As notícias chegavam de tempos em tempos.
Olivia e seu novo trabalho. Olivia saindo com alguém, e parecia ser sério. Olivia mandando lembranças a todos da Unidade.
As lembranças eram genéricas. As notícias chegavam sempre por terceiros.
Não. Desde a última noite, que cada vez mais se parecia com algum sonho estranho, Elliot e Olivia não haviam se falado. Em sua defesa ele sempre se alegava que, se ele não havia telefonado, ela jamais havia ligado, também. Ele se lembrava bem de quando se separou de Kathy e do fato de Olivia jamais ter dado ao menos uma insinuação de que o queria, na época (embora, se ela desse, ele jamais saberia como lidar com os fatos. Repetindo uma expressão que ela mesma havia usado, as coisas entre eles já eram complicadas o suficiente). Claro. Havia ainda os restos de seu casamento, mas mesmo que não houvessem... ele e Olivia. Ele se perguntava se funcionariam na vida real, se encontrando, fazendo juntos coisas banais. Podia dar terrivalmente errado, então, ele se sentia aliviado por pelo menos não estragar as boas lembranças. Mas ambos podiam estar perdendo o melhor de suas vidas juntos e havia momentos, que ele procurava abafar, em que ele ainda sentia falta dela, desesperadamente. Então, Elliot se sentia um tanto desprezado. E ainda, um pouco egoísta, ao desejar que ela, da mesma forma que havia feito há alguns anos, simplesmente aparecesse pela porta um belo dia e sentasse ali, na mesa que ele ainda considerava dela, apesar de ocupada pelo seu novo parceiro.
Ele jamais se dera ao trabalho de saber mais que o nome dele, e era tudo estritamente profissional, exatamente como deveria ter sido com Olivia. Não aquela dependência, doente e irracional, que agora deixava marcas que provavelmente jamais cicatrizariam por completo. Não aquela idéia completamente absurda que ele se lembrava de ter tido em algum momento, sobre ter sido como um casamento. Havia dias em que a falta dela pesava como nunca, e ainda assim, ele não a podia culpar - Olivia havia feito o que ele jamais tivera coragem de fazer: olhar para dentro de si e escolher o melhor para ela mesma. Fazer sua escolha entre o trabalho e a família.
Aquela foi a mais bombástica das notícias: Olivia grávida. Ainda firme com seu namorado. Mais feliz do que nunca (ele não duvidava de que seria diferente). Então, Elliot abandonou por completo qualquer esperança, se sentindo mais aliviado e desprezado do que nunca.
*
Outro não.
As coisas com Kathy não haviam se acertado; como poderiam? Ele tinha voltado para casa naquela noite se sentido exatamente como imaginara que sentiria: um enorme fracasso.
Dessa vez, em sua defesa, ele alegava que havia sido uma espécie de troco, por Kathy tê-lo abandonado, mas nem mesmo aquele argumento o fazia se sentir menos culpado e errado quando se deitava ao lado dela na cama. E aquilo era tudo: deitar-se ao lado dela na cama. E dormir. Ele nem mesmo se dava ao trabalho de elaborar desculpas quando Kathy, sutil ou abertamente, dizia querer mais. Havia dias em que ele sequer dormia em casa, preferia a solidão e a frieza e os colchões duros da Unidade.
Talvez estivesse ficando louco, mas ele se sentia um pouco mais próximo de Olivia, ali.
Ele sentia pena de Kathy mas não havia nada que pudesse ser feito àquela altura a não ser se sentar e assistir às ruinas da relação desmoronarem. De fato. Pobre Kathy. Ela parecia não acreditar que as coisas pudessem ficar ainda piores, mas era o que havia acontecido. Numa noite, ela chegou até mesmo a lhe perguntar se havia alguém, e ele se sentiu tentado a contar e colocar um fim em tudo, talvez inspirado pela coragem de Olivia. Mas não; não havia alguém. Não mais. Tinha havido, e ele sabia que seu casamento já havia chegado ao fim muito tempo atrás. Como ele havia dito a Olivia, ele jamais dormiria com outra mulher se tudo já não estivesse terminado.
