quase se sentiu arrependido do comportamento anterior.
— Sem nenhum 'oi' também. Tudo bem, acho que mereço. – ele falou com cuidado – Mais alguma coisa além da sua bebida açucarada e nada saudável?
— Sério? – parecia que ela tinha perdido o equilíbrio – Você, o barista não fofo porque fofo não é másculo suficiente, está preocupado com a minha saúde?
— Claro que estou. – ele não escondeu o sorriso – Se você morrer de excesso de açúcar ou algo do tipo, vai ser uma péssima propaganda para a cafeteria.
Ela sorriu, o que ele achou uma pequena vitória.
— Só o frappucino mesmo.
— Estou falando sério. – ele continuou pegando o copo, escreveu algo e começou a preparar a bebida – Tanto açúcar faz mal.
— Você fez ou faz algum curso da área de saúde? – ela perguntou.
— Pelos céus, não! – Saitou respondeu de imediato – Não tenho nenhum talento para isto.
— Eu tenho uma amiga que estuda medicina. – ela comentou – Ela fala coisas desse tipo. Aliás, sobre o meu no...
— Ah, deve ser isso! Tenho um amigo que estuda medicina também. – ele não deixou a terminar a frase – Sempre cheio de conselhos não requisitados.
— Não é isso que amigos fazem? – ela sorriu e ele a olhou por algum tempo.
— Meu amigo em questão... – Saitou continuou a preparar a bebida – Age como se fosse meu pai.
— Ele deve gostar mesmo de você.
— Ah, sim. – Saitou concordou e acenou com a cabeça – Nós nos conhecemos há muito tempo.
— Então é só preocupação.
— Preocupação demais as vezes é... – Saitou não sabia o que dizer.
— Demais? – ela completou.
— É... Demais. – ele concordou, colocando o copo na frente dela.
Ela pegou o copo e olhou o nome:
— Olha, nós precisamos falar sobre isto. – ela falou séria.
— Isto o que? – Saitou franziu o cenho.
— Oi, cliente favorita do Saitou! – Hideo surgiu do nada com um sorriso assustador de tão enorme.
— Favorita, é? – ela perguntou, com receio.
— Sim! – Hideo confirmou.
— Hideo, pare com isso! – Saitou murmurou, agora ela ia achar que eles ficavam conversando sobre ela.
— Você é o amigo que estuda medicina? – ela perguntou curiosa.
— Não, eu sou das exatas. – Hideo quase gargalhou.
— Ah, outro amigo então. – ela continuou.
— Ele não falou de mim para você? – Hideo olhou para Saitou – Estou ofendido! Cara, eu deixei você ficar na minha casa!
— Eu pago aluguel, logo a casa é minha também! – Saitou reclamou.
— Garotos, a conversa está muito boa, mas... – ela falou enquanto pegava o dinheiro para pagar – Eu tenho aula agora. – ela pegou de novo o copo que tinha abandonado no balcão para procurar o dinheiro e olhou para a bebida.
— Mas já? – Hideo perguntou chateado e ela sorriu – A gente nem trocou informações úteis ainda!
— Vai ficar para a próxima! – ela respondeu para Hideo ainda sorrindo e se virou para Saitou – Às vezes um amigo muito preocupado, quase agindo como um pai, é melhor do que pais que não estão nem aí.
— Ok. – Saitou se limitou a falar. Ele não sabia o porquê de ela estar preocupada com isso.
— Depois nós conversamos sobre isto. – ela disse sacudindo o copo.
— Ah, sim... Sobre o que? – Saitou perguntou e ela só balançou a cabeça enquanto saia. Será que ele estava errando no ponto da bebida?
— Saitou, ela é uma gracinha. – Hideo estava rindo – Devia investir, hein!
— Vai trabalhar, cara.
Hideo estava entrando, todo atrapalhado – Saitou tinha que dizer – na cafeteria com as mãos cheias de caixas. Kino vinha atrás dele com algumas outras caixas. Hideo não disfarçava seu interesse e ela parecia estar muito bem com isso. Na verdade, Saitou tinha um pouco de inveja daquilo, como Hideo conseguia demonstrar afeição tão claramente. Como ele não tinha um pingo de vergonha e como era... Natural.
— Ainda não entendi o porquê de você fazer as entregas sozinhas. – Hideo comentou.
