Kuutamo

Ela sabe que a sociedade a verá em extremos.

Ela diz não se importar.

Quando eu a vejo ao longe, com seus cabelos vermelhos caídos ao seu redor, em um contraste com a sua pele pálida; quando eu a vejo ao longe, com o seu semblante relaxado e com sua beleza singular, que a faz assemelhar-se a uma divindade; quando eu a vejo ao longe, e os seus olhos se encontram com os meus, se transformando em fendas; quando a vejo caminhar lentamente até onde eu estou; quando os nossos lábios se encontram em um beijo contendo emoções não reveladas e sei que a sua aparente pureza não seria capaz de dá-lo;

Eu sei que ela se importa.

É sórdido.

Nosso amor doentio está escondido nas paredes negras de um quarto qualquer, onde estamos escondidos do mundo ao nosso redor. Onde há apenas nós dois. Nossas lembranças, todas as nossas vivências... Não há tempo para recordá-las. Nossos corpos se encontram em um misto de desejo, onde afogamos nossas mágoas com tanta vivacidade que acabamos por esquecer que nós próprios somos os seus causadores. A culpa é nossa e não há para onde fugir, não há como esquecê-la ou rejeitá-la. Ela está no sorriso singelo de sua face cálida, no vento que voa em seu vestido leve ao verão... Mas, quando se trata apenas de nós dois, não é necessário. A dor é o nosso combustível e em nosso desespero sabemos que não há tempo.

Não há tempo.


Nunca houve.

Nunca houve tempo para deitarmos juntos e dizermos que nos amávamos. Nunca houve. Nós, em nossa adolescência mal-disfarçada, acreditávamos que dizer não seria necessário. O amor estaria presente em nossos olhares após o encontro de nossos corpos, ou quando nós dois já não estivéssemos sozinhos o suficiente para encontrá-los.

Os olhares nunca existiram.

Não há nada nela que possa me acalmar.

O seu olhar nunca me dirá que eu devo esperá-la, porque ela sabe que não devo. O seu olhar nunca me dirá que ela me ama. Ela não quer fazê-lo. Ela não é capaz.

"Olhe para mim."

Ela me ignora. Ela sabe que a minha paciência será esgotada em breve. Anos mais tarde, eu irei compreender que era exatamente o que ela gostaria. Que, quando seguro bruscamente o seu braço, forçando-a a se virar e ela desvia o olhar mais uma vez, ela quer que eu a machuque tão profundamente quanto ela faz a mim. Ela sabe. Ela sempre soube.

"Olhe. Para. Mim."

Eu seguro seu rosto bruscamente, encontrando seu olhar pela primeira vez. Não há nada. Não há dor ou amor em seu olhar, e as lágrimas que percorrem seu rosto são frutos de uma falha em sua máscara. Elas são lágrimas de pena para mim e jogo o seu corpo de qualquer modo no quarto, largando-a sozinha. Eu não estou presente quando a sua dor se torna forte o suficiente para que ela derrame o seu próprio sangue.


Ela diz não se importar.

O término de tudo que há entre nós é dado no instante em que sou capaz de admitir que o seu descaso me enraivece. Ela diz não se importar, mas há a felicidade em seu olhar quando vejo a sua caminhada para longe de mim e longe de tudo o que nós sempre seríamos.¹ Ela diz não se importar, mas não me perdoa quando imploro por isto, e eu sei que é porque não há nada para ser perdoado. Ela está feliz porque sou capaz de machucá-la tão fortemente quanto sabe que me machucou.


Não há nada, porque me torno a pessoa que ela era. A pessoa que ela lutara para manter distante de mim e, que ao entender, a pessoa que passo a odiar.

Mas eu ainda a amo.


N/A: A história foi feita para o IV Challenge de Dor do seisvê. Kuutamo é a forma finlandesa para se escrever moonlight, que significa luar. O título também faz referência a música da banda Apocalyptica, Quutamo, que me serviu de inspiração.

¹: A cena da penseira em OdF.