Então, Kathy finalmente também o deixou.
Foi estranho. Ele não sentiu nada parecido com a primeira vez. Estava mesmo anestesiado. Em parte pelo próprio fracasso, em parte pela culpa, porque ele achou que era mesmo o que ele merecia; e finalmente porque nada podia ser pior do que perder Olivia; e ao pensar dessa maneira ele ficava ainda mais certo de que merecia ser abandonado. Kathy não merecia ser enganada. Ela havia sido sua esposa e era a mãe de seus filhos e Elliot, embora tentasse pensar racionalmente e impor a si mesmo que deveria sentir falta era dela, seguia lamentando muito mais a outra perda.
*
Fazia meses. E se ela não havia se dado ao trabalho de procurá-lo, mesmo que para uma conversa, para relembrar os velhos tempos, por que ele deveria tomar a iniciativa?
Ainda assim, quando um caso o levou até a região onde ela morava, ele ficou por ali dando voltas na esperança de vê-la. Mesmo que fosse ridiculamente adolescente. Mesmo que as probabilidades dela ter se mudado para a casa dele, o substituto, o novo mais longo e firme relacionamento na vida dela, fossem bastante altas. Era como se ele e Olivia orbitassem um em volta do outro e fosse simplesmente impossível não se deixar atrair - ainda que pela mais vaga possibilidade de vê-la. Meia hora e três cafés depois, Elliot resolveu que era hora de cair em si, parar de delirar e desistir. E então, ele se viu envolvido em um grande clichê: aquele onde o mundo pára de girar quando se vê alguém. Ele teve dúvidas se era mesmo Olivia, a princípio. Pensou até mesmo estar delirando e confundindo pessoas. Ela estava simplesmente muito mais bonita do que em qualquer outra ocasião que ele já a havia visto, o cabelo mais comprido, a expressão mais tranquila e relaxada e simplesmente radiante. E ela parecia tão surpresa quanto ele: os olhos castanhos, belos e quentes, se arregalaram e sua boca se entreabriu. Mas toda a surpresa durou não mais que um segundo porque ela logo retomou o controle de si mesma – como Olivia sempre fazia. A familiaridade do gesto e mais uma última análise foram suficientes para confirmar a identidade da mulher. Mas Elliot não queria parar de olhar para ela. O verão naquele ano estava sendo quente e ela usava apenas um vestido verde. Ele podia contar nos dedos de uma mão as vezes em que a havia visto vestida daquela forma. Como uma mulher. Mas em nenhuma delas Olivia havia estado tão linda. E era muito fácil descobrir o porquê, ele pensou, quando seus olhos desceram para a barriga dela, já grande o suficiente para se fazer notar sob o vestido solto.
Sua primeira reação foi sorrir. Ele sequer pensou em mágoa e ressentimento e frustração naquele momento – Elliot não poderia estar sinceramente mais feliz por ela.
"Liv", ele disse, se aproximando e segurando a mão dela, num cumprimento. "Parabéns, você conseguiu", e Elliot notou o quanto sua voz soava algo como emocionada e se lembrou subitamente de algo que Fin havia dito: todo mundo torcia por ela.
"Elliot, oi", ela respondeu, com a voz extremamente controlada, mas sem conseguir controlar o sorriso. "Obrigada. Este", ela puxou a mão que ele ainda mantinha presa à dela na direção de uma terceira pessoa, "é Mark."
O namorado. O pai da criança. Seu substituto. Vários sentimentos desencontrados afluíram: alívio, ciúme, alegria por ela outra vez, ressentimento; mas Elliot acabou por forçar a alegria por ela a tomar o lugar mais alto. Ele não tinha o direito de sentir qualquer outra coisa.
"Mark, Elliot. Trabalhamos juntos... durante algum tempo."
Bem, tudo aquilo até ele olhar bem para... o tal de Mark, enquanto os dois se apertavam as mãos. Alto, moreno, olhos verdes. E ele não devia estar em seus melhores dias, a julgar pelo mau-humor visível e por um meio-sorriso cínico nos lábios, que distorcia sua boa aparência. Ainda assim, ele convidou Elliot a se juntar a eles e beber alguma coisa. "Em homenagem aos velhos tempos", ele ainda disse. Olivia hesitou, fitou Elliot por um segundo e acabou concordando, mesmo que não parecesse completamente à vontade com a idéia. Ela provavelmente se arrependia daquela noite, Elliot pensou, ele também não se sentindo muito à vontade mas precisava de um pouco mais da presença dela antes de ir embora.
