Draco sentia que o seu casamento não passava de uma farsa, desposara Astoria Greengrass para cumprir a vontade de seu pai, ter herdeiros puro-sangue e manter a linhagem perfeita, nem que para isso tivesse de renunciar à pessoa por quem sentira o único exemplo de amor. Mas era tarde e não podia mudar o passado e seria demasiado problemático mudar o presente.

Apenas duas vezes por ano a voltava a ver, no inicio e no fim de cada ano lectivo, quando levava o seu filho a King Cross, para ele voltar a Hogwarts.
Nesses dias apresentava um sorriso cínico falso, e o coração demasiado pesado para sequer a olhar nos olhos. Acenava a cabeça como sinal de cumprimento, ao qual era respondido com um aceno por parte de Harry Potter, sim esse mesmo, da cicatriz, da fama. Estava acompanhado de dois Weasley e da Granger, e respectivos filhos. Eles tal como Scorpius frequentavam Hogwarts. Despedira-se do filho rapidamente, não suportava o sentimento de culpa que o invadia por durante todos estes anos ter renunciado á pessoa que realmente amava.

Pôs a mão sob o ombro de Astoria e foram-se embora para casa. Uma casa demasiado grande mas demasiado vazia, durante aqueles nove meses apenas seria acompanhado pela esposa, e pelo seu cão de estimação, um Cocker Spaniel preto de nome Hermes.

Os elfos domésticos residentes por vezes ainda passavam para por algo ao sitio, fora disso a casa parecia um verdadeiro tumulo. O silencio evadia cada canto daquela imensa mansão, triste e escura, tal como o coração dos seus proprietários. Malfoy sentou-se no cadeirão, pensativo, qual seria a próxima vez que a veria? Voltar a ver os seus cabelos encaracolados a esvoaçar ao vento, o vislumbre dos seus olhos castanhos e o seu sorriso único, com o qual muitas vezes implicara no passado. Hermes subiram ao seu colo, parecia compreender o que Draco sentia principalmente devido ao olhar melancólico comum em cães daquela raça. Malfoy mimava o animal com um amor, que nunca demonstrara a um humano. Considerava os animais mais verdadeiros que as pessoas, eles nunca o trairiam. Hermes encostou a cabeça ao seu peito e adormeceu, no seu colo. Também ele acabou por adormecer.

Durante horas dormiu, o silêncio da casa facilitava tal tarefa, mas apesar de tudo em nada aquele estado latente fora agradável, na sua mente surgiram imagens referentes á morte do seu pai em Azkaban, anos antes, mas não uma morte física, mas sim o chamado "Beijo da Morte", algo que perturbava o imaginário dos feiticeiros, deixava o corpo como uma concha vazia, sem alma, sem um "eu". Contorcia-a aterrorizado, o que fez com que o cachorro salta-se do seu colo amedrontado, as lágrimas escorriam do rosto pálido do loiro, que nem em sonhos suportava relembrar tal passagem da sua vida. Fora esse momento que marcara todo o processo e acções que viriam a ser cruciais na sua vida, tal como o seu casamento. Apenas o fizera pois era desejo do seu pai que ele continuasse com a linhagem da família e trouxesse o prestigio de novo à família Malfoy, e Astoria Greengrass era exactamente perfeita, uma rapariga de sangue-puro, relativamente simpática, além disso sendo loira, poderia cumprir a tradição da família de ter herdeiros de cabelos dourados. A família de Astoria tinha uma fama e prestigio consideráveis dentro da comunidade de feiticeiros, não viessem eles de uma linha de excelentes jogadores de Quidditch integrantes da infama selecção inglesa.