— Eu já te falei, Hoshino: eu trabalho sozinha. – ela respondeu, colocando as caixas com cuidado no balcão – Eu faço os bolos, eu os embalo e eu os entrego.
— Mas você não tem ajuda de uma amiga ou, talvez, um namorado? – ele colocou as caixas ao lado das dela e deu a volta no balcão. Ela estava rindo. – O que foi? O que é engraçado?
— Esse truque. – ela sorriu – Um dos mais antigos da cartilha.
— Ah... – Hideo riu agora – Você não pode culpar um cara por tentar, não é?
Ela estava gargalhando agora, mas não era dele. Era da situação. Saitou achava aquilo tudo adorável de uma forma assustadora.
— Não vou te culpar. – ela ainda estava rindo enquanto puxava a notas de recebimento para ele assinar – E não, eu não tenho um namorado.
— Ótimo! Quer dizer... – ele começou a se enrolar – Você não tem ajuda e...
— Sabe qual seria o problema de eu ter funcionários? – ela comentou com um rosado surgindo nas bochechas– Não seria eu quem estaria fazendo esta entrega... – ela passou o papel para ele – Para você.
— Isso seria algo terrível! – ele puxou o papel e pegou a caneta dentro do avental – Eu não posso perder sua presença aqui com os bolos, Kino.
— Pode me chamar de Makoto. – ela pegou o papel depois dele assinar.
— Hideo, então.
Saitou estava se sentindo um pouco desajustado por estar acompanhando aquela conversa do outro lado do balcão. A questão que aquilo era meio viciante. Ele nunca tinha entendido a ideia de acompanhar novelas, mas aquilo era bem próximo e... Ele estava bem interessado.
— Sério, cara? – Akira se dependurou no balcão.
— O que? – Saitou ainda estava olhando para Hideo e Kino,
— Você não tem uma vida para viver? – Akira perguntou – Ou uma TV?
— O que você quer? – Saitou bufou.
— Café. – Akira respondeu – Obviamente. O que mais eu iria querer de uma cafeteria?
— Encher o meu saco. Testar a minha paciência. Gastar meu tempo, que é sagrado apesar de vocês não acharem. Ou, talvez, você só quer expor a sua imagem por aqui e me irritar. – Saitou respondeu com um tom monótono.
— Cara, você realmente precisa de uma vida. – Akira falou – Ou uma namorada.
— Isso de novo não!
— Eu nem falei da Minako. – Akira respondeu – Estava falando de uma namorada que te queira.
— Por que? A garota que o Mamoru quer me apresentar não me quer? – Saitou perguntou, desistindo de vez de acompanhar os avanços de Hideo e olhando para Akira. Ele estava com uma mancha de tinta no casaco e não tinha lavado as mãos direito. Tinha até uma mancha azulada perto do ouvido. Devia estar trabalhando com aquarelas de novo.
— Por que você está preocupado com isso? – o outro perguntou – Não tem interesse.
— Não tenho mesmo. – Saitou resmungou – É um encontro às cegas!
— Exato! Ela também não te conhece, cara! – Akira respondeu – E nem está interessada. A namorada do Mamoru que está insistindo com ela igual o Mamoru com você.
— Já acabou?
— Meu café. Sem açúcar.
— Espera um pouco. – Saitou resmungou – Ah, sua cara está suja.
— Que!? – Akira começou a esfregar a cara em todos os lugares possíveis.
— É tinta. – Saitou riu e apontou, no próprio rosto, a região abaixou do ouvido.
— Eu andei na rua com a cara azul! – Akira reclamou.
— Oi.
Saitou parou de limpar o balcão e levantou a cabeça. Ela não parecia bem, nenhum pouquinho.
— Tudo bem com você? – ele perguntou com o cenho franzido.
— Sim.. – o tom de voz dela era sério apesar do sorriso grudado no rosto. Ela nem mesmo tinha se inclinado no balcão como sempre fazia. – Eu quero um frappuccino...
— De morango com creme. – ele completou e ela o olhou surpresa – O que?! Você sempre pede a mesma coisa.
Ela piscou duas vezes antes de falar:
— Certo. Eu sou previsível mesmo...
— Não diria isto... – Saitou diria que ela tem hábitos bem estabelecidos e que não havia problema nisto, mas ela já estava falando de novo.
— Não, não você... – ela murmurou – É o tipo de coisa que o meu namo... Não, meu ex-namorado falaria.
— Ok. – Saitou falou – Senta ali, eu vou fazer sua bebida e te levo.