Se ele ou Olivia prestassem um pouco de atenção a Mark, veriam um olhar não muito amistoso para a namorada, mas cada um estava perdido demais em seus próprios pensamentos para notar o fato. Ela voltou a sorrir e a colocar suavemente a mão sobre a barriga, sobre o bebê, como se fosse seu talismã de felicidade e boa-sorte, como se a simples presença da criança a acalmasse porque era suficiente para sua felicidade. Elliot deu a ela um pequeno sorriso cúmplice.
O bar ficava do outro lado da rua, pequeno, calmo, e não muito cheio àquela hora. Sentaram-se em uma mesa próxima à janela que dava para a calçada, e Olivia sorriu (exatamente o mesmo sorriso que ele se lembrava da última noite e que fazia, por razões misteriosas, seu coração doer) e olhou com carinho para o outro:
"Sabe o quê? Estou morrendo de vontade de batata frita com molho de ostra."
Sem pensar muito Elliot sorriu também. Ele já havia visto um número suficiente de vezes aqueles desejos estranhos – mas agora, era ela, Olivia.
Apenas Mark parecia não estar se divertindo. Ele também sorriu, era verdade, mas um sorriso claramente condescendente. Olivia olhou em volta. Não havia nenhum garçom por perto.
"Você pede pra mim, querido? Tenho de ir a um lugar", ela disse, ficando de pé, de forma um pouco mais lenta e bem mais cuidadosa que de hábito, e a única reação do namorado foi murmurar um "claro".
Elliot decidiu, de repente, que detestava aquele cara. Ele não sabia qual era o problema entre os dois, mas não parecia ser apenas um dia ruim, como ele havia suposto, a princípio. Era algo mais, algo que ele também conhecia bem, porque havia vivenciado todos os dias nos últimos dois anos de seu próprio casamento. Era uma irritação constante com a presença do outro – naquele momento, mantida sob controle. Mas se havia algo que Elliot jamais havia feito era negar qualquer tipo de auxílio a Kathy enquanto ela carregava um filho seu no ventre. Ele não conseguia entender o que Olivia havia visto no sujeito. Pensando bem, ele nunca havia entendido vários dos caras que ela arrumava. Mas agora não era só Olivia. Eram ela e sua criança e ele, Elliot, havia testemunhado e a apoiado mais do que ninguém a luta dela para chegar ali e se sentia, subitamente, muito protetor.
"Olivia está ótima. Nunca a vi tão feliz", Elliot disse, olhando fixamente para Mark como que o ameaçando, caso ele resolvesse estragar a felicidade dela.
"Está, mesmo", o outro respondeu, indiferente.
"Fomos parceiros por doze anos e nuca a vi desse jeito."
"Doze anos."
"Ela lhe falou a respeito."
"Na verdade, não."
Elliot hesitou. Ela nunca havia comentado nada. Seria possível? Seria verdade ou apenas a mesquinhez e o mau-humor do outro? Será que Olivia o havia esquecido com tanta facilidade? Ele se sentia ferido com aquela hipótese. Ele nunca, nunca havia pensado que aquela noite houvesse sido apenas sexo; ele se lembrava claramente dela dizendo que o amava... mas podia perfeitamente ser da mesma forma que ele sempre havia dito a si mesmo amá-la. Fraternalmente. E ela não o procurara, depois, provavelmente por arrependimento, e se ele não tivesse ido atrás dela naquele dia, jamais se veriam outra vez. Elliot se sentiu, subitamente, bastante mau-humorado, também. Ele se calou. Mark, sentado do outro lado da mesa, olhava para o teto com ar de tédio. Ambos tão perdidos em seus pensamentos que se assustaram com a voz que perguntou o que desejavam beber. Mark pediu dois uísques e Elliot, uma cerveja. E olhou de forma intensa para o namorado de Olivia, enquanto pedia ao garçom que esperasse.