Levantara-se ainda que meio atordoado, pelo que percebia tendo em conta a enorme agitação dos elfos, a hora de jantar estaria a aproximar-se. Ainda teria de se preparar a sua mãe iria jantar com eles, tal como era costume desde que se casara. Draco sentia compaixão pela mãe, compreendia a sua dor, e tinha consciência do impacto que a prisão e morte de Lucius haviam tido na vida de Narcisa. Fora ao seu quarto trocar de roupa, despira o enorme casaco, que esquecera de tirar à entrada da casa. Ao retirar as coisas do seu bolso deu - se conta de uma fotografia que guardava religiosamente. Era uma fotografia dela, durante um jantar de antigos alunos em Hogwarts, como as fotografias da comunidade feiticeira moviam-se era possível ver o seu cabelo esvoaçar à medida que alguém a chamava, sorria acompanhada do respectivo marido. Parecia feliz, o que desfazia lentamente o coração do loiro, jamais seria capaz de destruir a felicidade dela, por maior que a sua vontade de ficar junto a ela fosse. Pousou a fotografia de novo no bolso, trocou de camisa e apertou a gravata. Bateram à porta, era um dos elfos, Wennie, para o chamar a jantar, Draco agradeceu, aprendera a respeitar os elfos com o tempo. Penteou rapidamente o cabelo antes de descer toda a escadaria. A sua mãe estava á porta, retirando o enorme casaco que os elfos colocaram delicadamente no bengaleiro. Narcisa envelhecia a olhos vistos, os seus olhos pareciam apagados, sem emoção alguma que mão fosse a tristeza. As rugas acentuavam-se há voltas dos olhos azuis, devido a todas as noites passadas a chorar pela morte do marido. Viu a sua mão gélida, ser beijada pelo filho em sinal de cumprimento, visto nunca a sua relação ter sido de grande intimidade. Malfoy sempre tivera amas que tratassem dele perante a quase permanente ausência da mãe, que o mimava em presentes e mimos quando o via, e passara grande parte do tempo em Hogwarts.

Dirigiram-se os 3 à mesa, onde foram servidos de imensas iguarias, provenientes de todos os cantos do mundo. O silêncio à mesa tornara-se constrangedor, a tal modo que Draco nervoso entornou um cálice de vinho sobre a imaculada toalha de linho. Dois elfos domésticos apareceram quase que de imediato no local. Após o jantar, o loiro ausentou-se para a sua biblioteca pessoal, precisava de desanuviar, isolar-se por um bocado daquele ambiente.
Ao contrário do que muitos pensavam, Malfoy era uma pessoa erudita e prevenida de saberes vastos sobre diversas áreas de saber. Odiava nunca ter ninguém com quem partilhar esse saber, as pessoas em seu redor pareciam não se importar com tais coisas, baseando a sua vivencias em coisas fúteis e de interesse momentâneo. Sentara-se na poltrona a ler "O retrato de Dorian Gray" de Oscar Wilde que era um dos seus livros de eleição. Fazia-o pensar na opinião com que muitas vezes a sociedade tem de si, vendo-o como arrogante e fútil, sem objectivos e aspirações de vida. Contando a história de um jovem que vendeu a sua alma em busca de juventude eterna, Draco revê-se em Dorian Gray, quando na expectativa de manter a honra do nome de Malfoy e da casa de Slytherin, "vende a sua alma" condicionando as suas relações e magoando então gente que ele por si não o faria. Aprendera com o tempo que não valia a pena pensar no tempo perdido, tinha de viver o presente e lutar pela sua felicidade. Folheava as folhas devagar, engolindo cada pequena palavra daquela obra-prima literária.
O relógio continuava a mover-se, passando despercebido aos pensamentos do loiro, que voltou à biblioteca quando ouviu o ranger da porta, Astoria veio à sua procura. Parecia que acabara de acordar propositadamente, o cabelo loiro estava despenteado, e apenas uma leve camisa de dormir, de seda rosa a cobrir o corpo pálido. Pousou o livro na prateleira e acompanhou-a. Apenas se ouvia o vento a embater nas enormes janelas da mansão, emitindo ruídos que faziam lembrar gritos de desespero. Chegados ao quarto, Malfoy ficou a olhar para o tecto, o facto de ter adormecido durante a tarde, havia alterada o seu relógio biológico ainda que por poucos tempo. Sentou-se ao parapeito a olhar para a lua que reluzia destacando-se do seu escuro de Londres. Mal ele adivinhava que do outro lado, alguém repetia o seu gesto.