— É para viagem...
— Não é mais.
Ela abriu a boca para responder e a fechou sem dizer nada. Respirou fundo e se sentou no lugar que ele indicou.
— Qual é o problema? – Saitou perguntou, colocando um copo e uma xícara na mesa e se sentando. Ela olhou com uma das sobrancelhas levantada. – Estou no meu intervalo, posso sentar onde eu quiser.
— Eu não falei coisa alguma. – ela pegou o copo e o girou entre os dedos.
— Sua cara, sabe? Ela fala muito. – Saitou respondeu bebericando da xícara.
— A sua já não fala quase nada. – ela retrucou.
— Desculpe. – o tom de voz dele deixava claro que ele não sentia nada.
Ela começou a mexer com o canudo e sacudiu os ombros.
— Qual é o problema? – ele perguntou de novo, só que agora baixinho.
— Por que deveria existir um problema? – ela perguntou com uma expressão engraçada.
— Você não fez nenhuma graça com a minha cara ainda. – ele respondeu.
— Oh, você gosta quando eu faço graça com a sua cara! – ela estava quase rindo.
— Agora você está parecendo você. – ele murmurou, bebendo mais um pouco do café.
— Oooh, você gosta mesmo! – ela bebeu um pouco do frappuccino.
— Você comentou algo sobre um namorado... – ele perguntou antes de beber mais um pouco do café.
— Ex... Bom... É complicado. – ela murmurou.
— Não é sempre complicado? – ele colocou a xícara na mesa com cuidado.
Ela riu, achando graça daquilo e suspirou antes de colocar o copo sobre a mesa.
— Ele é, era, meu ex... A gente estava quase voltando, só que... – ela levantou as mãos no ar como se isso a ajudasse explicar – A gente não vai mais voltar.
— Você está para baixo por causa disto? – ele perguntou, olhando para a própria xícara.
— Não só isso... – ela murmurou como se não quisesse contar coisa alguma – Eu ganhei uma bolsa de estudo para um intercâmbio. Fora do país.
— Bolsa de estudo? – ele levantou a cabeça e olhou para ela com as sobrancelhas para cima – Faz um tempinho que eu terminei a faculdade, mas bolsas de estudo costumavam ser legais.
— É legal. É muito legal! – ela bufou – Eu gosto muito da ideia de ter ganhado, é um intercâmbio em outro país, é claro que é mais do que legal.
— Qual é o problema então? – ele perguntou e antes dela responder ele continuou – Ah, deixa eu tentar adivinhar o seu ex quase namorado e agora ex de novo não gostou.
— É... Esse é um jeito de colocar as coisas. – ela murmurou, amassando um guardanapo de um jeito meio desajeitado – A gente tinha voltado, aí saiu o resultado da bolsa e... Ele ficou chateado porque eu vou e ele não. Relacionamentos a distância não funcionam, segundo ele.
— Vocês são do mesmo curso? – ela acenou com a cabeça – E ele estava concorrendo a mesma bolsa e não conseguiu? – ela olhou para ele com uma expressão que tentava ser controlada, mas Saitou viu o suficiente no olhar dela – Então, ele não conseguiu o intercâmbio e decidiu te ameaçar com o fim de namoro – que mal tinha recomeçado – caso você vá. Você tem noção que está bem melhor sem ele, não é?
— Sei. – ela respondeu em uma velocidade que surpreendeu ele. Saitou esperava alguma defesa apaixonada ou pelo menos raivosa do ex-quase-namorado. – Eu sei... – ela repetiu baixinho – Eu sei de tudo isso desde a primeira vez que ele deu essa cartada...
— Oh. – ele teve certeza, pelo tom de voz dela, que isto deve ter acontecido várias vezes.
— Oh é uma reação muito boa. – ela riu – O intercâmbio é muito importante para mim. Eu gosto do Saijou, mas... Eu também gosto da música.
— Você estuda música? – ele perguntou surpreso, mas ao mesmo tempo muito interessado em saber mais. Ele podia jurar que ela estudava qualquer outra coisa.
— Não me olhe com essa cara. É um curso ótimo e legal e eu não preciso de mais pessoas, além da minha mãe, achando que nunca vou arrumar um emprego e morrer de fome. – ela reclamou – Ou viver as custas dela para o resto da vida.
Saitou sorriu meio de lado. Ele entendia bastante de pais que forçavam as próprias expectativas sobre os filhos sem se importar com o que as pessoas queriam.