"Não está esquecendo alguma coisa?"
O outro fez que não, e Elliot, então, depois de explicar que a amiga estava grávida, pediu também a batata frita com molho de ostra. Mark sacudiu a cabeça, como se o repreendesse:
"Não leve esses desejos tão a sério."
Elliot abriu a boca para responder alguma coisa, embora não soubesse bem porque havia feito aquilo, porque ainda estava ali. Mas Olivia estava voltando para a mesa e ele pensou que dar mais uma boa olhada nela, matar as saudades, ele pensou, sem conseguir tirar os olhos dela, era um ótimo motivo. Havia alguma coisa que a gravidez fazia às mulheres... e ela parecia ainda mais maravilhosa, sorrindo e olhando fixamente para ele, também, corada e sem quase nenhuma maquiagem, do que Kathy jamais havia estado. Mas nem aquela comparação ele tinha o direito de fazer, Elliot pensou com amargura, cortando o contato visual com Olivia, fechando os olhos e tomando um longo gole da cerveja gelada que acabara de ser colocada na mesa. Seria mesmo uma última olhada e ele faria o que Olivia desejava: desaparecer da vida dela para sempre.
Ela parou de sorrir de repente e franziu a testa, olhando para o copo, e disse para Mark:
"Você sabe que não estou bebendo."
Elliot deu um pequeno sorriso de vingança, Mark suspirou, contrariado:
"Não vai fazer diferença alguma."
Ela sacudiu a cabeça, séria, e pediu uma água e se inclinou na direção do namorado e beijou-o rapidamente no rosto, "obrigada", enquanto puxava para si a travessa de batatas fritas. Aquilo pareceu ofender Mark e ele fez uma ridícula saída de cena, deixando o uísque intocado e não se despedindo de ninguém. Elliot ficou estupefato, Olivia, constrangida, mas ela logo pareceu esquecer e voltou a seu estado de felicidade calma, acariciando a barriga com uma das mãos e comendo com a outra. Nada parecia capaz de abalar sua satisfação. Mas Elliot não podia dizer o mesmo a respeito de si.
"Qual é a desse cara?"
Ela sacudiu a cabeça, mastigando, engoliu, bebeu um gole de água e respondeu que Mark tinha seus próprios problemas. Elliot não acreditou nem um pouco naquela resposta, e ainda se sentia menosprezado pelo fato dela jamais ter comentado sobre ele. Ele sempre pensara que o relacionamento deles fosse importante pra ela, mas que diabos. E... ele jamais havia parado de pensar na última noite. Revivê-la em sua mente. Pensava nela naquele exato instante, e não queria demonstrar, porque não havia mais uma terceira pessoa para desviar a atenção de seus próprios pensamentos. Juntos e sozinhos, pela primeira vez em meses, desde que haviam mais ou menos admitido o que sentiam um pelo outro e escondido durante tanto tempo. E ele, pelo menos, havia voltado ao velho hábito de esconder. Olivia parecia constrangida, olhando para ele mas fingindo que não e então, bebendo sua água bem devagar.
Mas por mais que ela estivesse estranha e por mais forte que tivesse sido seu desejo de ir embora cinco minutos atrás, Elliot queria agora ficar. Talvez fosse a insensibilidade do traste do namorado. Talvez ele sentisse pena dela – embora "pena" e "Olivia" não fossem palavras compatíveis. Ela havia sido sempre tão forte e digna, e continuava sendo. Aquela era outra coisa que se tornava mais intensa nas mulheres grávidas: sua força.
E já que o traste não estava mais ali, ele não precisava se conter.
"Como você está se sentindo?", ele perguntou suavemente, olhando para a mão que acariciava a barriga.
Ela abriu e fechou a boca, então sorriu e acabou dizendo que ainda não havia descoberto uma palavra que traduzisse exatamente o que sentia.
"Nenhuma delas é suficiente, El."
Ele sorriu de volta.
"Posso imaginar. Menino ou menina?"
Ela baixou os olhos carinhosamente para o filho ainda dentro de si e respondeu que era um menino.
