Reste dans le feu

Primeiro havia sua deliciosa fascinação por perfumes. Ela usava um em cada parte do corpo, diferentes nos pulsos e atrás dos joelhos, um mais doce, outro mais forte, os mais caros e mais obsoletos, e pedia sussurrando para que ele escolhesse o melhor.

(ele sempre pensara que o melhor era ela.)

Depois de tentar identificar um por um dos aromas diferentes ele poderia dizer, com precisão, qual que não pertencia a nenhum daqueles frasquinhos da prateleira, mas sim as próprias sardas que salpicavam o corpo de Ginny.

(ela dizia que pertencia a ele, desde aquele primeiro de setembro na plataforma 9 ¾.)

Cada novo cheiro em um novo lugar trazia alguma antiga memória, e tinha a ver com os três filhos, a guerra, a escola, o namoro, a imprensa, as saídas nas sextas-feiras, as carreiras promissoras, os jornais, os jogos com o Harpies ou com os irmãos, as horas e mais horas ocupados demais com colunas e papeladas para se importarem um com o outro.

(lembrava daqueles papéis caindo enquanto ela subia na mesa.)

Os dois caíam no chão, porque camas eram formais e clássicas demais e eles não eram assim. No tapete na frente da lareira, tapete vermelho da cor dos cabelos dela, da cor do fogo – do fogo dela. Ela pedia mais uma vez, sussurrando palavras não tão delicadas e não tão certas e combinando tanto, tanto com ela.

(o jeito como não era certa, como não era delicada, suas perturbações, suas erupções, seus olhos brilhando às vezes em ódio, às vezes em poder, outras em amor e Harry poderia jurar que estar ali, sendo aquele que atiçava as fagulhas do fogareiro, era o maior e melhor tipo de sorte que um homem poderia ter)

Ia devagar até que ela reclamasse, e ele ria. Ria e continuava tomando conta, porque era dele e sempre fora a missão de fazê-la sair de seus eixos tão bem centrados. Os dois corpos transformavam-se em duas faíscas do fogo, fundindo-se, queimando com o álcool dos perfumes, até que só restassem cinzas.

Reacendendo depois quando houvesse mais perfume.

As cinzas duravam poucas horas, até certa época. Vieram James, Albus, depois Lily e pra ressurgir era difícil, a pequena chorava tanto, gostava tanto de colo – especialmente do dela. Harry não poderia culpá-la. Eles foram para a escola, Ginny ficou tão triste que só os braços dele acalmariam, e quando os pequenos voltavam para casa ela usava uma fragrância floral que combinava com o papel de mãe que às vezes ela fraquejava em executar.

(e de novo, e de novo, até que apagou de vez aquela lareira, os olhos não flamejaram, os pulsos foram perfumados pela última vez de um perfume doce demais para a ocasião.)

Chegou a velhice, as doenças, um ou dois anos de desespero porque ele decidira não contar mais o tempo depois de Ginny lhe confessar, naquela cama do Saint Mungus, que seu testamento já fora para o Ministério. E fora mais duas ou três semanas até que ele fechasse os olhos dela como fechava as cortinas do seu quarto enquanto ela se perfumava para mais uma noite.

(pouco tempo depois, o menino-que-sobreviveu morreu de amor.)


N/A: Minha primeira HG. É um casal que eu gosto, mas foi difícil de sair. R&R!