— Sabe, eu sou de uma família tradicional de advogados. Todos fizeram Direito, inclusive eu e... Eu não quero. Não tenho vocação ou seja lá o nome que se dá para a vontade incontrolável de ser algo. – ele começou a falar – Então acho legal que você esteja estudando o que gosta.
— O que você quer fazer?
— Eu não sei. - o tom dele era constrangido - Sei que soa bobo. Não sei o que quero, mas sei o que não quero. E, ainda por cima, não gosto de ouvir que eu preciso decidir logo...
— Não acho. – ela falou – As pessoas não têm que saber o que quer, até porque a gente muda de ideia.
— Muda?
— Claro que muda. Quem diz que não, só não quer admitir. – ela falou com convicção.
— Não tem certeza do que quer ser? – ele provocou.
— O que eu estudo não define o que eu sou ou vou ser. – ela respondeu achando graça – Eu estudo o que eu faço bem.
— Então você não gosta?
— Eu amo, mas posso começar a amar outra coisa. – ela disse empolgada – Eu posso amar tanto isto que decida não prostituir isto.
— Prostituir?! – ele estava rindo.
— É, prostituir é meio forte, mas é nesse sentido! Não parece certo amar algo e usar isto para ganhar dinheiro.
— É aquela história de trabalhe o que você faz e você nunca vai trabalhar na vida?
— Pode ser também trabalhe com o que ama e deixe de amar um dia.
— Você deixa de amar as coisas tão rápido assim?
— Não necessariamente, mas acontece.
— Eu queria conseguir isto... Deixar as coisas ou pessoas irem quando é a hora. – ele estava olhando para algum ponto acima do ombro dela.
— Não acho que deixo as pessoas irem quando é a hora. – ela franziu o cenho – Eu seguro algumas até ser impossível de não soltar. As coisas já é outra coisa...
— Eu não sei porque estou te contando isto tudo. – ele murmurou depois de olhar para ela sério.
— Problema com seu amigo.
— O que? – ele perguntou surpreso.
— Uns dias atrás você me disse que estava com problemas com um amigo. – ela respondeu – Às vezes é complicado se abrir com quem já se conhece há muito tempo.
— Eles já sabem disto tudo também... – ele comentou, estava se sentindo mal – Insistir no assunto só o faria ficar preocupado. Eu só não quero ser pressionado o tempo todo pra decidir algo que eu não consigo decidir.
— Na verdade, nem poderia estar falando isto com as minhas amigas. – ela falou com um tom de quem tenta mudar de assunto – Elas detestam o meu ex e já estaria o xingando.
— Não conheço o seu ex e não gosto muito dele.
— Ele não é sempre assim... – ele fez uma cara de descrença e ela parou de falar.
— Você aceita um conselho? – ele perguntou, ela acenou com a cabeça – Seu ex. É melhor que ele continue sendo um ex.
Ela deu uma risada engasgada. Por um momento ele pensou que tinha ido longe demais, mas ela parecia estar achando engraçado de verdade.
— Sério, não volte com ele. – ele falou baixinho.
— Por que?
— Ele não vale o esforço. Ele quer te segurar e você quer ir estudar fora. – ele estava sendo sincero – E você é bonita, deve ter outras pessoas interessadas.
— Isso é algum tipo de indireta? – o rosto dela estava rosado e ela olhava para a bebida com uma intensidade desnecessária.
— Eu não sento no meu intervalo com qualquer pessoa. – ele respondeu.
— Tudo bem. Eu não exigiria de você decidir rápido o que quer fazer da vida. – ela estava olhando para ele quando disse.
— Eu não te impediria de ir para onde quisesse ir. – ele rebateu.
Ela olhou para ele sem dizer nada. Apesar disto, Saitou não achou o silêncio constrangedor. Na verdade, era bem agradável. As vezes as pessoas ficavam em silêncio por não saber o que dizer, mas parecia que o silêncio deles era daquele tipo quando não se precisa falar. Um silêncio que podia durar muito tempo. Muito mesmo.
Só que Saitou não tinha tanta sorte assim e alguém tinha que atrapalhar aquele momento agradável. Um cliente apareceu e já estava batendo os dedos no balcão, impaciente.
— Eu preciso... – ele sinalizando o cliente.
— Vai lá. – ela sorriu – Já te atrapalhei demais. Obrigada.