Garotos eram ótimos, Elliot pensou, recordando-se de seus dois, e então perguntou "quantos meses?", porque o vestido que ela usava, franzido e solto no corpo, não o deixava ver o tamanho exato da barriga.
"Cinco. Mas já falamos demais de mim... como vão as coisas com você, El?"
Ele respondeu genérica e superficialmente que bem, as crianças estavam bem, e deu atenção especial a Kathleen. Ela estava para se formar na Universidade e, tirando uma ou outra pequena recaída, nunca mais havia tido nenhum problema sério. Elliot sequer chegou perto de tocar na palavra "divórcio"; não havia exatamente um motivo, mas não queria que ela soubesse. Ele a conhecia. Ela se culparia de alguma forma, por mais que ele repetisse que aquele seria o fim lógico para ele e Kathy mesmo que Olivia nem existisse.
Mais alguns minutos e seria o fim, ele pensou, olhando, já com nostalgia, Olivia brincar distraidamente com a comida no prato e então, abrir a bolsa e atender ao celular que havia começado a tocar. Como se o próprio Universo conspirasse para um fim rápido:
"... claro que estou aqui, querido. Onde mais eu estaria?"
Elliot, que a princípio desviou a atenção da conversa para não ser intrusivo, ouvia com atenção. Olivia suspirando, tentando argumentar e, por fim, concordando, "tudo bem, amor, já estou indo", desligando o telefone e olhando para ele, vagamente aborrecida: "Preciso ir."
"Eu levo você", Elliot disse, pedindo a conta.
"Não precisa, El, são só seis quadras."
Ele insistiu, porque sentia um desejo repentino e intenso de fazê-la ver o quanto seu substituto era um nada. Era engraçado, ele jamais havia sentido realmente ciúmes de todos os que vieram antes. Mas uma noite juntos, sentimentos assumidos e um filho mudavam muita coisa.
Olivia tornou a se calar quando se sentaram lado a lado no carro. Ele não sabia ser sutil nem tinha tempo ou paciência para ficar dando voltas sobre aquele assunto então Elliot perguntou outra vez:
"Qual o problema desse cara?"
"Mark", ela o corrigiu, seca. "E não há problema algum."
Ele deu uma risada curta e irônica.
"Conta outra."
Ela não respondeu. Por mais devagar que ele dirigisse, seis quadras ainda era uma distância curta demais.
"Por que faz isso com você mesma, Liv?", ele perguntou, num tom que misturava carinho e preocupação com raiva – e ainda não havia ficado claro qual sentimento ganharia a luta dentro dele.
"Faço o quê comigo mesma?", ela se virou para ele franzindo a testa.
"Esses caras", ele resmungou, olhando para a frente, pensando em todos os homens que se aproximaram dela com qualquer outra intenção que não fosse a única admissível a um homem para se aproximar de uma mulher: amá-la. Pessoas interesseiras, que a usavam e ela parecia não se dar conta disso. Caras perigosos. Doentes.
"Que caras, Elliot?", ela perguntou, e ele quase riu, de desespero e saudade e uma ponta de alegria, porque era tão familiar aquilo, os dois no carro, discutindo.
Ele parou o carro, desligou o motor e apoiou o rosto nas duas mãos, exasperado, frustrado, irritado.
"Esses caras com que você se envolve, Liv."
Ela riu sua risada de ironia, e olhou para ele outra vez com os olhos arregalados e sacudiu a cabeça, incrédula.
"E você acha que pode vir assim sem mais nem menos e criticar a minha vida amorosa?"
"Quando ela envolve caras errados e que fazem mal pra você, acho que posso."
Ela empalideceu e suas narinas tremiam de raiva.
"Ah, me desculpa se não sou como você e não fui capaz de encontrar o amor eterno vinte anos atrás", ela disse, fria. "Mas talvez você tenha mesmo razão. Talvez eu me apaixone mesmo pelos caras errados. E sabe o quê? O mais errado, mais insensível e sacana deles, Elliot, foi você", ela disse, e abriu a porta e fechou-a com força, e andou com tanta pressa na direção do prédio que ele não pôde fazer mais nada a não ser ficar ali, com a última frase dela martelando em sua cabeça.
*
Talvez ela tivesse mesmo razão. Droga. Ela definitivamente tinha razão. Como sempre. Elliot podia enumerar diversos, infinitos motivos pelos quaisera um insensível e sacana filho-da-mãe. E nenhum deles era exatamente um incentivo para que ele fosse procurá-la.
Porque ele sentia vergonha e porque cinco minutos discutindo com ela no trânsito tinham sido suficientes para rasgar e fazer sangrar outra vez as velhas cicatrizes. Para fazê-lo entender que só havia uma cura para elas, Olivia, e ele a havia perdido irremediavelmente quando a deixou ir e se envolver e ter um filho com outro - por pior que Mark fosse, ele havia ficado.
Agora era tarde demais para lutar.
*
Então veio uma notícia preocupante: Olivia internada às pressas porque o bebê estava para nascer e tinha havido alguma complicação.
Elliot sentiu-se subitamente sem fôlego, sem sangue e sem chão. Não Olivia, ainda era cedo demais, era injusto demais...
"Há... há alguma coisa que eu possa fazer?", ele balbuciou inutilmente, porque sabia que não havia nada.
"Apenas rezar", Cragen respondeu, ainda mais grave e sério do que o normal, e voltou à sua sala.
Obviamente, foi impossível se concentrar no trabalho naquele dia, e Elliot nem mesmo queria sair do lado do telefone. A cada toque ele esperava, às vezes pelo pior, às vezes pelo melhor. E prometia a si mesmo, se fosse possível, fazer com que Olivia o perdoasse por tudo. Naquela noite, ele dormiu na Unidade e seguiu o conselho do chefe e rezou como nunca (mesmo que se achasse indigno de pedir o que quer que fosse a deus por ter sido um praticante tão ruim).
Foi no dia seguinte que ele soube o resultado de suas preces:
"Ela está bem", Cragen anunciou, seu semblante o oposto exato do dia anterior. "A criança já nasceu, é um menino. Eles vão ficar alguns dias no hospital mas já podem receber visitas."
Foi a repetição exata, na intensidade, inclusive, do alívio e gratidão que Elliot sentiu quando seu último filho nasceu. Mas ele ainda debateu internamente se deveria ir, assim tão cedo, se não seria melhor deixar Olivia se recuperar totalmente antes de sobrecarregá-la com emoções não muito agradáveis. Mas Elliot acabou resolvendo que a primeira atitude para mostar a ela que não era mais insensível seria dizer que estaria lá, ao lado dela.
O presente. Primeiro ele pensou em alguma coisa útil e genérica como roupas para a criança, mas num impulso súbito acabou escolhendo uma outra coisa. No trajeto até o hospital ele pensou no quanto aquele presente era estúpido e sentiu ímpetos de voltar e comprar outra coisa por pelo menos meia dúzia de vezes. Não era mesmo pesado o suficiente, caso Olivia resolvesse atirá-lo nele. Bom, ela podia atirar também as flores. Pelo menos, elas tinham mais volume. E espinhos. Elliot se sentia tenso e ansioso. Repetia para si mesmo que era apenas uma visita inofensiva a uma amiga e, fosse em outra época, até dois meses antes, ele poderia facilmente se convencer daquilo.
Seus olhos estavam fechados, como se ela dormisse, então ele pôde obesrvá-la bem. Olivia estava pálida, cansada, o cabelo amassado e desalinhado - mas ela parecia mais em paz do que ele jamais a havia visto. De forma que ele sentiu uma ponta de culpa quando ela abriu os olhos e olhou diretamente em sua direção, como se soubesse o tempo todo que ele estava lá, e uma expressão estranha e indecifrável surgiu no rosto dela. Como se ela não esperasse ou não o quisesse ali. Então ela sorriu e disse fracamente, "oi".
Ele respondeu ao cumprimento e perguntou:
"Como estão as coisas?"
"Bem. Foi só um pequeno susto", cansada e feliz.
Elliot se aproximou da cama e entregou as flores a ela. Observou os olhos castanhos se surpreendendo e o cabelo escuro caindo sobre o rosto quando ela se inclinou para sentir o perfume do buquê. Então, ele a ajudou a enocntrar espaço sobre o criado-mudo e entregou o pequeno pcaote embrulhado em papel azul.
"Oh", ela disse.
"É para o..."
"Edward. Ed", ela completou, sorrindo. Mas o sorriso morreu assim que ela terminou de desfazer o embrulho. Uma ruga de preocupação surgiu entre as sobrancelhas dela e ele teve a impressão de que Olivia se tornava ainda mais pálida.
"Você não gostou", ele se apressou a se desculpar. "Eu sabia, devia ter trazido outra coisa..."
"Não, tudo bem", ela o interrompeu e colocou ao lado das flores o carrinho da polícia de N.Y. "Tenho certeza que o Ed vai se divertir com ele, é o que importa", e então, ela se calou e apenas ficou olhando para ele, enigmática, por muito tempo. "Acho que você vai gostar de saber que terminou", ela disse, com uma ponta de ressentimento na voz. "Eu e Mark."
Ah, droga, que droga.
"Me desculpa, eu não quis... eu jamais devia ter dito aquilo."
Ela deu um meio-sorriso misterioso, que ele interpretou como sarcástico.
"Eu só estava furioso com o cara."
"Tudo bem", ela disse, calmamente outra vez. "Eu também não devia ter dito... certas coisas. Mas você sabe como ficam os hormônios das mulheres grávidas."
Ele assentiu. Então, apenas silêncio e olhares outra vez. Ainda era muito cedo para dizer mais, então ele apenas perguntou:
"Posso fazer outra visita? Quero conhecer o garoto."
Ela mordeu o lábio e demorou a responder que "sim", e depois de olhar longamente para ele outra vez, Olivia disse:
"A gente se vê, então."
Claramente o expulsando dali.
Tudo bem. Havia sido bem melhor do que ele imaginava. Elliot se despediu e saiu, fechando a porta suavemente. Num impulso ele resolveu ir atrás do berçário, mas vistas através da janela, e naquela idade, todos os bebês pareciam iguais. Então ele se lembrou que Eddie devia estar em outra unidade - afinal, ele havia nascido de apenas sete meses.
"Por favor", ele perguntou a uma enfermeira que vinha saindo do berçário com uma criança adormecida nos braços. Elliot olhou ansiosamente para a criança mas não, definitivamente não - ela tinha traços orientais. "Os bebês prematuros...?"
A mulher franziu a testa, pensando, e por fim respondeu que não havia nenhuma criança prematura no hospital naquele dia. Ele não soube o que pensar, e deve ter empalidecido de repente porque a enfermeira perguntou com doçura:
"Qual o nome da mãe?"
"Olivia Benson."
"Ah", a mulher disse, e sua expressão se iluminou no mesmo instante - assim como Elliot relaxou só de ver a reação dela. "Acabei de dar uma olhada nele. É aquele ali", ela apontou para uma trouxinha, cujas únicas partes visíveis eram dois bracinhos agitados. Ele olhou melhor. Saudável. Mais ou menos do mesmo tamanho de todos os outros bebês.
"Mas eu pensei que..."
"Ele nasceu só uma semana antes do previsto. Não vai precisar de cuidados especiais", a enfermeira sorriu, e se desculpou, apontando para a criança e dizendo que tinha de ir.
Elliot murmurou qualquer coisa enquanto tudo dentro dele desmoronava. Oito meses e três semanas era o tempo exato em que ele vinha pensando naquela noite.
Edward não era filho de Mark.
Era dele.
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pois é, sou má e terminei o capítulo aqui (6) mudei de idéia e resolvi escrever a tal continuação de wonderland. aqui usei um clichezinho em fics com a liv que andei vendo numas histórias em inglês: namorado abusivo, mala, etc. é algo em que eu já pensava antes, ela se dá tão pouco valor e não tem exatamente sorte no amor, então eu acho que, principalmente agora, que os anos se passaram, ela topa qualquer um que quiser dar um pouco de "amor" pra ela. awn.
parte II mais ou menos em breve. e obrigada a todos os que estão lendo =)
